O Supremo Tribunal de Justiça manteve-se as penas de nove anos de prisão aplicadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa aos três inspetores do SEF condenados por agredir até à morte o cidadão ucraniano Ihor Homeniuk, no aeroporto de Lisboa, em março de 2020, de acordo com o acórdão a que o Observador teve acesso.

Os juízes conselheiros consideraram que a penas de nove anos de prisão “se mostra adequada”. “ Esta é a pena que, pesadas todas as circunstâncias e critérios atrás enunciados, se nos afigura adequada e que deve ser cumprida por cada um dos arguidos”, lê-se no acórdão de mais de 500 páginas.

“A conduta dos arguidos teve ainda graves repercussões, pois a expectativa dos cidadãos no modo de atuação dos seus agentes de autoridade não é o de que resolvam questões comportamentais mediante agressões físicas a quem quer que seja”, refere a decisão cuja relatora foi a juíza conselheira Teresa Féria.

Inicialmente acusados pelo crime de homicídio, em maio de 2021, os juízes do Tribunal de Lisboa acabram por condenar os três inspetores por um crime menos grave. Duarte Laja e Luís Silva foram condenados a nove anos de prisão efetiva e o inspetor Bruno Sousa foi condenado a uma pena menor de sete anos de prisão — mas pelo crime de ofensas à integridade física grave qualificada, agravada pelo resultado da morte de Ihor Homeniuk.

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Os juízes conselheiros não entenderam que houvesse diferenças na responsabilidade pelo crime. “Salvo o devido respeito, não se antolha essa diferença de culpa“, lê-se no acórdão com mais de 500 páginas. Em relação a Bruno Sousa, o Supremo considerou que “não estamos perante alguém que, acompanhando colegas mais velhos e de maior experiência, sentisse intimidação ou temor reverencial, que o condicionasse a fazer o que os outros lhe mandavam”.

Inspetores do SEF mataram, mas sem intenção. Queriam que Ihor percebesse que tinha de ficar “quieto” — e fizeram-no com violência

Nem a defesa dos inspetores nem a família da vítima concordaram com as penas aplicadas e recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa. No final do ano, os juízes desembargadores equipararam as responsabilidade no crime a todos os envolvidos e decidiram aplicar a mesma pena aos três inspetores: nove anos de prisão — alterando apenas a pena ao inspetor Bruno Sousa que tinha sido condenado a sete anos.

Caso Ihor. Tribunal da Relação agrava pena de um dos inspetores do SEF e condena os três a nove anos de prisão

Só que, além disso, a Relação de Lisboa fez também uma alteração jurídica do crime imputado aos arguidos: os inspetores tinham sido inicialmente condenados por ofensa à integridade física grave qualificada, agravada pelo resultado de morte por terem provocado “perigo para a vida” a Ihor Homeniuk. No entanto, os juízes desembargadores consideraram que, afinal, os três inspetores tinham provocado não “perigo para a vida” mas sim uma “doença particularmente dolorosa ou permanente”. Foi isto que os advogados contestaram ao recorrerem para o Supremo Tribunal.

No entanto, os juízes conselheiros decidiram manter esta qualificação do crime por considerar que o número e localização das fraturas provocadas ao cidadão ucraniano configura uma “doença particularmente dolorosa” e “de sofrimento atroz que foi representada e aceita pelos arguidos”. “Na verdade, os arguidos provocaram 14 fraturas de costelas à vítima – não uma, mas 14 (8 de um lado e 6 do outro). Ora, é do mero senso comum que qualquer fratura (doença) provoca dor. Agora imagine-se essa dor vezes 14, sendo que todas as fracturas se localizam num local absolutamente essencial para a manutenção básica da vida – inspiração e expiração”, lê-se no acórdão.

O Supremo considerou que “a morte de Ihor Homeniuk não foi pelos arguidos querida, não foi com essa intenção que agiram”. E os três inspetores “não consideraram que da sua atuação, esse resultado pudesse vir a ocorrer e, portanto, não tomaram as providências necessárias a evitá-lo”.

Em declarações à Lusa, as defesas dos inspetores condenados revelaram que tencionam recorrer da decisão.

Ministério Público está a investigar mais sete suspeitos pela morte de Ihor Homeniuk

Ihor Homenyuk morreu a 12 de março de 2020 no Centro de Instalação Temporária do aeroporto de Lisboa, dois dias depois de ter desembarcado, com um visto de turista, vindo da Turquia. De acordo com a acusação, o SEF terá impedido a entrada do cidadão ucraniano e decidido que teria de regressar ao seu país no voo seguinte. As autoridades terão tentado por duas vezes colocar o homem de 40 anos no avião, mas este terá reagido mal. Terá então sido levado pelo SEF para uma sala de assistência médica nas instalações do aeroporto, isolado dos restantes passageiros, onde terá sido amarrado e agredido violentamente por três inspetores do SEF, acabando por morrer.

Apesar da decisão do Supremo, o caso está longe de ter um fim à vista. Na leitura do acórdão do tribunal de primeira instância, os juízes decidiam extrair uma certidão para que se pudesse investigar, num processo isolado, “todos aqueles que, na hora, tomaram conhecimento do que se passava com Ihor Homeniuk e nada fizeram”, afirmou o juiz presidente. Em julho de 2021, a procuradora do processo, Leonor Machado, vem identificar quem são, para já, “todos aqueles” que quer ver investigados e acusados.

São sete pessoas que foram ouvidas como testemunhas no julgamento de Duarte Laja, Luís Silva e Bruno Sousa: três da estrutura do SEF e quatro vigilantes. António Henriques, diretor de Fronteiras do SEF à data do crime e que se demitiu na sequência do caso, é o primeiro da lista. Quando foi ouvido em tribunal no início de março, admitiu que colocar passageiros que se “portavam mal” na Sala Médicos do Mundo, como aconteceu com Ihor Homeniuk era “prática habitual” e regulamentada. Do SEF, há ainda o inspetor coordenador João Agostinho e o inspetor-chefe João Diogo — que ordenou que os três inspetores já condenados fossem à sala “acalmar” Ihor Homeniuk. O Ministério Público quer investigar estes três elementos do SEF de um crime de omissão de auxílio.

À lista juntam-se ainda quatro vigilantes: Manuel Correia e Paulo Marcelo pela prática, em concurso efetivo, de um crime de ofensas à integridade física graves e um crime de omissão de auxílio — ambos admitiram em tribunal ter atado o cidadão ucraniano durante a madrugada com fita adesiva — e Rui Rebelo e Jorge Pimenta pela prática do crime de omissão de auxílio — sabiam que Ihor Homeniuk tinha sido deixado algemado e nada fizeram.

O Supremo também se manifestou sobre a responsabilidade de outras pessoas na morte do cidadão ucraniano, considerando que “embora se não possa imputar a nenhum dos vigilantes, nem às chefias do SEF presentes no aeroporto de Lisboa, o total conhecimento da dimensão do espancamento sofrido por Ihor Homeniuk às mãos dos arguidos , a verdade é que muitas pessoas tiveram conhecimento de que ele teria sido agredido e, mais relevantemente, tiveram oportunidade de verificar, durante as horas que se seguiram a tal acto, que o mesmo se mostrava apático, prostrado, algemado com as mãos atrás das costas e impossibilitado de usar os pés, por os ter amarrados”. “E nada fizeram, nem sequer tiveram a preocupação de o ajudar“, lê-se ainda.