A um mês de ser conhecido o resultado final, a corrida pela liderança do Partido Conservador britânico (e, por inerência, dos destinos do país com o cargo de primeiro-ministro) parece já estar decidida. A antiga ministra dos Negócios Estrangeiros de Boris Johnson, Liz Truss, é a grande favorita face a Rishi Sunak. Mas o debate desta noite, que teve início às 20h (hora de Lisboa) ainda pode trazer surpresas.

Impostos, saúde e Ucrânia — os temas que Liz Truss navegou com facilidade

A primeira das perguntas que foram colocadas esta noite — por eleitores indecisos e por uma jornalista da Sky News — foi sobre a recessão económica prevista para o Reino Unido e colocada a Liz Truss, que classificou a situação como “preocupante, mas não inevitável”. Para combater a situação, prometeu “impostos baixos”, nomeadamente o chamado “seguro nacional”, uma contribuição semelhante à que em Portugal se paga à Segurança Social.

É altura de sermos ousados”, atirou a candidata. “Não podemos chegar ao crescimento cobrando impostos.”

Relativamente ao Sistema Nacional de Saúde (NHS na sigla inglesa), Liz Truss prometeu mais apoio para médicos e enfermeiros “removendo diktats centrais”. “Precisamos que mais decisões sejam tomadas pelas pessoas que estão na linha da frente”, declarou a candidata, que prometeu ainda medidas para atrair de volta para o NHS profissionais de saúde que o abandonaram desde o início da pandemia de Covid-19. “Precisamos dos melhores cérebros a trabalhar no NHS”.

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“A única forma de esta guerra acabar é com os russos a saírem da Ucrânia”, sentenciou ainda a antiga ministra dos Negócios Estrangeiros após uma pergunta de um eleitor sobre a guerra no país. Para isso, Truss defende duas medidas: continuação de fornecimento de armamento aos ucranianos e aumento das sanções à Rússia. O segundo ponto levou a que Truss declarasse que “os países europeus têm de encontrar alternativas ao gás russo”, acusando Putin de ter instrumentalizado o gás para pressionar a Europa. E Truss aproveitou o tema para relembrar que defende o aumento da despesa nacional com a Defesa para 3% do PIB — acima dos 2% recomendados pela NATO.

Ao longo da noite, Truss recorreu várias vezes à sua experiência como ministra dos Negócios Estrangeiros para tentar marcar pontos. “Compreende que não posso dar todos os detalhes dessas conversas, Kay…”, disse a certa altura à jornalista Kay Burley, sobre a posição do Reino Unido face a Taiwan. A região, diz a candidata, “deve ser defendida”, mas recusou explicitar se pondera visitar a ilha caso venha a tornar-se primeira-ministra.

Dívida pública, mudanças de opinião e Boris Johnson deixam Truss em apuros

Mas o primeiro grande desafio para a candidata dos tories surgiu quando uma eleitora se voltou a focar na economia. Jill, uma conservadora de Tunbridge Wells, perguntou a Liz Truss se não está na altura de tentar equilibrar as contas do Estado, depois do aumento da dívida pública provocado pela crise de Covid-19. A candidata disse que não considerava essa uma prioridade imediata e destacou que o nível de dívida do Reino Unido é inferior ao de outros países como os EUA — o que provocou uma troca de palavras algo inflamada com a eleitora.

A pergunta seguinte não foi mais fácil: Truss foi confrontada com o sistema de pagamento aos funcionários públicos variável consoante a região do país, uma medida que já defendeu no passado e que entretanto abandonou.

Quando mudo de ideias, explico porque mudei e é isso que vou fazer como primeira-ministra”, prometeu.

A jornalista Kay Burley, da Sky News, agarrou no tema e confrontou Truss com a sua mudança de opinião na segunda fase do evento. “Aceita que cometeu um erro por ter anunciado esta política?”, questionou a repórter. Truss recusou usar a palavra erro e repetiu várias vezes que “recuou nessa política”, num momento em que ficou claramente fora de pé. Já sobre a abolição da monarquia — um tema que defendeu em tempos —, a candidata foi clara: “Estava errada”.

Já relativamente à decisão do atual governo de impor o chamado “imposto Windfall”, sobre lucros inesperados das grandes empresas, Liz Truss distanciou-se do governo de Boris Johnson e mostrou-se contra a medida. “Os acionistas são muitas vezes pessoas que vivem da sua pensão, nem todos são homens de fato em gabinetes”, disse a antiga ministra para justificar a sua posição de não aumentar nem sequer um imposto que será aplicado a empresas que tiveram milhões em lucros, como a Shell.

Boris Johnson voltou a assombrar o debate quando foi perguntado a Truss se afastaria o primeiro-ministro do cargo de deputado caso o inquérito parlamentar venha a concluir que mentiu na Câmara dos Comuns. E a sua ex-ministra não conseguiu desembaraçar-se suficientemente bem: “Não vou fazer pré-julgamentos”, repetiu várias vezes, acrescentando que está convicta de que Johnson será ilibado. Perante o enumerar dos escândalos que envolveram o primeiro-ministro, Liz Truss reforçou o seu apoio a Boris Johnson ao longo do tempo destacando o seu legado no Brexit, as vacinas contra a Covid-19 e o apoio à Ucrânia. “Sim, ele cometeu erros, mas é errado caracterizá-lo [como alguém que enganou o país]”. 

Rishi Sunak tenta mostrar-se pró-Defesa e pró-NHS — mas duro na imigração

“Não”. Foi assim que Rishi Sunak abriu a sua participação, quando questionado por um eleitor se irá desistir da corrida, tendo em conta como Liz Truss segue à frente nas sondagens e reúne mais apoios de peso dentro do partido. “Estou a lutar por aquilo em que acredito”, garantiu, antes de enumerar alguns dos seus apoiantes mais relevantes como “o antigo ministro das Finanças de Thatcher”, Geoffrey Howe. Mas Sunak não conseguiu justificar por que razão a maioria dos seus antigos colegas no Conselho de Ministros apoiam a sua adversária.

Por outro lado, em termos de políticas, Sunak respondeu com um sonante “Sim” ao ser perguntado sobre se tenciona aumentar os gastos com a Defesa. “Eu sou o ministro das Finanças que liderou o maior aumento de sempre na área da Defesa”, relembrou. Um facto desmentido pelo ministro da Defesa, Ben Wallace, que disse que a decisão foi do primeiro-ministro, como apontou a jornalista. “Não vou estar aqui a dizer mal dos meus colegas”, rematou Sunak para arrumar a questão. E deixou uma promessa: “Vou investir aquilo que for preciso para vos manter seguros”.

“É duro o suficiente para fazer frente a Vladimir Putin?”, perguntou mais tarde a jornalista Kay Burley ao candidato. Rishi Sunak tentou mostrar que as sanções económicas são aquilo que estão a ter efeito para fazer frente à Rússia — “E imagine quem fez isso? Fui eu, como ministro das Finanças. Por isso, sim, sou duro o suficiente”, rematou.

Para além da Defesa, Sunak tentou também assumir-se como um defensor do Serviço Nacional de Saúde (NHS). “O NHS é a prioridade em serviços públicos para toda a gente. Cresci numa família ligada ao NHS”, afirmou o ex-ministro das Finanças, sublinhando que quis aumentar o orçamento da Saúde devido à crise de Covid-19: “Muita gente ficou chateada comigo por isso, mas achei que era importante”, disse. Por outro lado, defendeu que os cidadãos que faltem às consultas marcadas pelo NHS devem ser penalizados. “Temos de estar preparados para fazer as coisas de forma diferente e mudar o sistema”.

Relativamente à imigração, Rishi Sunak relembrou que também ele descende de uma família de imigrantes, mas sublinhou que é necessário “controlo nas fronteiras” e defendeu que o programa de deportações para o Ruanda deve continuar.

As cenas a que assistimos nas nossas televisões de pessoas a virem de barco são erradas. Isso tem de parar”, afirmou o candidato, que propôs que o Reino Unido se afaste da definição de asilo defendida pela União Europeia “explorada por advogados esquerdalhos” e siga modelos mais semelhantes ao da Austrália.

Sunak reconheceu, porém, que algum tipo de imigração é necessária no país — mas a imigração “dos melhores”, que possa ajudar a economia em áreas como “a inovação”.

Sunak ataca Boris Johnson e política económica da adversária

“O que é para si a honestidade?”, perguntou a certa altura a jornalista Kay Burley ao ex-ministro das Finanças.”Bom, honestidade é dizer-vos a verdade, mesmo quando não é fácil”, respondeu o candidato.

A pergunta deu início a uma fase tensa do evento para Rishi Sunak, com vários eleitores a confrontarem-no sobre o facto de ter dado início ao processo de afastamento de Boris Johnson ao apresentar a sua demissão.

Sim, trabalhei com o primeiro-ministro e estou muito orgulhoso do que alcançámos. Mas chegou a um ponto em que era demasiado difícil para mim continuar no governo”, assumiu Sunak.

O ex-ministro das Finanças tentou justificar essa decisão com o facto de discordar do primeiro-ministro em questões de “política económica”. Mas, ao ouvir mais perguntas e ao ser acusado de “traição” por um dos conservadores presentes, Sunak partiu para o ataque: “Não olhemos para o passado com óculos cor-de-rosa. Vejam o que aconteceu com o caso de Chris Pincher. Não podia defender aquilo, 60 membros do governo não quiseram defender aquilo e é por isso que estamos aqui”.

E o candidato aproveitou o momento para continuar ao ataque, tentando mostrar que a sua política económica é melhor do que a da adversária. Perante as questões da jornalista da Sky News, puxou dos galões ao destacar os apoios dados pelo governo enquanto era ministro das Finanças como resposta à crise de Covid-19. “É isto que quero continuar a fazer como primeiro-ministro”, prometeu, perante a recessão.

Mas Sunak acrescentou que isso não significa necessariamente uma baixa de impostos: “Não são os impostos que estão a provocar recessão, é a inflação”, acrescentou, aproveitando para “corrigir” o que a adversária disse antes de si. E sublinhou que a política de “empréstimos” defendida por Truss “não está certa, não é responsável e certamente não é conservadora”. “Temos de ser disciplinados com os gastos públicos”, decretou.

O antigo ministro das Finanças não pareceu tão seguro quando questionado sobre um tema que não tem sido central na campanha: o aborto. Afirmando-se claramente como “defensor do direito de escolha da mulher” e contra restrições à lei atual, não conseguiu explicar por que razão se absteve sempre nas votações sobre o tema quando estiveram a ser discutidas no Parlamento. “Provavelmente não estava presente, como ministro das Finanças viaja-se muito”, respondeu. “Era ministro das Finanças em 2015?”, questionou a jornalista. “Bom, não acho que se deva alterar a lei atual, é a minha posição”, acabou por responder Sunak, depois de gaguejar um pouco.