Um homem pertencente ao Opus Dei em Espanha fingiu ser vítima de abusos sexuais por parte de membros da Igreja Católica num relato sob anonimato enviado ao El País e à unidade espanhola que investiga estes casos. Alfredo Fernández, também jornalista e funcionário do gabinete de imprensa da Câmara Municipal de Pozuelo de Alarcón, em Madrid, admitiu ao próprio jornal espanhol que inventou a história para tentar descredibilizar a investigação jornalística que se iniciou em 2018 e que diz estar a “denegrir” a imagem da Igreja.

Tudo começou em julho de 2022, quando Alfredo Fernández enviou ao El País uma mensagem em que se mostrava disponível para relatar o seu testemunho, mas em que explicava não se sentir capaz de falar pessoalmente nem por telefone com jornalistas porque era muito doloroso partilhar o que lhe acontecera.

Relatório aponta para 440 mil casos de abusos sexuais na Igreja Católica em Espanha

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O jornal trocou, então, mensagens com o homem durante seis meses antes de decidir incluir o seu relato, descrito como muito detalhado e com cerca de cinco páginas, numa compilação de casos entregue em dezembro de 2022 à Igreja Católica para investigação. O seu testemunho foi inclusivamente incluído numa lista de 44 casos que a Igreja disse estar a investigar, ainda que tenha admitido que não tinha chegado a nenhuma conclusão sobre este.

Ao El País, Alfredo Fernández reconheceu que não agiu sozinho, mas em conjunto com um grupo de católicos “amigos” e sem o conhecimento do Opus Dei ou da câmara municipal de Pozuelo de Alarcón. “Como jornalista, posso dizer que não me gerou nenhuma dúvida ética”, afirmou.

“O Opus Dei não tem nada a ver com isto e não sabe de nada, nenhuma das outras pessoas pertence ao Opus Dei. É uma iniciativa meramente pessoal”, afirmou Fernández, acrescentando que também não viu incompatibilidades no seu relato inventado e no trabalho que faz em assessoria para a câmara municipal. Questionado sobre se pensa ter agido bem e se não considera ter prejudicado as vítimas, mostrou-se de consciência tranquila: “Sim, sim, caso contrário, não o teria feito”.

O Opus Dei disse ter tido conhecimento deste caso através da imprensa e sublinhou que os seus membros “agem livremente e sob a sua responsabilidade pessoal”. “Do Gabinete de Comunicação do Opus Dei queremos sublinhar que rejeitamos qualquer ação que possa aumentar a dor das verdadeiras vítimas ou pôr em causa a sua credibilidade”,  respondeu o Opus Dei numa declaração por escrito.

O El País produziu desde 2018 uma investigação extensa aos abusos sexuais cometidos por membros da Igreja Católica. Atualmente na sua base de dados contabilizam-se 1.378 pessoas acusadas e 2.504 vítimas. Um relatório entregue este ano aos deputados espanhóis pelo provedor de justiça Ángel Gabilondo aponta que 1,13% da população adulta em Espanha, entre os 18 e os 90 anos, foi abusada quando era menor de idade no contexto da Igreja Católica, o que corresponde a cerca de 440 mil pessoas. Este número baseia-se num inquérito levado a cabo este ano e que tem por base uma amostra de 8.013 inquiridos.