Num artigo de opinião publicado pelo Observador, David Neeleman responde a algumas das acusações que têm sido feitas, nomeadamente por ex-governantes ligados ao PS, que questionam a forma como o empresário conseguiu capitalizar a TAP de acordo com o compromisso assumido na privatização de 2015. Mas diz mais. Diz que revelará, nas respostas à comissão parlamentar de inquérito que lhe foram remetidas por escrito, “as ingerências e pressões inaceitáveis do poder político sobre a comissão executiva da TAP durante a nossa gestão”.

Foi com os que agora são conhecidos como Fundos Airbus que Neeleman capitalizou a TAP, mas muita gente tem questionado a legalidade dessa entrada de dinheiro, por poder considerar-se que foi com o dinheiro da própria transportadora que a capitalização devida a Neeleman foi feita. É que esse capital terá sido obtido com a renegociação com a Airbus das encomendas de aviões que a transportadora nacional tinha junto da fornecedora.

Muitos dos ex-governantes do primeiro Governo liderado por António Costa dizem que desconheciam a questão dos Fundos Airbus, o que para David Neeleman é uma “tentativa de se exonerarem de responsabilidades que qualquer governante responsável e competente sabe que são suas quando assume o poder. Das duas uma: ou não dizem a verdade ou nunca consultaram os documentos e as cartas que entregámos à Parpública e ao Governo PSD nem os pareceres dados na altura, hipótese que não deve ser aceitável para nenhum contribuinte e que certamente não é aceitável para mim. Ou não fosse a Parpública uma empresa do Estado, tutelada pelo Ministério das Finanças e não uma sucursal do Governo A ou B”.

Sustenta que a proposta de compra da TAP pela Atlantic Gateway, empresa que constituiu com Humberto Pedrosa, foi “transparente e explicada em pormenor à Parpública em 2015, antes de a privatização ser concluída e com todo o detalhe que nos era – e bem – exigido”.

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Recorda as declarações de Diogo Lacerda Machado, que esteve nas negociações para a reversão da privatização e que depois se tornou administrador da TAP: “Ao longo de todos estes anos (sete!) não consultam o assessor do Governo socialista, em todo o processo da reversão parcial e que depois se tornou administrador da TAP, peça chave de toda a negociação?”, questiona agora Neeleman, acrescentando que “e, se não estavam de acordo, porque não pararam a capitalização dos ditos fundos Airbus que foram aportados em tranches ao longo do ano de 2016, quando já eram os governantes?”

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Sobre os preços dos aviões, que levaram à troca dos 12 aviões A350 por 53 aeronaves de outras categorias (14 A330-900neo e 39 A320neo), Neeleman garante que houve nove avaliações independentes e, por isso, diz não perceber porque “são desvalorizadas e até ignoradas”. Essas avaliações estão a ser contrapostas por uma análise [da Airborne] que “é tudo menos independente, que foi encomendada em 2022, pelo Governo do PS, através da própria TAP, numa altura em que estava já claro para o Governo atual que a intervenção pública na TAP tinha sido uma decisão ruinosa para o Estado português“. Lamente, ainda, não se conhecer essa avaliação, para se poder comparar e ver o que está analisado.

“Sem conhecermos a dita avaliação é impossível responder a ela. Muito conveniente para quem quer diabolizar o investidor estrangeiro e passar a mensagem de que o ‘mau’ do empresário americano privado (que levou a companhia de um valor negativo de 512 milhões até ao valor positivo de 1.000 milhões sem um euro de investimento público) é o culpado da ruinosa gestão pública da TAP”.

E deixa a questão. Se havia dúvidas sobre o preço dos aviões porque não se questionou antes e nomeadamente a Airbus e as empresas de leasing.

Pedro Nuno Santos, ex-ministro das Infraestruturas que irá à comissão de inquérito esta quinta-feira, 15 de junho, deixou a dúvidas na comissão de Economia na semana passada. Pedro Nuno Santos considera que a auditoria é “suficientemente grave para não a ignorarmos” e que “é possível que tenhamos — Governo do PSD, TAP, país — sido enganados”, sugerindo por isso a revisão desses contratos com a Airbus.

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No artigo de opinião, Neeleman não refere em qualquer momento o seu ex-sócio na TAP, Humberto Pedrosa. Na audição parlamentar, o empresário português disse não ter feito parte da negociação com a Airbus, dizendo que só soube dos fundos Airbus mais tarde, mas sem concretizar a data precisa.

Sobre essa operação, Humberto Pedrosa afirmou que “esse dinheiro era da Airbus e que o deu a Neeleman para capitalização da TAP. Tem a ver com pacote do negócio com a Airbus que foi feito pelo senhor Neeleman diretamente com a Airbus. E perante a dimensão do negócio e perante a expectativa que a Airbus tinha de mais tarde continuar a vender aviões à TAP, a Airbus disponibilizou 226 milhões para capitalização da TAP. Não foi para o senhor Neeleman”.

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No artigo de opinião Neeleman aproveita para colocar algumas questões em jeito de crítica, nomeadamente que “se tivéssemos feito uma redução significativa de trabalhadores e um corte de 20% nos salários, como este que resultou do atual plano de reestruturação do Governo do PS, teríamos tido lucros substanciais em todos os anos da nossa gestão”.

E sobre a sua gestão recorda que pagou 10 milhões por uma empresa com capitais próprios negativos de 600 milhões; em 2019 a TAP conseguiu crédito junto dos mercados internacionais sem garantia pública; a exposição do Estado foi reduzida em mais de 400 milhões; que o rácio da dívida foi reduzido e a rentabilidade aumentada. E acrescenta que em 2018 e 2019 foram entregues à Parpública avaliações de 637 milhões e 1.035 milhões, respetivamente, que “criavam condições para um IPO [oferta pública inicial] da TAP SGPS que teria permitido uma capitalização robusta nessa altura”.

Neeleman deixa ainda o argumento de que “o nosso plano permitiu salvar a TAP em 2015 e nos anos seguintes. Sem a solução da capitalização e o know how de gestão que trouxemos, hoje a TAP possivelmente já não existiria”.

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