“Aplicar Totalmente o Pensamento de Xi Jinping”. Este era um dos cartazes que estavam pendurados na sala onde se reuniram este domingo os mais de dois mil delegados do Partido Comunista Chinês para mais um Congresso que deverá consolidar o controlo do Presidente Xi Jinping. E, como notou o Washington Post, isso era visível na postura dos presentes: à medida que Xi discursava, durante duas horas, os delegados seguiam atentamente a sua cópia do discurso, “virando as páginas em uníssono, tirando notas estudiosamente e aplaudindo com entusiasmo”.

O discurso de Xi Jinping irá ser lido e estudado, como já acontece com vários dos discursos que fez no passado, um pouco por toda a China. Quem diria que o filho de um homem alvo de uma purga, sujeito a auto-crítica e detido durante a Revolução Cultural se viria a tornar líder incontestado da República Popular Chinesa e estaria ali a prometer tornar a China “num grande país socialista moderno”?

É difícil, por vezes, penetrar na retórica dos responsáveis chineses, mas a repetição durante o discurso de Xi da palavra “segurança” — invocada cerca de 50 vezes pelo Presidente — dá uma pista. Se os discursos dos congressos do PCC costumam ser focados na política interna, este pareceu deixar mais recados para o exterior.  “A segurança nacional é a fundação do rejuvenescimento nacional”, afirmou Xi Jinping aos delegados para resumir o pensamento que tentou explicitar de seguida.

Uma China assertiva e que quer EUA longe de Taiwan

O Exército de Libertação Popular — do qual Xi é também líder, para além de Presidente e secretário-geral do Partido — deve “garantir a dignidade e os interesses de base da China”. O exército chinês, disse Xi, deve “melhorar as suas capacidades estratégicas” e ser modernizado. Uma mensagem que, combinada com a política diplomática mais agressiva que a China tem levado a cabo nos últimos tempos (apelidada de “diplomacia dos lobos guerreiros”), assenta que nem uma luva na imagem de uma China mais assertiva no plano mundial.

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Xi não falou da guerra na Ucrânia, onde a China tem uma posição ambígua, mas quis deixar claro aos Estados Unidos que não tolera interferências em Taiwan, dizendo que esse tema “deve ser resolvido apenas pelo povo chinês” e sem interferência de “forças externas”. Uma resposta às declarações do Presidente norte-americano Joe Biden que, por mais que uma vez, reforçou que os EUA irão em auxílio de Taiwan se a ilha for atacada pela China continental.

Temos levado a cabo de forma resoluta uma luta enorme contra o separatismo e a interferência, demonstrando a nossa determinação e capacidade fortes para garantir a soberania estatal e a integridade territorial e opormo-nos à independência de Taiwan”, afirmou Xi Jinping.

“A palavra ‘América’ nunca foi mencionada do princípio ao fim, mas quase tudo aponta para a América”, resumiu o professor Wang Hsin-hsien, da Universidade Nacional de Chengchi, em Taipei, ao The New York Times. Outros especialistas, porém, consideram que o discurso foi menos agressivo do que poderia ser: “Tem muitos ‘temos’ e ‘devemos’, mas é muito ambíguo no ‘como’”, afirmou ao The Guardian o professor Sung Wen-ti, da Universidade Nacional Australiana. “A falta de ‘comos’ é um sinal de que ele pretende preservar a flexibilidade política e não se quer comprometer irreversivelmente com um caminho particularmente adversarial.”

Tolerância zero à Covid é para manter

Mais taxativa foi a referência à política de tolerância zero à Covid-19, que tem imposto medidas draconianas em várias cidades chinesas, com residentes encerrados nas suas casas e liberdades cerceadas por longos períodos de tempo. “Ao lançar uma guerra popular aberta à difusão do vírus protegemos a saúde e a segurança das pessoas até ao possível e alcançámos feitos tremendos tanto na resposta à epidemia como no desenvolvimento económico e social”, disse Xi Jinping, ignorando a redução acentuada do crescimento económico que a pandemia provocou e o descontentamento social que se vai notando por entre a censura online. O que é certo, resumiu o professor de Singapura Alfred Wu à CNN, é que este discurso prova que é “impossível para a China mudar a estratégia de tolerância zero à Covid num futuro próximo”.

O Congresso do PCC tem mais cinco dias pela frente, em que Xi Jinping irá provavelmente consolidar o seu controlo sobre o aparelho. Se se confirmar o esperado e for renovado o seu mandato como secretário-geral do Partido, Xi Jinping quebrará uma tradição de líderes que cumprem apenas dois mandatos.

A grande dúvida que sobra é como será a composição do próximo Politburo, algo que também será decidido neste Congresso. Habitualmente, os responsáveis chineses afastam-se do poder quando atingem os 68 anos. Xi já tem 69, ignorando, portanto, essa regra. Irá abrir a exceção a outros para manter aliados próximos? Ou usará a tradição como desculpa para promover outros?

Certo é que a tendência será, quase de certeza, de centralização do poder na sua figura. O jornal japonês Nikkei notou que neste domingo, para ouvir Xi, não estiveram presentes alguns dos líderes históricos do Partido, como o antigo secretário-geral Jiang Zemin. “Os anciãos do partido já não têm influência garantida na China do Presidente Xi Jinping”, declara o Nikkei. Nos próximos dias saberemos se alguém dentro do PCC ainda tem essa influência para lá de Xi.