O escritor brasileiro Rafael Gallo é o vencedor do Prémio Literário José Saramago de 2022 com o romance inédito Dor Fantasma. O anúncio foi feito ao início da tarde desta segunda-feira, num evento organizado no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa. Foi nesta sala que o escritor José Saramago foi homenageado pelo Estado português após ter sido distinguido com o Prémio Nobel da Literatura em 1998.

Rafael Gallo nasceu na cidade de São Paulo, no Brasil. É autor de um romance, Rebentar (2015), galardoado com o Prémio São Paulo de Literatura, e de um livro de contos, Réveillon e outros dias (2012), que propôs a várias editoras até que finalmente o conseguiu publicar após vencer o Prémio SESC de Literatura na categoria de novos autores com menos de 40 anos. Gallo já tinha participado antes no prémio, em 2017, com Rebentar. As mudanças no regulamento de participação deu-lhe a possibilidade se voltar a candidatar e ganhar. O escritor confessou que, quando soube que tinha vencido, caiu de joelhos e que riu e chorou.

Reagindo ao prémio, o vencedor começou por destacar o facto de ser brasileiro e de, ao falar português, estar também “falando brasileiro”. A frase, “estou falando brasileiro”, foi dita por um imigrante haitiano, “que se colocou em frente daquele que, infelizmente, foi presidente do meu país”, Bolsonaro. A posição do imigrante teve em Rafael Gallo o mesmo “efeito tocante” de ler “um livro bom”: “Houve coragem, [foi] um ato de desafio às normas estabelecidas”, destacou, celebrando a não eleição de Bolsonaro: “Hoje podemos todos dizer: ‘Acabou'”.

“A literatura não prevê o futuro, é mais uma questão de olhar atento. Já está a acontecer, basta estar atento”, afirmou ainda, acrescentando que é no papel de leitor que sempre se tenta colocar quando quer colocar “as perguntas sérias da literatura”. Vencer o Prémio José Saramago não é apenas uma oportunidade, mas a concretização de um sonho, confessou o escritor, adiantando que, metade dos seus livros favoritos, estão de algum modo relacionados com o galardão.

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“Quero dizer que este prémio vai ser, para sempre, uma pedra sobre a qual irei fundar uma parte de mim”, declarou. “Há falta de palavras, vou deixar apenas uma, para que a ampliem: obrigado.”

Dor Fantasma, submetido sob o pseudónimo Pestana, é um “romance impregnado de música”. Fala sobre uma obsessão, a “obsessão musical de um músico, Rómulo Castelo”, um pianista, revelou Bruno Vieira Amaral, a quem coube fazer o elogio da obra vencedora, destacando que um dos antepassados da personagem é o compositor Adrian Leverkühn, de Doutor Fausto, de Thomas Mann.

“É mão cirúrgica, aplicando incisões seguras e sábias, é mão de pintor, na pincelada criativa e intencional, é mão de maestro segurando a batuta e guiando a orquestra num crescendo de som e fúria que culmina no magistral desenlace do romance”, destacou o também escritor e vencedor do Prémio José Saramago em 2015.

“O título deste romance extraordinário, de domínio e intenção, Dor Fantasma, é revelador. A dor fantasma é a dor real de um membro amputado, que já não existe. (…) A dor fantasma, esta que os leitores em breve poderão experimentar, é real e, mesmo que ainda não saibam, necessária”, afirmou Bruno Vieira Amaral. 

Esta edição do galardão contou centenas de candidaturas, oriundas de todos os países de língua oficial portuguesa, adiantou a organização. “Não é um prémio por cotas, é um prémio por mérito, contudo, este ano mais de 40% dos autores que participaram eram mulheres”, revelou a editora e presidente do júri, Guilhermina Gomes.

“A 16 de novembro, celebramos o centenário de José Saramago, mas hoje estamos a honrar, sempre com o mesmo sentido de responsabilidade, a generosidade com que José Saramago acolheu dar o seu nome e prestigio ficando para sempre associado a jovens autores da belíssima língua portuguesa, cujo mérito está expresso nos livros vencedores e nos que se seguem”, destacou Guilhermina Gomes.

O prémio apresenta este ano um novo modelo. Em 2021, foi anunciado que passaria a distinguir, de dois em dois anos, obras de ficção inéditas de autores de língua portuguesa até aos 40 anos e que o valor pecuniário do prémio seria elevado de 25 mil euros para 40 mil euros. O vencedor terá ainda a possibilidade de ver a obra publicada em Portugal pelo Grupo Porto Editora e no Brasil pela Globo Livros. Esta será posteriormente distribuída por todos os países da lusofonia.

A constituição do júri também mudou, tendo passado a ser composto por escritores anteriormente galardoados com o prémio. Os jurados desta edição foram Gonçalo M. Tavares, Prémio Literário José Saramago 2005; Valter Hugo Mãe, Prémio Literário José Saramago 2007; João Tordo, Prémio Literário José Saramago 2009; Bruno Vieira Amaral, Prémio Literário José Saramago 2015; Pilar del Río, Presidenta da Fundação José Saramago; Guilhermina Gomes, em representação da Fundação Círculo de Leitores; e Nélida Piñon, Membro Honorário.

O Prémio Literário José Saramago foi instituído em 1998 para celebrar a atribuição do Prémio Nobel de Literatura a Saramago e foi pensado como instrumento para a defesa da língua através do estímulo ao surgimento de jovens escritores da lusofonia. Na última edição, em 2019, foi atribuído a Afonso Reis Cabral, pelo romance Pão de Açúcar. A edição de 2021 foi adiada para este ano devido à pandemia de Covid-19.