Cerca de 400 pessoas morreram de fome nas regiões de Tigré e Amhara, na Etiópia, nos últimos meses, afirmou esta terça-feira o Provedor de Justiça nacional, uma rara admissão de mortes relacionadas com a fome de um organismo federal.

As autoridades locais já tinham comunicado anteriormente a ocorrência de mortes por fome nos seus distritos, mas o governo federal da Etiópia tem insistido que esses relatos estão “completamente errados”.

O gabinete do Provedor de Justiça da Etiópia enviou peritos para as regiões que são afetadas pela seca e ainda estão a sofrer as consequências de uma guerra civil devastadora que terminou oficialmente há 14 meses.

Os peritos concluíram que 351 pessoas morreram de fome em Tigré nos últimos seis meses, tendo havido mais 44 mortes em Amhara.

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Apenas uma pequena fração das pessoas necessitadas em Tigré recebem ajuda alimentar, de acordo com um memorando de ajuda a que a Associated Press teve acesso, mais de um mês depois de as agências de ajuda terem retomado as entregas de grãos após uma longa pausa devido a roubo.

Apenas 14% dos 3,2 milhões de pessoas visadas para ajuda alimentar por agências humanitárias em Tigré este mês a receberam até 21 de janeiro, de acordo com o memorando do Tigray Food Cluster, um grupo de agências de ajuda copresidido pelo Programa Alimentar Mundial da ONU e por funcionários etíopes.

O memorando insta os grupos humanitários a “aumentar imediatamente” as suas operações, alertando que “a falta de ação rápida agora resultará em grave insegurança alimentar e desnutrição durante a estação de escassez, com possível perda das crianças e mulheres mais vulneráveis da região”.

As Nações Unidas e os Estados Unidos suspenderam a ajuda alimentar a Tigré em meados de março do ano passado, depois de terem descoberto um esquema “em grande escala” para roubar cereais para fins humanitários.

A suspensão foi estendida ao resto da Etiópia em junho.

As autoridades norte-americanas acreditam que o roubo pode ser o maior desvio de cereais de sempre e os doadores responsabilizaram funcionários do governo etíope e os militares pela fraude.

A ONU e os EUA levantaram a suspensão em dezembro, depois de introduzirem reformas para travar o roubo, mas as autoridades de Tigré dizem que os alimentos não estão a chegar aos que deles necessitam.

Dois trabalhadores humanitários disseram à AP que o novo sistema — que inclui a instalação de localizadores GPS nos camiões de alimentos e a colocação de códigos QR nos cartões de racionamento — tem sido dificultado por problemas técnicos.

As agências de ajuda estão também a debater-se com a falta de fundos. Um terceiro trabalhador humanitário disse que a suspensão na ajuda alimentar e a sua lenta retoma significam que algumas pessoas em Tigré não recebem ajuda alimentar há mais de um ano.

Os trabalhadores humanitários falaram com a AP sob condição de anonimato porque não estavam autorizados a falar com a imprensa.

Cerca de 20,1 milhões de pessoas em toda a Etiópia necessitam de ajuda alimentar humanitária devido à seca, aos conflitos e à economia em recessão.

Tigré, onde vivem 5,5 milhões de pessoas, foi o centro de uma guerra civil devastadora de dois anos que matou centenas de milhares de pessoas e se espalhou pelas regiões vizinhas.

Um painel da ONU acusou o governo da Etiópia de usar “a fome como método de guerra” ao restringir a ajuda alimentar a Tigré durante o conflito, que terminou em novembro de 2022 com um acordo de paz.

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