Elias Von Burgsdorff é “speech writer” da presidente da Comissão Europeia — um dos muitos consultores que lhe escreve os discursos — e por isso está a ter dias especialmente trabalhosos: dentro de duas semanas, a 14 de setembro, Ursula Von der Leyen faz o seu discurso do Estado da União.

No Centro de Artes Contemporâneas Arquipélago, no concelho da Ribeira Grande, nos Açores, Von Burgsdorff vai explicando a complexidade da elaboração do discurso e revela aos participantes do SummerCEmp algumas das estratégias de von der Leyen. O facto de falar várias línguas ao longo de um mesmo discurso, por exemplo, faz com que os falantes desses idiomas se sintam representados. “Se ela pudesse, também falava em Português“, garante.

Elias Von Burgsdorff, cidadão alemão nascido na África do Sul, explica aos participantes do SummerCEmp que escrever um discurso como o do Estado da União para a presidente da Comissão Europeia é um processo que de simples não tem nada:

O nosso trabalho começa três ou quatro meses antes. Agora mesmo este é ‘crunch time’ o momento que estamos a escrever, que dá mais trabalho.”

E coloca a sua função no plano técnico: “O meu trabalho é escrever, não criar políticas públicas”. Questionado sobre o que deve ter sempre um bom discurso escolhe “clareza em vez de ambiguidade, sempre”. Mas dá um exemplo de como a ambiguidade pode ser útil para preparar discursos de um responsável europeu em momentos específicos: “Usamos ambiguidade, por exemplo, quando dizemos que a Ucrânia é parte da família europeia, em vez de dizermos que é parte da União Europeia”.

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Depois de Ursula von der Leyen subir ao palco no Parlamento Europeu para, no dia 14 de setembro, discursar sobre o Estado da União, Elias espera simplesmente “seguir em frente e nunca mais pensar no discurso outra vez”.

No fim da sessão, assentiu a responder a algumas questões que evitou durante a sessão: como é, afinal, o processo de escrita?

Elias Kuhn Von Burgsdorff, no SummerCEmp

Elias Kuhn Von Burgsdorff, no SummerCEmp, na Ribeira Grande.

Na sessão estavam a perguntar-lhe qual é o processo de escrever um discurso como o Estado da União. O discurso está há meses a ser preparado, mas o que são os preparativos finais de que fala?
Estamos no crunch time [reta final] agora. Um discurso como o Estado da União Europeia envolve muito trabalho. Temos contribuições políticas de toda a Europa. A União Europeia é um projeto com quase 500 milhões de pessoas, tão diferentes como os jovens a viver nos Açores e as pessoas a viver na linha da frente, junto à Ucrânia. Temos de ouvir todos e isso significa ter muitas conversas com pessoas de todo o continente e encontrar uma forma de superar as nossas diferenças e acima de tudo encontrar soluções ousadas. Nunca antes enfrentámos desafios tão sérios e precisámos de grandes respostas europeias. Ser rigoroso é muito importante para nós, o trabalho de fact check é muito intenso. Fazemo-lo uma, duas e três vezes, e muitas pessoas contribuem para isso.

Foi uma expressão utilizada pelos participantes, este discurso vai ser um “farol de luz”que projete a força e segurança europeia?

Claro que sim. E precisamos de nos unir. Estamos a enfrentar inflação, um aumento do custo de vida, uma guerra no continente, mas ao mesmo tempo nunca estivemos tão fortes. Como já vimos, superámos a pandemia. Não somos os mesmos que éramos há 10 anos, durante a crise financeira, ou há 15 anos durante a crise do petróleo. E temos boas razões para estarmos confiantes que vamos sobreviver ao Inverno e para além disso.

Consegue comparar Ursula von der Leyen aos seus antecessores?

Não posso falar pelos seus antecessores, mas posso dizer isto: a presidente Von der Leyen tem um bom coração e uma boa cabeça. Ela faz aquilo em que acredita e faz o seu trabalho-de-casa, por isso sabe do que está a falar.

Elias Kuhn Von Burgsdorff, no SummerCEmp

Elias Kuhn Von Burgsdorff, no SummerCEmp, na Ribeira Grande.

Ela agarra-se às páginas ou prefere saltar do guião e improvisar?

É muito organizada. Isso significa que dá uma grande importância aos seus discursos e aos seus speechwritters.

Ursula von der Leyen faz questão de discursar em francês, inglês e alemão. Porquê?

Francês, inglês e alemão são todas línguas oficiais da União Europeia. Por exemplo, se ela não falasse francês algumas pessoas na Europa, especialmente os franceses, iam ficar muito chateados. Ela fá-lo e eu penso que é importante porque as pessoas têm que se sentir representadas. Se ela pudesse falar em todas as línguas, fá-lo-ia. Português por exemplo, mas esse não é o caso.

Em termos de comunicação, qual é o maior desafio, escrever discursos sobre a pandemia de Covid-19, ou sobre a guerra na Ucrânia?

A coisa mais difícil de fazer é saber qual a coisa certa a fazer. Assim que sabes e estás convicto disso mesmo não é assim tão fácil convencer outras pessoas. (O mais difícil) são sempre as fases iniciais, quando a guerra chega e as pessoas estão chocadas, ou quando tens que encerrar a economia e as pessoas estão chocadas. Esse é o momento difícil, porque as pessoas olham para ti e procuram liderança. E é aí quando formulas a mensagem que interessa mesmo.”

Vai ser um discurso histórico?

“Acho que estamos num tempo histórico. E numa altura boa para ser europeu.”

Que lições leva para Bruxelas do SummerCEmp?

Foi uma experiência divertida e que me deixa humilde. Falei com pessoas, a maioria com exatamente a minha idade. Não sou maior, menor ou mais sábio. Há uma coisa, os jovens preocupam-se com a justiça. Discutem temas como a migração, a justiça climática e a guerra na Ucrânia. Não é justo, nem correto quando um país maior invade um país mais pequeno.