“Quer tornar-se um novo czar”, “gangster psicológico” e “completamente isolado”. Em passagem por Lisboa, Boris Johnson centrou o discurso na guerra da Ucrânia e deixou várias críticas ao Presidente russo. O ex-primeiro-ministro do Reino Unido frisou que Kiev “tem de ganhar” o conflito e caracterizou um acordo de paz entre os dois países como “sem esperança”. “Volodymyr Zelensky não tem um interlocutor válido”, disse, questionando-se depois: “Como é que podemos confiar em Putin para manter os seus compromissos?”

Na CNN International Summit, o ex-governante do Reino Unido lembrou que falou com o Presidente russo dias antes da invasão, comunicando-lhe que os seus receios, um dos quais a entrada da Ucrânia na NATO, não faziam qualquer sentido. No entanto, apenas depois da invasão, é que as motivações de Vladimir Putin ficaram claras e eram “totalmente diferentes” àquelas enunciadas inicialmente pelo chefe de Estado da Rússia.

“Vladimir Putin quer reconstruir o império”, assumiu Boris Johnson, acrescentando que o Presidente russo queria também que a sua “reputação doméstica” estivesse associada à de um “novo czar”: “Ele invadiu a Ucrânia, porque, no pensamento dele, ele tornar-se-ia mais forte”. Para mais, o ex-governante enfatizou que o chefe da Estado russo não teve “ninguém que discordasse dele” no seio do Kremlin — e que toma agora as “decisões totalmente sozinho”.

Comparando com conflitos no passado, Boris Johnson referiu que, na guerra na Ucrânia, morreram já mais soldados do que na guerra do Afeganistão. “E isto antes de se contabilizar também o sofrimento dos ucranianos e dos milhares de civis alvo de bombardeamentos”, lamentou o ex-governante, que sinalizou que a Rússia bombardeia escolas e jardins de infância. “Sempre que vemos as tropas de Putin a recuar, vemos salas de tortura e locais armadilhados.”

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A todos aqueles que estavam na planeia, Boris Johnson disse que vários ucranianos não “têm luz, aquecimento e água”, devido “aos ataques que estão a deitar abaixo” o sistema elétrico de Kiev, de modo a “ferir a moral da população”. A Europa tem, por conseguinte, de continuar a apoiar a Ucrânia, algo que, na ótica do ex-primeiro-ministro britânico, Portugal e o Reino Unido “estão a cumprir” e estão “lado a lado” nesta luta. Aproveitou ainda para “agradecer” ao primeiro-ministro, António Costa, pela resposta à guerra.

“A Ucrânia tem de ganhar”, declarou o ex-governador britânico, mas o país tem, atualmente, de continuar a lutar. “O povo anseia pela paz e Zelensky faria um acordo, se pudesse. Sei disso, mas para que tal aconteça é necessário ter um interlocutor válido — e não se pode confiar em Putin”, vincou. A par com a continuidade do conflito, Boris Johnson também reforçou o apoio do Ocidente tem de continuar — “está a funcionar. “Vemos o que os ucranianos conseguem fazer ao expulsar os russos do seu país”, sublinhou, recordando a reconquista de Kherson.

O Ocidente não deve igualmente ficar “ansioso” com uma possível retaliação de Vladimir Putin ao apoio à Ucrânia, que é uma “espécie de gangster psicológico”. No entender de Boris Johnson, o Presidente russo não vai utilizar uma arma nuclear: “Faria com que saísse do mundo civilizado. Ele não vai fazer isso, porque perderia o apoio dos amigos chineses e porque aterrorizaria toda a sua população. Faria com que a Rússia ficasse isolada e seriam necessárias décadas para recuperar”.

Antevendo que as forças russas “vão sair da Ucrânia”, Boris Johnson destacou que isso será uma lição “que ressoará nos mares do Sul da China”, numa alusão a uma possível invasão de Taiwan por parte da China. Será igualmente uma “coisa espantosa”, já que o país tornar-se-á mais forte e “nunca mais será invadido”.

Antes de discursar sobre a guerra na Ucrânia, Boris Johnson usou um tom mais leve e recordou que as boas relações que Portugal e o Reino Unido mantêm há séculos. “Lutámos lado a lado contra os espanhóis, contra Napoleão e a nossa relação está melhor do que nunca, apesar da polémica entre Cristiano Ronaldo e Wayne Rooney”, gracejou. “O pastel de nata ganhou o coração do povo britânico”, disse ainda.