As conversações de paz entre as partes em guerra no conflito do Tigray no norte da Etiópia, que decorrem em Pretória desde terça-feira e deviam ter terminado este domingo com um acordo de cessar-fogo, decorrem ainda esta segunda-feira.

De acordo com uma fonte próxima do processo à agência Associated Press, as conversações foram prolongadas e continuam na África do Sul entre o governo federal da Etiópia e representantes da região norte do Tigray.

As conversações, lideradas pela União Africana, procuram uma cessação das hostilidades numa guerra que os Estados Unidos afirmam ter matado já centenas de milhares de pessoas, uma estimativa feita por académicos e trabalhadores na saúde.

As conversações de paz formais começaram na terça-feira da semana passada e o governo da África do Sul começou por informar que terminariam este domingo. Representantes das partes beligerantes não responderam a perguntas e nada se sabe sobre o que tem sido discutido.

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A Eritreia, cujas forças estão a lutar ao lado do exército federal etíope, não é parte nas conversações, e não é claro se o país respeitará um eventual acordo alcançado.

A comunidade internacional está a tentar juntar as partes beligerantes à mesma mesa há quase dois anos.

Em junho, o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, anunciou a criação de um comité, chefiado pelo ministro dos negócios estrangeiros e pelo vice-primeiro-ministro, Demeke Mekonnen, para preparar eventuais negociações de paz, negando ao mesmo tempo que tenha havido quaisquer discussões com a Frente de Libertação do Povo Tigray (TPLF, na sigla em inglês), partido que governa o estado do Tigray, eleito em setembro de 2020 por muito larga maioria em eleições não reconhecidas por Adis Abeba.

De acordo com várias fontes, porém, as partes beligerantes encontraram-se já por três ocasiões, uma vez nas Seychelles e duas no Djibouti.

A delegação governamental presente em Pretória é chefiada por Demeke Mekonnen e a tigrínia é composta por sete membros, incluindo um porta-voz das autoridades do estado, Getachew Reda, e um líder militar, o general Tsadkan Gebre-Tensae.

A Eritreia, um aliado do exército federal etíope e inimigo da TPLF desde uma sangrenta guerra fronteiriça em 1998-2000, quando o partido governou a Etiópia, não foi convidada.

Ator externo imprevisível, este país na fronteira norte do Tigray tem desempenhado um papel crucial na guerra, e os seus soldados, cuja presença foi inicialmente negada por Adis Abeba, são acusados de abusos generalizados cometidos contra civis, inclusivamente enquanto as conversações decorrem.

A mediação está a ser conduzida pelo Alto Representante da União Africana para o Corno de África, o antigo Presidente da Nigéria Olusegun Obasanjo, pelo ex-chefe de Estado queniano Uhuru Kenyatta e pela antiga vice-presidente da África do Sul Phumzile Mlambo-Ngcuka.

O secretário executivo da Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD, na sigla em inglês), antigo ministro dos negócios estrangeiros etíope (2016-2019) Workneh Gebeyehu, o enviado especial dos Estados Unidos para o Corno de África, Mike Hammer, e um representante das Nações Unidas estão também presentes como observadores.

A prioridade das conversações é uma cessação imediata das hostilidades, tal como solicitado pela comunidade internacional, bem como pelos tigrínios.

A situação tornou-se “incontrolável” e “a violência e a destruição estão a atingir níveis alarmantes”, nos termos do secretário-geral da ONU, António Guterres, em meados de Outubro.

Etiópia. Guterres preocupado com escalada da violência na região de Tigray

Após cinco meses de tréguas, os combates recomeçaram em 24 de agosto e ambos os lados acusam-se pelo reacendimento da guerra, quando se esperava que começassem a negociar um acordo de paz duradouro. Desde então, as forças federais e eritreias têm vindo a ganhar terreno.

Alegando “proteger a soberania e a integridade territorial do país”, as autoridades federais de Adis Abeba declararam o objetivo de recuperar “o controlo imediato de todos os aeroportos, outras infraestruturas e instalações federais” em Tigray, e retomar o controlo da sua capital, Mekele.

Com a ajuda da artilharia e de ataques com drones, os exércitos etíope e eritreu tomaram em cerca de três meses várias cidades, sobretudo nos principais eixos rodoviários que ligam Mekele ao sul, norte e oeste do Tigray: Sheraro, Shire ou Alamata.

Os combates decorrem não obstante as conversações em curso e “os desenvolvimentos militares no terreno ameaçam ultrapassar as conversações políticas, atendendo ao atual ímpeto das forças pró-governamentais” em Tigray, sublinhou o Eurasia Group numa nota divulgada na passada terça-feira.

“Adis Abeba tem como objetivo alavancar a sua ascendência militar”, acrescentou o instituto de análise, observando que “Demeke Mekonnen tem apoiado nos últimos dias a continuação das operações militares e apelado à dissolução das forças tigrínias antes de uma solução definitiva do conflito.

O líder da TPLF, Debretsion Gebremichael, deixou também claro numa declaração divulgada na passada segunda-feira que a delegação do estado se deslocava a Pretória, mas no terreno as forças estaduais continuavam a lutar. “As forças inimigas conjuntas que entraram em Tigray serão derrotadas. A nossa vitória é inevitável, é uma questão de tempo”, disse.