Com alguns bancos centrais, incluindo o Banco Central Europeu (BCE), a recorrer à subida das taxas de juro para tentar controlar a inflação, há quem esteja a escolher o Google Maps para demonstrar a sua preocupação com a situação económica.

À primeira vista, este não seria o local mais automático para deixar recados a quem toma conta dos destinos da política monetária, nota a Bloomberg, que deu conta desta curiosa tendência. O fenómeno é bastante visível nas avaliações feitas ao próprio quartel-general do BCE, em Frankfurt, na Alemanha.

Num uso mais consensual, estas avaliações feitas no Google Maps focam-se em aspetos mais práticos, como a arquitetura do edifício, as acessibilidades e a qualidade das infraestruturas de apoio. No caso do edifício do BCE, já há uma palavra mencionada com frequência diferente em destaque – inflação.

Neste momento, a torre do BCE tem um total de 524 classificações, o que reflete uma pontuação de 3,5 estrelas no momento de escrita deste texto. A torre de vidro de 45 andares, localizada no principal centro financeiro da Alemanha, foi concluída em setembro de 2012, mas só foi oficialmente inaugurada por Mario Draghi, na altura presidente do Banco Central Europeu, em 2015.

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Quase dez anos após a inauguração do edifício, a classificação tem vindo a descer ao longo dos últimos meses, mostram os dados da Bloomberg. Ainda que a Google deixe o aviso de que as críticas não são verificadas (mas são removidas se for identificado conteúdo falso), é possível perceber pelas datas que muitas das críticas com uma estrela coincidem com o anúncio da subida dos juros por parte do organismo liderado por Christine Lagarde.

A Bloomberg estabelece mesmo uma relação entre a classificação da torre do BCE e a taxa de inflação. Desde 2016 que o edifício mantém uma estável classificação acima de quatro estrelas. Em 2021, quando a subida da inflação começou a ser notada, a classificação desceu ligeiramente. Este ano, com a inflação da zona euro em máximos desde a criação da moeda única (a estimativa rápida para julho aponta para uma taxa de 8,9%), a classificação sofreu uma descida bem mais significativa.

Excluindo os comentários e avaliações feitos esta sexta-feira, que poderão estar ligados à notícia da Bloomberg, contam-se pelo menos 30 avaliações de apenas uma estrela feitas nos últimos dois meses.

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“Só quero agradecer ao BCE. Obrigado pela elevada inflação que causaram”, é possível ler num comentário de apenas uma estrela feito há dois meses. “Estão contentes pela subida dos preços?”, questiona outro utilizador, que também dá apenas uma estrela ao edifício. “Uma política monetária atrevida”, escreve outro utilizador do Google Maps, apontando que “o BCE está a tentar combater um incêndio florestal com uma pistola de água”. O mesmo utilizador acusava ainda o “BCE de ter uma audácia que não conhece fim”.

“Inflação mais alta do que a torre do BCE”, escreveu um utilizador já esta sexta-feira. “O principal objetivo da política monetária do BCE é somente o de manter a estabilidade de preços.” “É um desastre a decorrer”, continuou este utilizador, que também deixou uma crítica de apenas uma estrela.

O BCE não é o único banco central a subir as taxas de juro – também a Reserva Federal norte-americana e Banco de Inglaterra têm feito subidas nos juros. Ainda esta quinta-feira, o governador Andrew Bailey anunciou a maior subida desde 1995, na ordem de 50 pontos base. No entanto, os britânicos estão a ser bem mais comedidos nos comentários feitos ao edifício do banco de Inglaterra no Google Maps.

O edifício tem uma pontuação de 3,9 estrelas, de um total possível de cinco estrelas. Este edifício, em Londres, tem um total de 350 críticas. Curiosamente, muitas das críticas ao banco central inglês estão ligadas à troca de notas e ao serviço prestado durante essas trocas. Também há espaço para várias críticas positivas à arquitetura do edifício, onde esta instituição financeira está instalada desde 1734.

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Reserva Federal também não escapa às “reviews” dos críticos

Do outro lado do Atlântico, o “coração” da Reserva Federal dos Estados Unidos, que dita a política monetária da maior economia do mundo, fica na Constitution Avenue, em Washington DC. É lá que está o edifício do Conselho de Governadores deste banco central. E, à semelhança do BCE, também os campos que permitem fazer comentários ao edifício no Maps estão a receber avaliações que vão além do tema da acessibilidade ou arquitetura do edifício.

epa08968663 The Federal Reserve building in Washington, DC, USA, 27 January 2021. The Federal Reserve meets on 27 January, and is expected to leave interest rates near zero. EPA/JIM LO SCALZO

Edifício da Reserva Federal dos EUA, em Washington.

“A Reserva Federal está a arruinar a nossa economia e estatuto no mundo”, escreveu um utilizador há cerca de uma semana, dando apenas uma estrela. Nesta consulta, que regista um total de 87 críticas, totalizando 2,7 estrelas, há pelo menos 11 opiniões de uma estrela feitas ao longo dos últimos sete meses.

As palavras-chave mais associadas às avaliações deste edifício da Fed são “divisa”, “banco”, “economia”, “edifício”, “imprimir” ou “política”, esta última numa alusão a política monetária.

A Fed, liderada por Jerome Powell, anunciou no final de julho uma subida da taxa de juro de 75 pontos base, um regresso aos níveis pré-pandemia. Esta foi a quarta subida consecutiva das taxas da Fed para controlar a inflação nos EUA, que em junho atingiu os 9,1%.

A inflação no mercado norte-americano está em níveis de mais de 40 anos, já que é preciso recuar a novembro de 1981 para encontrar uma taxa tão elevada. As subidas dos preços dos combustíveis e da energia têm dado os maiores contributos para o aumento da inflação.

Os números da inflação em julho nos EUA serão conhecidos na próxima semana, a 10 de agosto. As estimativas dos economistas apontam para uma estabilização do índice de preços no consumidor, apontando novamente para um valor acima de 9%.

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