A descida mais agressiva e temporária do imposto sobre os produtos petrolíferos é “uma medida excecional e transitória e tomada num contexto muito específico à qual devemos estar muito atentos para perceber se esta descida muito acentuada não é absorvida pelas margens de comercialização como acontece com outras descidas de impostos indiretos”.

O aviso foi deixado pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Mendonça Mendes, na apresentação da primeira proposta de lei deste Governo que prevê a redução por dois meses do imposto petrolífero equivalente ao resultado de uma descida do IVA da taxa normal de 23% para 13%. Esta medida, que permitirá baixar o preço final dos combustíveis de 16 a 20 cêntimos por litro (dependendo do valor de mercado à data da aplicação) irá entrar em vigor em maio e substituirá o Autovoucher que deu reembolsos de 20 euros por mês por compras em estações de serviço nos meses de março e fevereiro.

Proposta do Governo aprovada.  Alterações propostas pela oposição chumbadas na especialidade

A proposta do Governo foi aprovada na generalidade pelo PS, PSD, Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda e o deputado do Livre. Abstiveram-se o PCP, o Chega e a deputada do PAN. Na votação na especialidade, todas as propostas de alteração apresentadas pelos partidos da oposição — neste caso PSD, IL, PAN e Chega — foram chumbadas, tendo em alguns casos o PS (que não precisa de mais nenhum partido para viabilizar a proposta) sido acompanhado apenas por Rui Tavares do Livre no sentido de voto.

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“Há quem esteja a ganhar muito com os preços. Coloca-se a questão sobre o efeito prático destas medidas, quando as petrolíferas ficam com liberdade para praticar os preços que querem, absorvendo como já aconteceu a descida da carga fiscal”, argumentou Bruno Dias do PCP na fase de debate. “Quem acha que o preço abusivo é só por causa dos impostos?”, perguntou Pedro Filipe Soares do Bloco de Esquerda, remetendo para os lucros da Galp e denunciando o que qualifica de “enorme especulação nos preços da energia e da grande distribuição”.

Salvaguardando as diferenças entre o Governo e os partidos à esquerda sobre a regulação dos preços no mercado, Mendonça Mendes diz que esquecem as iniciativas legislativas já aprovadas pelo Governo e questionou a esquerda. “Estão contra a descida do imposto?”

O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais destaca contudo o que não separa os partidos: a baixa do imposto petrolífero para compensar o aumento do preço dos combustíveis que se agravou com a guerra na Ucrânia. E sublinhou o aviso já feito ao setor petrolífero. “O que queremos evitar é que as margens das gasolineiras possam absorver o esforço dos portugueses com a baixa dos impostos”. E, para tal, conta com dois instrumentos. O reforço da monitorização da evolução das margens do negócios de refinação, distribuição e comercialização com a publicação um relatório trimestral da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) e o diploma em consulta pública que permite ao regulador propor limites caso conclua que existem margens excessivamente elevadas.

Desde o início de março que está em vigor um mecanismo de devolução dos ganhos cobrados a mais no IVA resultantes da subida de preços através da descida do IVA. Este mecanismo tem uma fórmula que calcula antecipadamente a evolução do preço na semana seguinte para ajustar a taxa do ISP de forma a garantir a neutralidade fiscal. E em praticamente todas as semanas as contas divulgadas pelo Governo na sexta-feira têm sido mais generosas nas baixa e menos acentuadas nas descidas do que os preços praticados pelas petrolíferas, o que parece apontar no sentido de que as empresas estão a elevar as margens, em particular quando há reduções de imposto petrolífero.

Previsões do Governo foram quase sempre mais favoráveis (aos automobilistas) do que preços das petrolíferas

Além disso, há o exemplo da descida do IVA na restauração para a taxa intermédia aprovada no primeiro governo socialista e que não se traduziu no imediato numa redução dos preços cobrados aos consumidores.

Para além da proposta de lei do Governo, o Parlamento discutiu projetos dos partidos que vão mais longe na descida de impostos na energia. O PCP apresentou vários diplomas que vão desde a redução do IVA sobre a eletricidade, até à fixação de preços máximos de referência nos combustíveis e GPL e a eliminação do aumento de imposto feito em 2016 e da dupla tributação do IVA e ISP. O Chega propôs um desconto de 20 cêntimos por litro no preço dos combustíveis por seis meses. O Bloco também quer reduzir a tributação e eliminar a dupla tributação nos combustíveis. A Iniciativa Liberal propôs a redução do IVA na eletricidade e no gás para 6%. Todas estas iniciativas foram chumbadas com o voto contra do PS.

O PSD não apresentou proposta, mas respondeu à afirmação do secretário de Estado de que a direita estava ausente do debate e sublinhou que o Executivo de maioria absoluta tem a opção exclusiva de aprovar propostas para compensar os preços por via dos impostos. “Não podem escudar-se, hoje têm a maioria” e terão de mostrar se querem ou não reduzir os encargos para os portugueses, afirmou Hugo Carneiro.

Para Rui Costa da Iniciativa Liberal, a proposta legislativa do Governo “é insuficiente já deveria ter sido tomadas à muito tempo”, dada a enormidade da cobrança fiscal. Rui Tavares do Livre destacou que esta baixa temporária do imposto é um “analgésico” que pode ser necessário neste contexto, mas pediu outras opções no transporte público que permitam às famílias reduzir o uso do automóvel.