O bracarense editor do Centro Atlântico Libório Manuel Silva, autor de outros álbuns patrimoniais dos quais destaco Bibliotecas, em quarta edição, correu dois riscos neste seu projecto sobre o Douro: o de reincidir num tema fotográfico que pode parecer exaurido; e convidar para prefaciador o prestigiado e prestigiante escritor José Rentes de Carvalho, contando em demasia que ele não ultrapassaria a singela conveniência duma publicação com forte vocação comercial, com textos traduzidos para inglês e tudo.

Tecnicamente o fotógrafo é irrepreensível, diria mesmo duma competência a toda a prova, por exemplo quando se trata do exigentíssimo registo de abóbodas de igrejas (v. pp. 66, 179), tectos de caixotões (pp. 133, 135, 185, 204) e vitrais (pp. 169, 260), ou de recorrer a imagens obtidas por drone (pp. 67, 97, 261), sabendo escolhendo — quase sempre — os momentos do dia com a melhor luz para evidenciar o ondulado vinícola (pp. 120, 128), uma certa perspectiva sobre o rio (pp. 60, 97, 127, 171, 238), a fachada duma casa senhorial  (p. 194), o templo católico (pp. 39, 178) ou a implantação de castelos altaneiros como os de Numão e Nasiães (pp. 91, 99). Mas será suficiente?

O álbum consiste num roteiro de viagem pelos 24 concelhos que o grande rio percorre de Miranda do Douro até ao Porto e Vila Nova de Gaia. Algumas cenas etnográficas são encenadas para forasteiro ver, numa tradição que vem do Estúdio Alvão e de outros fotógrafos antigos mas que aos olhos de hoje resulta desconfortável, tanto mais que a dança dos pauliteiros de Miranda (p. 31), a animação de acordeão, cavaquinho, tambor e pandeireta dentro do dito comboio histórico do Douro (p. 167), a “vindima tradicional” (pp. 154-55 e capa) ou os caretos de Lazarim (p. 188), entre outros, já nos deram imagens muito melhores, quase inesquecíveis, em revistas de turismo e life-styling — e que contrastam com a bela série de seis retratos claro-escuro de tanoeiros de Gaia em acção (pp. 258-59). São registos para quem passa, depressa vê, pouco sabe e nada vai ficar a saber, como é bem o caso da Casa de Vila Boa de Quires (Marco de Canaveses) da segunda metade do século XVIII, o maior edifício civil barroco da Península Ibérica que não foi além da sua extensa fachada, classificada como de interesse público (p. 230), ou do Retábulo da Árvore de Jessé, na igreja de São Francisco do Porto (século XVIII, p. 284).


Título: “Maravilhas do Património: Douro”
Autor-fotógrafo: Libório Manuel Silva
Prefácio: J. Rentes de Carvalho
Cartografia: António J. Pedro
Editor: Centro Atlântico
Páginas: 288

Coffe-table book fotográfico bastante aceitável, poderia no entanto ter ido mais além, confrontando-se com o que outros — tantos outros — fizeram no mesmo género e tema, de modo a produzir algo que deles se distinguisse, seja por citação de escritores regionais (e não faltam bons, de ontem e de hoje), seja por informações complementares, históricas, naturais e culturais — as gastronómicas incluídas; e colocar a “francesinha” portuense num elenco de pratos requintados como cabrito assado no forno (p. 160) e o queirosiano frango alourado com arroz de favas (p. 212) é já uma derrota do bom senso e do gosto, e provavelmente até indigesta…

Em contrapartida, as páginas de Rentes de Carvalho não decepcionam os leitores habituados à sua encantatória memorização pessoal e à sua crítica cortante, sem meias-tintas, aos idílios durienses e aos desmandos contemporâneos. “A primeira vez que vi um ‘rabelo’ com motor, cabine, dezenas de turistas, não me deu para rir ou chorar, nem fiquei de boca aberta, vivi aquilo como um insulto, praga rogada às minhas recordações, à memória de todos os rabelos desde o princípio dos tempos, às gerações de humildes que neles tinham remado e sofrido no ganha-pão” (p. 15).

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR