O antigo primeiro-ministro britânico Boris Johnson garantiu esta quarta-feira que “lamenta profundamente” a dor das famílias das vítimas de Covid-19, admitindo que há coisas que “inquestionavelmente” deveria ter feito e decidido de forma diferente durante a pandemia e que devia ter percebido a gravidade do problema “mais cedo”.

“Percebo os sentimentos das vítimas e das suas famílias e lamento profundamente a dor e a perda e o sofrimento dessas vítimas e dos seus familiares”, assegurou Johnson, frisando que aceita a “responsabilidade pessoal” pelas decisões que tomou.

As afirmações de Johnson foram feitas na abertura do seu interrogatório, no âmbito do inquérito sobre a polémica gestão da pandemia de Covid-19 no Reino Unido. O antigo governante chegou pronto para pedir desculpa, mas essas desculpas não serão aceites, garantem algumas das famílias, que estão neste momento a protestar à porta da sala onde o inquérito decorre, com cartazes onde se leem frases como “os mortos não conseguem ouvir as suas desculpas”. A BBC diz que uma das pessoas que estão a protestar gritou mesmo “assassino” a Johnson, que deixou a sala durante uma pausa nos trabalhos.

Segundo vários jornais britânicos, o advogado Hugo Keith começou por questionar repetidamente o antigo primeiro-ministro sobre os erros em concreto pelos quais está a pedir desculpa, querendo também saber se Johnson considera que podia ter tomado decisões de forma a evitar que tantas pessoas morressem no Reino Unido.

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O ex-governante diz “não saber” se essas mortes poderiam ter sido evitadas, aproveitando para apontar para fatores que tornavam uma quantidade elevada de óbitos difícil de evitar, da densidade populacional ao envelhecimento da população britânica. E, pressionado repetidamente para explicar se desvalorizou o perigo da pandemia, diz que o problema era generalizado: a “mentalidade” da “esmagadora maioria” dos responsáveis políticos foi de “menor alarme do que devia ter sido”.

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Entre janeiro e fevereiro, a ameaça da Covid era “uma nuvem no horizonte que não era maior do que a mão de um homem”, frisa, admitindo também que a tese de que as pessoas se “cansariam” das restrições o influenciou consideravelmente.

Além disso, questionado sobre as previsões dos cientistas que já lhe permitiam avaliar quais seriam os “piores cenários”, admite que não pensou que fossem concretizar-se graças a uma “lógica falaciosa”.

Confrontado com as imagens do caos nos hospitais italianos, no começo na pandemia na Europa, Johnson admite que o “afetaram”, até por ter a noção de que a percentagem de população idosa em Itália seria semelhante à do Reino Unido, conta a BBC. E assume que o Reino Unido devia ter “percebido muito mais cedo” a gravidade da situação. “Eu devia ter percebido”.

Ao longo do dia, o advogado foi confrontando Johnson com documentos que lhe passaram pelas mãos, mensagens que enviou a colegas de Governo ou anotações, incluindo uma em que o então primeiro-ministro classificava a Covid longa como “tretas” e a comparava a “coisas do tipo do síndrome da guerra do Golfo” (uma série de sintomas difíceis de explicar de que os veteranos dessa guerra se queixavam). Johnson disse “arrepender-se muito, muito” desses comentários.