Olhando para aquilo que foi a última Liga dos Campeões, e juntando a isso o “atropelo” em Anfield frente ao Liverpool, o Real Madrid é daqueles clubes talhados para ser campeão europeu. Mais do que ganhar no plano interno, o que este ano não vai acontecer face aos 13 pontos de atraso para o Barcelona na Liga, joga para ser o maior do continente. Joga, faz jogar e ganha o jogo. No entanto, num passado recente, não foi assim e há dois anos o Chelsea viu os pés de barro do gigante para eliminar os merengues nas meias antes de se sagrar vencedor no Porto frente ao Manchester City. Daí para cá, muito mudou. E muito mudou porque Rodrygo entrou aos 78′ e marcou aos 80′, evitando que os ingleses conseguissem virar uma desvantagem de 3-1 em casa para um 3-0 em pleno Santiago Bernabéu. No prolongamento, os espanhóis ganharam. Não pararam mais a partir daí, sendo fiéis à tradição de quem já ganhou 14 títulos europeus. Já o Chelsea “acabou”.

Benzema faz milagres. E também sabe como evitá-los (a crónica do Real Madrid-Chelsea)

Os proprietários mudaram, com Roman Abramovich a ser forçado a vender o clube na sequência da invasão da Rússia à Ucrânia e um consórcio liderado pelo empresário norte-americano Todd Boehly a assumir esse controlo. O plantel mudou, com o investimento total superior a 600 milhões de euros em duas janelas do mercado. Os treinadores foram mudando, com Graham Potter a suceder a Thomas Tuchel a troco de 24,3 milhões de euros mas a sair seis meses depois para a permanência de um primeiro interino (Bruno Saltor) antes da chegada de um segundo interino (Frank Lampard). A estrutura continua a mudar, sendo que dois dos principais pilares, Marina Granovskaia e Pet Cech, há muito deixaram Stamford Bridge. O que sobrou entre uma equipa que ocupa o 11.º lugar da Premier League, que tem um saldo negativo de golos marcados e sofridos na prova (29-31) e que não ganhava há um mês (quatro jogos)? Apenas e só, a honra e o orgulho.

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“Temos jogadores jovens mas que são grandes campeões. Este é um grande cenário, devemos jogar ao nível do cenário em que estamos. É uma competição especial, também para mim é uma grande oportunidade por ser o primeiro jogo na fase a eliminar da Champions. Eles têm muitos jogadores, Modric, Kroos… Têm essa regularidade, essa liderança… O Vinícius é outro com superclasse, o Benzema… Temos de estar preparados. O futebol não tem memória, devemos apagar o que se passou no passado porque o presente brindou-nos com uma nova oportunidade. Numa temporada como a nossa, o importante é ir falando com os jogadores, ir fortalecendo a sua mentalidade, o que é complicado”, tinha destacado Frank Lampard na antecâmara de um encontro que para muitos era quase o caminho para novo “atropelo” perante aquilo que tem sido a época.

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Carlo Ancelotti tinha noção disso e voltou a preparar o encontro como só ele sabe à luz de realidades distintas mas que no fundo andam de forma paralela. Por um lado, a puxar dos galões de campeão europeu para que não confundissem a campanha na Liga e a recente derrota caseira com o Villarreal com a participação numa Champions. Por outro, a apelar à humildade e ao não deslumbramento para respeitar o Chelsea como se fosse um Barcelona na segunda mão da Taça em Camp Nou que acabou em goleada por 4-0. “Sorte no ano passado? Se consegues reviravoltas é porque tens mais nos últimos minutos. Tivemos mais confiança, mais energia. Como dizia o [Vujadin] Boskov, os jogos acabam quando o árbitro apita. Orientar este grupo é fácil, é algo muito sincero. Sabem quando é para brincar e divertirem-se juntos e quando o momento é sério. Nem preciso dizer nada. Todos me reconhecem como alguém que é fantástico na gestão do grupo mas há mais uma coisa importante: esta é uma equipa que está bem trabalhada”, destacara o técnico italiano.

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Mais uma vez, foi isso que aconteceu. E se, após a goleada em Camp Nou, Ancelotti tinha dito que não havia nada para demonstrar a ninguém após 1.272 jogos como técnico (este foi o 1.274.º), há um jogador que tem sempre algo mais para demonstrar a alguém: Karim Benzema. Depois de ter melhorado a condição física com um trabalho específico feito num ginásio em casa onde apostou na tonificação muscular com exercícios de boxe pelo meio e o recurso a ventosas nas costas após recorrer a um osteopata, o preparador pessoal do francês explicou ao El Mundo que o número 9 está “no melhor momento físico da sua vida” pelas “tareias” que vai levando extra treinos com um colete com electroestimulação que acelera o trabalho de tonificação. “Parece que tem 26 agora mas se quiser pode jogar à vontade até aos 40”, acrescentou sobre o avançado de 35 anos. Agora, em mais um encontro da Champions, mais um golo. Nos últimos nove jogos a eliminar da Liga milionária, marcou 14. E os últimos 11 golos foram sempre contra equipas inglesas…

O encontro começou de forma surpreendente com o Chelsea a criar duas ocasiões, a primeira das quais por João Félix que foi lançado ainda antes do meio-campo por Kanté e rematou já pressionado por Éder Militão para defesa de Courtois (2′). O médio francês, que teve uma paragem longa, dominava o meio-campo e dava a sensação de que o jogo poderia não ser desequilibrado como se pensava, deixando Carlo Ancelotti à beira de um ataque de nervos (e ele não é nada disso…) na sua zona técnica. O técnico pedia calma, queria que a sua equipa atacasse mas sem colocar tudo na frente como estava a acontecer, e foi assim que os merengues foram tomando conta da partida, chegando mesmo à vantagem com um golo do inevitável Karim Benzema na área depois de um remate de Vinícius defendido numa primeira instância por Kepa (22′).

A resposta foi quase imediata, com Sterling a obrigar Courtois a uma defesa ainda superior à primeira que fez de João Félix (24′). A contra resposta foi ainda mais imediata, com mais uma incursão ziguezagueante de Vinícius que terminou com um toque que passou por cima de Kepa mas foi cortada por Thiago Silva em cima da linha (26′). O intervalo chegaria com o Real Madrid em vantagem, com tudo o que isso representa para os espanhóis quando se apanham na frente, e com o Chelsea de novo atrás do marcador, com tudo o que isso tem também representado quando os ingleses estão por baixo. Ainda assim, haveria mais história.

Mantendo o 3x5x2 que foi promovido por Frank Lampard no Santiago Bernabéu, diferente do 4x3x3 com que se estreou a perder com o Wolverhampton, o conjunto londrino voltou a ter um remate com perigo de João Félix a abrir para defesa de Courtois antes de Modric fazer um remate em jeito a rasar a trave. Depois, em pouco mais de um minuto, tudo mudou: Koulibaly saiu lesionado, Cucurella foi para o seu lugar como central à esquerda, Rodrygo fez mais um movimento de ameaça de apoio frontal antes de explorar a profundidade, foi carregado por Chilwell e o inglês foi expulso (59′). O desequilíbrio de forças ficava mais definido de novo por “culpa” do terror dos blues na última época, sendo que seria o seu substituto, Asensio, a fazer o 2-0, num canto trabalhado a partir da esquerda com remate do espanhol à entrada da área (74′). Apesar de estar em vantagem numérica, dois golos chegavam e sobravam para o que se espera agora em Stamford Bridge.