As imagens que têm sido divulgadas nas redes sociais mostram pássaros a voar de forma aparentemente errática momentos antes de o sismo que matou milhares de pessoas na Turquia ter sido sentido pelo ser humano. A ideia de que os animais conseguem antecipar um sismo não é nova, mas a investigação científica ainda não conseguiu explicar, nem provar, o fenómeno na totalidade.

Já em abril de 2009, surgiram relatos de um alegado pressentimento animal vindos da cidade de Aquila, no centro de Itália, afetada por um forte sismo de magnitude 5.8 na escala de Richter, que matou 294 pessoas. Aí, terão sido os sapos a ‘prever’ o abalo, ao abandonar o local em massa (cerca de 96% dos sapos machos) cinco dias antes do sismo cujo epicentro ficava a mais de 70 quilómetros de distância.

Segundo o Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS, na sigla original), a primeira referência a este comportamento anormal nos animais remonta à Grécia, 373 anos antes de Cristo. Ratos, doninhas, cobras e centopeias também terão fugido antes de um terramoto de grandes dimensões. Agora, na Turquia, terão sido os pássaros: um vídeo mostra estes animais a voar erraticamente, um comportamento que utilizadores das redes sociais relacionam com uma possível capacidade de pressentir sismos.

Mas a literatura científica não tem a mesma resposta. Ao jornal espanhol ABC, Eulalia Masana, professora na Universidade de Barcelona, diz que é impossível prever com exatidão um grande sismo. O mesmo se aplica aos animais: não está, afirma, provado que os animais tenham uma capacidade especial de antecipar este tipo de catástrofe. Embora tenham sido feitos progressos, há ainda muito por explicar, refere.

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Ouvido pelo mesmo jornal, Daniel Sol, do Departamento de Biologia Animal da Universidade Autónoma de Barcelona, vai em sentido semelhante e acrescenta que não vê nada de anormal no vídeo divulgado agora nas redes sociais. “Os pássaros no vídeo usam as árvores como poleiros e entre tantos indivíduos é normal que haja alguns que ainda não decidiram onde dormir ou que se assustaram por alguma razão, talvez porque outro indivíduo mais dominante os tenha afugentado”, sustenta. Há outros fatores, que não o movimento da terra, que poderiam ter contribuído para aquele comportamento. Mais: se tivessem detetado um terramoto, teriam fugido, antecipa.

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Mas, como o Washington Post escreve, há pelo menos um estudo recente a apoiar a ideia de que os animais conseguem detetar os sismos antes dos humanos, tal como os sismógrafos detetam abalos indetetáveis pelo corpo humano, pelo facto de alguns seres vivos terem características físicas que lhes dão essa sensibilidade apurada.

Segundo o jornal norte-americano, um grupo de cientistas diz ter evidência de que os animais detetam sinais “precursores” dos terramotos. Um estudo revisto pelos pares de 2020, da autoria de Martin Wikelski, diretor do Instituto Max Planck de Comportamento Animal, procurou incorporar em animais (vacas, cães e ovelhas) numa quinta, em Itália, dispositivos eletrónicos durante meses, para observar o comportamento quando eram registados sismos nas proximidades.

Resultados: os animais moveram-se continuamente durante mais de 45 minutos antes de sete, dos oito, terramotos registados. Para o investigador, tal sugere que os animais podem conseguir detetar sismos mais de 12 horas antes dos humanos. Mas os motivos por que tal acontece ainda não são claros, com a equipa a colocar a hipótese de haver uma ligação com a capacidade de comunicação entre os animais.

“As vacas inicialmente congelaram, não se mexiam de todo. E depois os cães ficaram muito nervosos, começaram a ladrar. E depois foram as ovelhas a enlouquecer. E isso fez com que as vacas também enlouquecessem”, aponta. O investigador quer fazer mais estudos sobre a possibilidade de os animais estarem a reagir aos níveis de ferro libertados no ar devido à pressão subterrânea, explica o jornal. Mas outros estudos ainda procuram evidências que convirjam com os resultados de Martin Wikelski.

O USGS, no site, também procura explicar o alegado fenómeno, justificando o comportamento anormal com a diferença entre dois tipos de ondas sísmicas. As primárias, que são as primeiras a ser emitidas, viajam a uma velocidade de vários quilómetros por segundo desde o epicentro e são mais percetíveis por alguns animais. E as ondas secundárias, que lhes seguem por segundos, mais fortes, e provocam o movimento do solo, que pode ser percetível pelo corpo humano.

Mas o USGS salienta que não há, pelo menos para já, evidência para os relatos históricos de que os animais consigam pressentir sismos com dias de antecedência. Há, diz, ainda muita investigação a ser feita. “Se de facto existem precursores de um terramoto significativo de que ainda não temos conhecimento (como inclinação do solo, alterações nas águas subterrâneas, variações do campo eletromagnético), de facto é possível que alguns animais possam sentir estes sinais”, admite.