Foi um dos casos que agitou o final do mês de maio de 2019: o histórico autarca socialista Joaquim Couto (então líder da câmara de Santo Tirso), a sua ex-mulher Manuela Sousa (empresária), Miguel Costa Gomes (então presidente da autarquia de Barcelos) e o médico Laranja Pontes (então diretor do IPO – Instituto Português de Oncologia do Porto) foram detidos pela Polícia Judiciária do Porto por ordens do DIAP Regional do Porto. Quatro anos depois, foram todos acusados da alegada prática de 50 crimes económico-financeiros no exercício das suas funções públicas.

No centro do caso, como o Observador noticiou então, está o pequeno grupo empresarial de comunicação de Manuela Sousa, que terá sido alegadamente favorecido pela Câmara de Barcelos e pelo IPO do Porto num conjunto de contratos públicos avaliados em cerca de 750 mil euros, segundo o despacho de acusação a que o Observador teve acesso e que foi primeiro noticiado pelo Público.

Cunhas e trocas de favores entre autarcas socialistas no centro da Operação Teia

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Miguel Costa Gomes e Laranja Pontes, que foram afastados dos cargos que ocupavam, foram mesmo acusados do crime de corrupção passiva agravado por alegadamente, segundo o DIAP Regional do Porto, terem sido alegadamente corrompidos por Joaquim Couto e a sua ex-mulher Manuela — que passou a assumir o seu nome de solteira: Sousa.

Novidade nesta acusação do DIAP Regional do Porto é o papel de Domingos Pereira, ex-vice-presidente da Câmara de Barcelos e ex-deputado do PS na XIII Legislatura. Foi acusado de 23 crimes de prevaricação em co-autoria com Manuela Sousa e de dois crimes de participação económica em negócio.

Já Miguel Costa Gomes, além do crime de corrupção passiva, foi ainda acusado de um crime de prevaricação e quatro crimes de participação económica em negócio em regime de co-autoria com Manuela Sousa.

Manuela Sousa, empresária e ex-mulher de Joaquim Couto, e Laranja Pontes, médico e ex-diretor do IPO do Porto

Também Laranja Pontes foi acusado de 11 crimes de participação económica em negócio em regime de co-autoria com Manuela Sousa e de sete crimes de participação económica em negócio em concurso aparente de abuso de poder.

Por último, Joaquim Couto, ex-presidente da Câmara de Santo Tirso, foi acusado de dois crimes de corrupção ativa de titular de cargo político agravado em regime de co-autoria com Manuela Sousa e de quatro crimes de peculato.

A Operação Teia esteve na origem da demissão de Miguel Alves como secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro. Foi deste processo que foi extraída a certidão que levou à acusação contra Alves — acusação, noticiada em exclusivo pelo Observador.

Todos os detalhes da acusação a Miguel Alves

MP diz que arguidos têm incongruências patrimoniais de 1,8 milhões de euros e arriscam-se a ter que pagar ao Estado cerca de 750 mil euros

Além de de ter deduzido acusação, o DIAP Regional do Porto pede ainda ao tribunal que venha a julgar os arguidos e que, no caso de condenação, determine a perda das vantagens patrimoniais indevidas que terão sido alegadamente atribuídas ao grupo empresarial de Manuela Sousa — e das quais Joaquim Couto também terá alegadamente beneficiado.

Por exemplo, os contratos com a Câmara de Barcelos, que deram origem à imputação de crimes como corrupção passiva (Miguel Costa Gomes) e participação económica em negócio e prevaricação (Domingos Pereira) , terão proporcionado às empresas de Manuela Sousa uma alegada vantagem patrimonial de 439.526 euros, enquanto os contratos com o IPO do Porto terão levado a uma alegada vantagem de 309.971 euros.

O valor das incongruências pode vir a ser declarado perdido a favor do Estado, em caso de condenação.

Na Câmara de Santo Tirso, Joaquim Couto foi ainda acusado de peculato por alegadamente se ter apropriado de valores da autarquia de Santo Tirso para viagens para si, sua mulher e filha no valor total de 4.732 euros.

Outra questão relevante da acusação do DIAP Regional do Porto prende-se com um segundo pedido ao tribunal para a perda alargada devido a incongruências detetadas entre o valor de rendimentos declarados e o património detetado aos arguidos. Uma vez mais, este pedido só será analisado no caso de condenação e só é solicitado porque estão em causa crimes de corrupção e participação económica em negócio.

A investigação da PJ do Porto detetou alegadas incongruências totais de cerca de 1,8 milhões de euros. Por exemplo, a alegada diferença entre os valores declarados pelo então casal Joaquim e Manuela Couto entre 2014 e 2020 em sede de IRS e o seu património real terá alegadamente atingido cerca de 754 mil euros..

No caso de Miguel Costa Gomes estará em causa um valor de cerca de 611 mil euros e no de Laranja Pontes cerca de 483 mil euros.

Suspeitas contra Luísa Salgueiro foram arquivadas

Luísa Salgueiro, presidente da Câmara de Matosinhos, foi igualmente constituída arguida nos autos da Operação Teia mas o DIAP Regional do Porto decidiu arquivar todas as suspeitas por alegado abuso de poder.

Estava em causa uma alegada influência de Joaquim Couto junto da autarca de Matosinhos, que terá levado à nomeação de Marta Pontes, filha de Laranja Pontes, para chefe de gabinete de Salgueiro. Como compensação, o ex-líder do IPO do Porto teria contratado a empresa de mulher de Couto.

Essencial para o arquivamento do caso contra Luís Salgueiro foi o depoimento da própria autarca, que negou qualquer pressão de Joaquim Couto ou de Laranja Pontes, mas também da sua primeira opção para chefe de gabinete: Manuela Álvares.

Operação Teia. Luísa Salgueiro foi constituída arguida por alegada troca de favores

Foi a conjugação desses dois testemunhos, que foram considerados espontâneos e credíveis, que levaram o DIAP Regional do Porto a considerar que a nomeação de Marta Laranja Pontes, que foi mais tarde promovida a vereadora, foi feita de forma livre por Luísa Salgueiro.

Luísa Salgueiro reagiu este sábado ao arquivamento, declarando que se sente injustiçada. “Justiça era não ter sido constituída arguida. Nunca estive indiciada por corrupção, mas para as pessoas isto é uma nebulosa sempre muito parecida. Ficamos todos sob o mesmo manto, e isso é altamente perturbador para nós”, afirmou.

Advogado de Miguel Costa Gomes vai requerer a abertura da instrução

Nuno Cerejeira Namora, advogado do ex-presidente da Câmara de Barcelos, contesta os termos da acusação do DIAP Regional do Porto e revela que vai requerer a abertura de instrução para evitar a ida a julgamento de Miguel Costa Gomes.

“Em relação ao arguido Miguel Costa Gomes, importa referir que a acusação continua a assentar em factos falsos mas, essencialmente, num terrível erro jurídico de interpretação infundada do Código dos Contratos Públicos. Aplica erroneamente a legislação e, em cima desse erro, cria fantasias. Obviamente que o arguido vai requerer a abertura de instrução. Já caíram 3 crimes pelos quais foi indiciado e hão-de ‘morrer’ todos”, enfatiza.

Já Nuno Brandão, advogado de Joaquim Couto e Manuela Sousa, recusou fazer, para já, comentários sobre o despacho de acusação, aludindo apenas às críticas que Vital Moreira no blogue “Causa Nossa” à investigação que o MP fez a Luísa Salgueiro nos autos da Operação Teia.