“Partilhem, partilhem, partilhem! Acabo de saber: o gabinete do xerife de Rapides emitiu uma ordem. Se os agentes tiverem contacto com ‘os infectados’, atirar a matar. Senhor, tem misericórdia de nós. #Covid9teen #weneedyoubradpitt.”

A publicação que Waylon Bailey colocou no seu Facebook em 20 de março de 2020, quando se encontrava confinado na sua casa em Rapides, no estado americano do Luisiana, devido à eclosão da pandemia de Covid-19, era uma piada. A mensagem vinha na sequência de uma troca de comentários jocosos sobre a pandemia entre Bailey e um amigo e incluía uma referência a Brad Pitt, um dos protagonistas do filme de 2013 World War Z, no qual o ator tem efetivamente de atirar a matar contra os infetados por uma pandemia de zombies.

Algumas horas depois, porém, a polícia bateu-lhe à porta para o prender. Sobre ele pendia a suspeita do crime de terrorismo: os responsáveis da polícia local acreditavam que aquela podia ser uma ameaça real contra os agentes da polícia, apesar de as autoridades não terem recebido qualquer informação relativa a eventuais efeitos negativos da publicação de Bailey.

Por isso, a polícia do município de Rapides não tardou em agir. O detetive Randell Iles foi encarregado de investigar o caso e, sem obter um mandado de detenção, foi a casa de Waylon Bailey juntamente com uma equipa de agentes da polícia para o prender. Bailey estava a trabalhar na garagem quando cerca de uma dezena de agentes, vestidos com coletes à prova de bala e armados, apareceram na sua casa, obrigaram-no a ajoelhar-se e algemaram-no.

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“A próxima coisa que puseres no Facebook devia ser para não gozar com a polícia”, terá dito um dos agentes, enquanto Bailey estava algemado.

O detetive Randell Iles interrogou Bailey logo depois da detenção. No interrogatório, Bailey garantiu que a publicação era uma piada e que não tinha qualquer intenção negativa contra a polícia. No mesmo dia, acabou por apagar a publicação — já que Iles lhe disse que ou a apagava ou a polícia iria contactar o Facebook para a remover. No próprio dia, a polícia anunciou no Facebook a prisão de Waylon Bailey, que foi notícia nos meios de comunicação social. Bailey só foi libertado quando a mulher pagou a caução de 1.200 dólares.

Depois da libertação, o Ministério Público decidiu não avançar com o inquérito, já que Bailey não tinha feito mais do que uma piada. Ainda assim, o incidente marcou profundamente a vida de Bailey, hoje com 30 anos, que diz ter perdido vários amigos de infância quando as televisões começaram a noticiar a sua detenção. Bailey não conseguiu sair de casa durante vários meses e apagou todas as suas contas em redes sociais.

Alguns meses depois, decidiu avançar judicialmente contra a polícia de Rapides. Em setembro de 2020, processou o detetive Iles e o xerife Mark Wood, alegando que os seus direitos constitucionais tinham sido violados, nomeadamente os da Primeira Emenda (liberdade de expressão) e da Quarta Emenda (direito a não ser sujeito a buscas abusivas).

Em julho de 2022, porém, um tribunal de primeira instância arquivou o caso, alegando que os agentes da autoridade estavam protegidos pela imunidade qualificada — ou seja, não poderiam ser responsabilizados civilmente pela sua ação policial a não ser que houvesse violação de direitos constitucionais. No caso concreto, o juiz considerou que era plausível achar que a publicação de Bailey tinha sido escrita com o objetivo de incitar à violência contra os polícias.

Waylon Bailey recorreu da decisão e, na sexta-feira passada, o tribunal da instância superior deu-lhe razão. Três anos depois de ter sido preso sob suspeitas de terrorismo por ter feito uma piada no Facebook, Bailey recebia da justiça americana autorização para prosseguir com o seu processo contra a polícia.

Na decisão, os juízes do tribunal superior dizem que “não havia factos que levassem uma pessoa razoável a acreditar que a publicação de Bailey causaria medo sustentado”. Além disso, os juízes lembram que “não houve cidadãos a expressar qualquer tipo de preocupação” e que, “mesmo se a publicação fosse levada a sério, é demasiado geral e incerta para ser considerada uma ameaça específica”.

“A publicação não levou nenhuma pessoa ou grupo a cometer alguma ação ilegal imediatamente ou no futuro próximo. Na pior das hipóteses, a publicação foi uma piada de mau gosto, mas não pode ser lida como intencionalmente pensada para incitar“, dizem ainda os juízes.

Em declarações ao The Washington Post, Bailey disse que a decisão conhecida na semana passada representou um “peso enorme” a sair-lhe dos ombros. “É um sentimento realmente bom saber que os juízes superiores também acham que aquilo foi uma parvoíce”, disse Bailey ao jornal.

Agora, o caso vai voltar a ser julgado no tribunal de primeira instância, onde Bailey poderá obter uma indemnização pelas violações dos seus direitos constitucionais.