O PSD quer que os prémios de produtividade pagos aos trabalhadores estejam isentos de IRS e Segurança Social na parte que vai até aos 6% da remuneração base anual. O objetivo é estimular a produtividade do país, mas fiscalistas consultados pelo Observador têm dúvidas sobre os benefícios práticos que a medida poderia trazer: ou porque poderia, na prática, beneficiar quem já consegue pagar este tipo de bónus, ou porque poderia, no limite e sem fiscalização adequada, levar as empresas a dar aumentos salariais através dos prémios e não da remuneração base para escapar à tributação, o que tem potenciais efeitos negativos no cálculo da pensão futura ou das prestações sociais.

Com a isenção fiscal e contributiva, que quer ver inscrita já no Orçamento do Estado (OE) para 2024, o PSD espera responder ao que diz ser um “sério problema de produtividade” em Portugal. Isto porque, acreditam os social-democratas, a medida permitiria não só incentivar os trabalhadores a melhorarem o desempenho, como também levaria as empresas a compensá-los “adequada e justamente por isso”. “Por sua vez, o ganho de produtividade daí decorrente gerará maior rendimento nacional, que contribuirá para viabilizar a redução da carga fiscal”, defendem no documento em que detalham as propostas.

A medida faz parte de um pacote mais alargado de desagravamento fiscal. Por isso mesmo, o PSD prevê que seja “transitória”, ou seja, vigorará até que o país “aprove a reforma fiscal de fundo que inclua um desagravamento significativo do IRS que cresça gradualmente com o aumento efetivo da produtividade da economia”.

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Na prática, o PSD propõe que os prémios de produtividade — tanto no setor público como no privado — não paguem nem IRS nem taxa social única (TSU), quer na parte que diz respeito ao trabalhador, 11%, quer na parte do empregador, 23,75%, segundo já detalhou o próprio líder do PSD. Ou seja, aquilo que a empresa paga (até aos tais 6% da remuneração base anual) seria aquilo que o trabalhador recebe. Acima deste valor, já haveria lugar a esses pagamentos.

Atualmente, os prémios de desempenho baseados na performance individual do trabalhador não estão isentos de TSU. Por outro lado, segundo o fiscalista Luís Leon, a distribuição de lucros aos trabalhadores e os prémios de desempenho corporativos têm isenção, mas são ainda menos comuns do que os anteriores.

Para o fiscalista e co-fundador da consultora Ilya, a medida proposta pelo PSD é “interessante”, mas não vê que tenha grande aplicabilidade. O especialista admite, aliás, que apenas tenha efeitos práticos nas empresas com maior capacidade financeira e maior dimensão, que são uma minoria em Portugal, e que são as que já conseguem pagar prémios de produtividade. “O que essas empresas vão fazer é aplicar esta nova fiscalidade aos prémios que já têm”, avalia, em declarações ao Observador.

No “país real”, em que dominam as pequenas empresas sem grande margem orçamental, muitas das quais pagam o salário mínimo, tem dúvidas de que a medida venha a ter efeitos. “Não vejo que um café, por exemplo, que pague o salário mínimo — e com muito custo —, ainda vá dar um prémio de produtividade até 6% só porque não paga impostos. Não vejo que, face ao tecido empresarial que temos em Portugal, vá ser algo muito extraordinário”, defende.

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Do ponto de vista “estrutural”, Luís Leon refere que eliminar a tributação em sede de IRS, em teoria, vai contra a “lógica do próprio imposto”. As exceções que atualmente já vigoram prendem-se com “despesas sociais”, como o subsídio de refeição ou as ajudas de custo dos quilómetros percorridos, que estão isentos. Ainda assim, reconhece que a isenção dos prémios de desempenho poderia “incentivar” as empresas a canalizar para os trabalhadores os aumentos de lucros, até numa lógica de “partilha de risco” entre acionista e funcionários: “Se correr bem, o trabalhador recebe o prémio de produtividade superior ao que seria o aumento salarial; se correr mal, isso não acontece”, sintetiza.

Rendimento pago como prémio para escapar à tributação?

Além disso, Leon admite que, caso a medida seja aprovada, os bónus que hoje são pagos na economia informal pudessem passar a ser declarados. “Acredito que, num certo tecido empresarial português que vive entre a formalidade e a informalidade, não haveria nenhum incentivo para se manter a parte da informalidade”, adianta.

Já Rogério Fernandes Ferreira, sócio-fundador da RFF advogados e antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de António Guterres, mostra preocupação com a possibilidade de a isenção levar a que as empresas substituam os aumentos na remuneração base — que são permanentes e influenciam a pensão futura e o montante de prestações sociais — pela atribuição de prémios, para escapar à tributação.

A medida traz “a necessidade de fiscalização adicional de todos os envolvidos, sob pena de o seu objetivo ser revertido e, com isto, tornar-se mera ferramenta de planeamento fiscal agressivo e contrário à alegada intenção do legislador”, observa Rogério Fernandes Ferreira.

Luís Montenegro, no discurso do Pontal, na segunda-feira, ressalvou que o partido não quer “naturalmente que as pessoas se aproveitem do mecanismo e que haja uma deturpação e se canalize mais rendimento para este segmento e menos para o vencimento”. Mas não explicou como iria evitar que isso acontecesse. No documento em que detalha a proposta, não fala em fiscalização, referindo, antes, que a medida seria objeto de “avaliação económica regular e publicada, para que se possa verificar o respetivo impacto no aumento da produtividade”.

Questionado pelo Observador, António Leitão Amaro, vice-presidente do PSD que tem participado no desenho da proposta, explica que o partido, apesar de reconhecer o “risco de comportamento de substituição”, optou por evitar “entrar em lógicas hiper-regulamentórias”. Ou seja, a fiscalização que existir será feita a um nível macro, e não empresa a empresa, por uma entidade — ainda não definida — que avaliaria se um eventual aumento dos prémios de produtividade se refletiu, ou não, na produtividade da empresa. Esta avaliação seria complementar à fiscalização que já é feita por entidades como a ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho) ou a AT (Autoridade Tributária) às despesas já isentas, como as ajudas de custo.

Segundo o social-democrata, este sistema assenta na “confiança” de que na relação entre empregadores e trabalhadores, onde há interesses diferentes, haja já uma espécie de autorregulação: ou seja, que os trabalhadores não aceitem participar em eventuais propostas de empregadores para substituir aumentos salariais por prémios de desempenho.

O PSD ainda está a decidir se vai apresentar a proposta no âmbito do Orçamento do Estado para 2024 ou se em legislação autónoma.

Isenção prejudica pensão futura?

Na primeira reação ao pacote de medidas apresentado pelo PSD, o PS, pela voz de João Torres, secretário-geral adjunto do partido, apontou diversos “pecados capitais” às ideias social-democratas. Um argumento que usou é o de que a isenção até 6% da remuneração base anual iria “desviar rendimento de salários para prémios”.

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Havendo uma isenção de taxa social única (TSU), o PS sublinha que a medida iria “prejudicar a carreira contributiva dos trabalhadores e até potencialmente a sua proteção social” — por exemplo, para o cálculo da pensão, assim como para o cálculo de prestações sociais, como subsídios de doença ou parentalidade, que usam as remunerações sujeitas à Segurança Social como referência. Estando o prémio isento (ou pelo menos uma parte), é menor o bolo que contaria para determinação destes pagamentos.

“Ao introduzir a isenção de taxa social única nos prémios de produtividade afeta-se o valor futuro da pensões de todos os trabalhadores e, ainda, afeta-se outras prestações sociais para cobertura de diferentes eventualidades, exceto nos trabalhadores com salários muito elevados”, apontou João Torres.

Luís Leon admite este efeito, mas acrescenta que o valor definido, de 6% de isenção, seria equilibrado. “O país não pode querer sol na eira e chuva no nabal. Podemos discutir qual a percentagem. Nessa matéria, até me parece equilibrado haver uma parte da compensação ligada à produtividade que não tem Segurança Social e tem um teto”, afirma.

Há, porém, um efeito perverso que Rogério Fernandes Ferreira não exclui: se as empresas acordarem com o trabalhador um corte da remuneração base (uma via que é muito limitada na lei) e um aumento dos prémios de produtividade, “de modo a reduzir com isto o encargo de que [a empresa] é responsável”. “Neste cenário, a base contributiva do colaborador seria menor e menor seriam também as contribuições obrigatórias a realizar para a Segurança Social, quer da entidade pagadora quer do colaborador, as quais teriam impacto, também, na determinação no montante de pensão a pagar no futuro ao colaborador em causa”, afirma.

Na resposta ao PSD, João Torres referiu, também, que a proposta “agrava a desigualdade salarial” porque “beneficia mais” quem “ganha mais”. “Um trabalhador com um salário [mensal] de 810 euros teria uma isenção de TSU sobre o prémio, no máximo, de 75 euros [anuais]. Um CEO de uma grande empresa com um salário de 10.714 euros [mensal] teria uma isenção de TSU sobre o prémio, no máximo, de 990 euros [anualmente], ou seja, 13 vezes superior”, acrescenta.

Prémio isento, mas conta para o IRS?

Há mais dúvidas do que certezas à volta da proposta social-democrata, que será conhecida em mais detalhe em setembro ou em outubro. O fiscalista Rogério Fernandes Ferreira questiona o que é que o PSD entende como “isenção fiscal”: se apenas a exclusão da tributação, ou se significa que os prémios de produtividade também não seriam considerados para efeitos de apuramento da taxa marginal de IRS a aplicar aos restantes rendimentos. Ao Observador, António Leitão Amaro diz que esta questão ainda está a ser definida pelo partido.

É que, se forem considerados nesse cálculo, agravar-se-ia o imposto a pagar sobre os rendimentos sujeitos a imposto (remuneração base). São “mais situações excecionais a implicar diferenciações aos regimes gerais que tornam a gestão do imposto cada vez mais complexa sem ganhos efetivos de melhoria na justiça fiscal”, avalia Rogério Fernandes Ferreira.

Segundo o fiscalista, do “ponto de vista político, e mais propagandístico”, a isenção proposta “é uma medida sem dúvida capaz de permitir anunciar o reforço da folha remuneratória líquida dos colaboradores e alegadamente incentivadora da produtividade dos colaboradores envolvidos e, consequentemente, da empresa”. Mas alerta para a necessidade de uma fiscalização adequada.

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