Em Tóquio, nos Jogos Paralímpicos, a Ucrânia foi o quinto país mais medalhado. Com 139 atletas, um número que fica longe dos mais de 220 que China, Grã-Bretanha, Rússia ou Estados Unidos enviaram para o Japão, a delegação ucraniana amealhou 98 medalhas, apenas menos seis do que os norte-americanos. Passaram praticamente seis meses desde Tóquio — e ninguém poderia imaginar que os Jogos Paralímpicos de inverno, em Pequim, fossem tão diferentes para a Ucrânia.

A delegação ucraniana chegou à China no final de fevereiro e, na sua maioria, a partir de Itália, onde fica o centro de treinos que costumam utilizar: algo que Valerii Sushkevych, o presidente do Comité Paralímpico Ucraniano, considerou “um pequeno milagre”. O início da invasão russa mudou por completo um evento que tem especial importância na Ucrânia, um dos países do mundo inteiro com maior sucesso per capita nas modalidades paralímpicas. Talvez por isso, e mesmo com a iminência do início da guerra, a ideia de não participar nos Jogos nunca tenha estado em cima da mesa.

A explicação do sucesso ucraniano nos Paralímpicos

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“Os nosso soldados estão lá a combater. Nós, a equipa paralímpica, temos as nossas batalhas aqui. Se não tivéssemos vindo, seria como perder uma posição. Seria uma capitulação”, explicou Valerii Sushkevych ao The New York Times. Na semana e meia que passou desde que a guerra começou, já em Pequim, os 54 atletas ucranianos têm recorrido ao telemóvel, entre chamadas e internet, para comunicar com a família e os amigos que estão no país. Pelo meio, têm de competir contra alguns dos melhores do mundo. “De manhã, pergunto-lhes sempre se dormiram. Dizem sempre ‘não, não’. Têm caras tristes, fechadas. O ambiente é muito difícil. Estamos todos a pensar na nossa casa”, acrescentou o presidente do Comité.

Na passada sexta-feira, antes da cerimónia de abertura dos Jogos, a delegação ucraniana uniu-se para um protesto numa zona de espera para os participantes e gritou frases como “paz para a Ucrânia” ou “parem a guerra”, exibindo cartazes e recebendo aplausos e apoio de atletas de outros países. Dias antes, o Comité Olímpico Internacional tinha decidido afastar todos os russos e bielorrussos dos Jogos Paralímpicos — uma opção remendada, já que inicialmente havia anunciado que os atletas poderiam competir mas sem as cores, o hino nacional ou a bandeira da Rússia ou da Bielorrússia. Ainda assim, os ucranianos têm aproveitado todas as subidas ao pódio para deixar os óbvios, expectáveis e naturais apelos.

Beijing 2022 Winter Paralympics - Day 3

Valerii Sushkevych, antigo nadador, é agora presidente do Comité Paralímpico Ucraniano

Oksana Shyshkova, que esta segunda-feira ganhou a prova de esqui cross-country e conquistou a quarta medalha de ouro da Ucrânia, foi um desses exemplos. “Estamos aqui para representar o nosso país. Para glorificar o nosso país, para dizer ao mundo que a Ucrânia existe. Através do desporto, podemos aparecer à frente de todos vocês e dizer ao mundo aquilo que está a acontecer”, disse a atleta, sublinhando que os ucranianos têm entrado para as competições “de olhos vermelhos” de tanto chorar. Atualmente e ao fim de três dias de Jogos, a Ucrânia tem oito medalhas, estando no terceiro lugar do medalheiro apenas atrás da China e do Canadá.

Valerii Sushkevych, que foi nadador paralímpico e também já cumpriu um mandato enquanto deputado no Parlamento ucraniano, é um dos principais ativistas pelos direitos das pessoas com deficiências motoras no país. Nas últimas semanas, tem recebido centenas de pedidos de ajuda através das redes sociais — um deles chegou de uma mulher em cadeira de rodas que estava presa no 17.º andar de um edifício que tinha sido evacuado porque o elevador não estava a funcionar. “As pessoas em cadeiras de rodas não podem fugir as bombas. Os cegos não podem fugir dos mísseis”, atirou Sushkevych, que também sublinhou o facto de a invasão ter alegadamente sido adiada para depois dos Jogos Olímpicos de inverno mas ter decorrido durante os Jogos Paralímpicos de inverno. “Foi quase como se dissessem que nós não importamos, que não temos valor”, acrescentou.

Atletas russos e bielorrussos banidos dos Jogos Paralímpicos de Inverno

Depois de ter concluído o “pequeno milagre” de levar a delegação ucraniana para Pequim, Valerii Sushkevych terá agora de concluir o grande milagre de tirar a delegação ucraniana de Pequim já no próximo domingo, quando os Jogos Paralímpicos terminarem. Voltar à Ucrânia está fora de questão e a solução, muito provavelmente, será procurar abrigo num país europeu de forma temporária. “Mas durante quanto tempo? Dias? Semanas? Ficamos em hotéis? E pagamos como? Não temos dinheiro para isso. Ainda não há respostas”, questiona. Por agora, os atletas paralímpicos ucranianos ainda não sabem onde vão estar na próxima segunda-feira.