As auroras boreais, normalmente observadas nas latitudes mais altas, junto ao polo norte, desceram até aos 40 graus, uma linha imaginária que corta Portugal  a meio e se estende pelo mar Mediterrâneo até à Grécia. Um fenómeno raríssimo, que se deve a uma intensa tempestade geomagnética do Sol, e que terá permitido ver este espetáculo de luz e de cor até na Figueira da Foz e no Minho. A última vez que havia um registo de uma aurora boreal no nosso país é de 1957, há 66 anos, ainda que nada disto seja preciso, uma vez que não há um instituto ou órgão oficial que siga as auroras nestas latitudes tão baixas, dada a sua raridade.

Mas na madrugada de domingo o que era raro tornou-se normal e as redes sociais encheram-se de provas. As luzes, quase todas vermelho-vivo, ou arroxeadas (mais à frente explicamos o porquê das cores), foram registadas, de sábado para domingo, em muitos países da Europa de leste e Balcãs, fazendo parecer que o céu estava em chamas. Num evento de facto extremamente raro, a aurora boreal foi visível em Portugal, Espanha, França, Bulgária, Ucrânia, Hungria, Roménia, Chéquia, Grécia e, até, Turquia.

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Alguns países, mais a norte da Europa — como a Escócia —, países nórdicos ou Rússia, ainda poderão observar a aurora boreal esta segunda-feira, se as condições meteorológicas forem favoráveis.

Observar auroras boreais em latitudes tão baixas, como Portugal e Espanha, é raríssimo. Em Portugal não existe, por isso, nenhum órgão oficial que faça o registo destes fenómenos, diz ao Observador Teresa Barata, investigadora no Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, na Universidade de Coimbra. Não é feito o registo das auroras, mas é registado o efeito das tempestades geomagnéticas, conta.

A tempestade solar que atingiu a Terra este fim de semana, degradou o sinal dos satélites Egnos e interferiu com algumas operações no domingo, diz contudo Teresa Barata. Egnos assenta numa rede de satélites geoestacionários e estações terrestres que corrigem em tempo real os sinais de GPS. A beleza das auroras é assim contrabalançada pelos efeitos negativos que pode ter na aviação e navegação, nos sistemas de comunicação e na rede elétrica — daí a importância de melhorar a previsão das tempestades solares, a velocidade e clareza da comunicação e os sistemas de alerta para os serviços em risco.

O efeito das tempestades solares: das “luzes do norte” aos problemas com os satélites

As observações das auroras boreais são, muitas vezes, reportadas por observadores amadores, como aconteceu no caso dos dois fotógrafos portugueses, Maria e Miguel Marques, que partilharam no Instagram uma fotografia captada na Figueira da Foz. Tal como é possível perceber pela imagem, a poluição luminosa é inimiga de uma boa observação do céu noturno e, consequentemente, das auroras boreais. Devem ser observadas em zonas escuras e nas noites escuras (e sem nuvens, claro). Também não são normalmente fenómenos observáveis a olho nu, como é o caso da foto da Figueira da Foz, mas graças à sobreposição de fotogramas e imagens.

O astrofotógrafo espanhol Javier Caldera, também registou imagens da aurora boreal em Cáceres, na Estremadura (à mesma latitude da Figueira da Foz). Terão sido observadas também na Galiza e no Minho, mas as nuvens dificultaram a visão.

De uma lista de datas com auroras boreais vistas em Portugal (até 2011), divulgada pela Casa das Ciências — um projeto focado na aprendizagem das ciências —, destaca-se um muito maior número de relatos feitos no século XIX do que no século XX (apenas dois) — ainda que não seja claro porque é que o número de relatos é tão diferente. De acordo com esses dados, uma aurora boreal foi observada no Alentejo em 1879 e outra na Madeira em 1938 — sendo os dois registos mais a sul no país.

  • 1817, 8 de fevereiro: Penafiel
  • 1831, 7 de janeiro: Guimarães
  • 1847, 24 de outubro: Porto e Lisboa
  • 1847, 19 de dezembro: Lisboa
  • 1848, 17 e 18 de outubro: Porto e São Miguel, nos Açores
  • 1848, 17 de novembro: Porto, Lisboa e Açores
  • 1859, 28 e 29 de agosto: Viana do Castelo, Braga, Porto, Lisboa e Açores
  • 1859, 12 e 17 de outubro: Lisboa e Terceira, nos Açores
  • 1860, 12 de agosto: Porto e Terceira, nos Açores
  • 1870, 24 e 25 de outubro: Porto, Lisboa, Coimbra, Figueira da Foz, Viana do Castelo, Guimarães, Braga, Évora, Moncorvo, Guarda e Campo Maior.
  • 1871, 12 de fevereiro: Lisboa
  • 1872, 4 de fevereiro: Guimarães, Porto, Aveiro, Coimbra e Lisboa
  • 1872, 7 de julho: Valença, Guimarães,Viana do Castelo, Póvoa do Varzim, Porto, Aveiro e Viseu
  • 1938, 25 de janeiro: Barcelos, Esposende, Porto, Lisboa e Madeira
  • 1957, 21 de janeiro: Viana do Castelo, Matosinhos, Trancoso, Meda e Unhais da Serra

Na Ucrânia, a conta Ukraine Battle Map fez uma interrupção nas suas publicações dedicadas à guerra para mostrar outro tipo de luzes nos céus do país: as luzes do norte.

No sul da Eslováquia, foi uma das câmaras da Meteopress (um site de meteorologia sobre a Chéquia e a Eslováquia) que registou o espetáculo de luzes.

A extensão da aurora boreal foi surpresa até no Reino Unido e o jornal The Guardian usou uma imagem de Stonehedge, no sul de Inglaterra, para ilustrar o fenómeno.

As auroras — boreal a norte e austral a sul — formam-se quando as partículas ejetadas pelo Sol atingem a parte superior da atmosfera e interagem com as partículas aí presentes. Normalmente, essas partículas carregadas são encaminhadas em direção aos pólos pelo campo magnético da Terra. Quando mais intensa fora a atividade do Sol, maior a probabilidade de observar as auroras e maior a duração, mas também pode acontecer que se estendam para latitudes mais baixas, como aconteceu este fim de semana — um fenómeno raro, mas possível.

Aliás, a intensidade da tempestade solar foi tal que não só se observaram auroras no hemisfério norte como no hemisfério sul.

As cores que se revelam perante os nossos olhos dependem dos gases presentes na atmosfera terrestre, da altitude a que a interação entre partículas acontece, da densidade da atmosfera e da quantidade de energia envolvida, explica a Agência Espacial Canadiana:

  • Verde — a cor mais comum nas auroras boreais é formada quando as partículas carregadas eletricamente colidem com as moléculas de oxigénio acima de 100 quilómetros de altitude e abaixo de 300;
  • Rosa e vermelho escuro — acontece esporadicamente, quando as partículas vindas do Sol atingem as moléculas de azoto a cerca de 100 quilómetros de altitude;
  • Vermelho — resulta da colisão com as moléculas de oxigénio mas a altitudes mais elevadas — entre os 300 e os 400 quilómetros;
  • Azul e púrpura — são as cores mais difíceis de ver a olho nu contra o céu noturno. Resultam da colisão das partículas vindas do Sol com moléculas de hidrogénio e hélio.

Uma outra diferença entre as auroras boreais mais a norte ou em latitudes mais baixas onde não é normalmente visível, são as “danças de luz” e as cores predominantes. A latitudes mais baixas observa-se, normalmente, a parte superior da aurora vermelho de sangue, que se confunde com o clarão dos incêndios à distância, explica um documento da Casa das Ciências. Além disso, as auroras das regiões polares parecem cortinas luminosas que ondulam rapidamente.

Os impressionantes registos das luzes do norte sobre vários países europeus, na Sibéria e em vários estados dos Estados Unidos, resultam da intensa atividade geomagnética do Sol e tinham sido antecipados pelo Centro de Previsão do Tempo Espacial da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA). O centro prevê que no dia 8 de novembro, quarta-feira, a Terra seja atingida por jatos de ventos solares de elevada velocidade e que os seus efeitos se mantenham até dia 10.