O Grupo Vita reportou ao Ministério Público (MP) e à Polícia Judiciária (PJ) 16 casos de violência sexual no contexto da Igreja Católica durante os primeiros seis meses de atividade, segundo o relatório apresentado esta terça-feira.

De acordo com o documento da estrutura criada pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) para o acompanhamento das vítimas de abusos sexuais, além das 16 situações sinalizadas às autoridades para investigação (ficaram de fora os casos em que o denunciado já tivesse morrido ou existisse um processo judicial), foram igualmente comunicados 45 casos às estruturas ligadas à Igreja, das quais 27 para as comissões diocesanas.

Quatro vítimas de abusos sexuais em contexto eclesiástico manifestaram vontade de serem indemnizadas pela Igreja e outras estão a ponderar a hipótese, avança o grupo.

“Apenas quatro vítimas indicaram, numa fase inicial, a vontade de ser indemnizadas. À data atual, em que este relatório é apresentado, algumas vítimas reportaram ter a intenção de analisar a possibilidade de pedir uma indemnização”, pode ler-se no documento elaborado pelo grupo coordenado pela psicóloga Rute Agulhas.

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O relatório indica que foram recebidas 278 chamadas telefónicas entre 22 maio e 30 novembro, englobando não só casos de violência sexual na Igreja, mas também outras formas de violência e ocorrências não relacionadas com a missão do Grupo Vita. As estatísticas indicam que 25% das chamadas recebidas ocorreram ainda em maio, na primeira semana de funcionamento desta estrutura.

A partir dos contactos telefónicos e do site foram identificadas 64 vítimas e uma pessoa (leigo) que alegadamente cometeu crimes sexuais no contexto da Igreja, tendo esta situação já sido anteriormente sinalizada à justiça penal e canónica e sujeita a encaminhamento para apoio psicológico com um profissional da bolsa de especialistas criada pelo grupo Vita.

Até ao momento houve já 18 vítimas encaminhadas para apoio psicológico, duas para apoio psiquiátrico, quatro para apoio social, uma para apoio jurídico e quatro para apoio financeiro.

Entre os dados revelados pelo documento é possível constatar que mais de metade (56,4%) das vítimas nunca receberam apoio psicológico, enquanto 33,3% declararam ter tido esse acompanhamento. Entre as vítimas que indicaram ter tido apoio psiquiátrico, 61,5% sublinharam que assentou em medicação psiquiátrica.

De acordo com o relatório, a grande maioria (89,7%) das vítimas indicou que o agressor foi um sacerdote, com apenas outras quatro vítimas a apontar um leigo (como um catequista ou um seminarista) como o alegado abusador.

Foram realizados 42 atendimentos (presenciais e online) com vítimas, das quais três não se podiam considerar como adultos vulneráveis, pelo que a caracterização deste universo foi feita com base em 39 atendimentos. A maioria (69,2%) destas situações não tinha sido reportada no trabalho feito antes pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica e terá ocorrido nas décadas de 60 e 80 do século XX.

Na grande maioria (84,6%) destes casos não foi apresentada uma denúncia às estruturas eclesiásticas ou às autoridades judiciárias.

A idade mais frequente das vítimas no primeiro ato de violência sexual sofrido foi de sete anos de idade e a média de tempo decorrido entre a situação de abuso e assumir-se como vítima foi de 42 anos. Como explicação para esse intervalo de tempo são apontados os sentimentos de vergonha (64,1%) e de culpa (38.5%) pelas vítimas, que indicaram ainda que quase nunca o abusador reconheceu a agressão sexual, o que se verificou em apenas 5,1% dos casos.

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A maior parte das situações no contexto da Igreja aconteceram sobretudo no confessionário, seguindo-se a sacristia. Uma das vítimas refere o gabinete do padre. Para oito vítimas, a(s) situação(ões) abusiva(s) ocorreu/ocorreram na casa do padre, na casa de férias do padre ou na casa paroquial. Para seis vítimas os factos ocorreram no seminário e em quatro situações no carro do agressor”, explicita o relatório.

O Grupo Vita frisa que o impacto destes abusos reflete-se a nível físico, cognitivo, emocional ou comportamental, sobressaindo as consequências ao nível do isolamento – o impacto mais reportado e agravado por mais de 40% das vítimas viverem atualmente sozinhas -, alterações de padrão do sono, disfunções sexuais, mudança nas crenças religiosas, raiva, vergonha, agressividade e tentativas de suicídio.

No relatório é possível ler alguns testemunhos de vítimas sobre o que os alegados abusadores lhes disseram para justificar o que estava a acontecer. “Ele era mensageiro de Deus e dizia que se passasse mais tempo com ele, Deus ia curar-me”, referiu uma das vítimas, enquanto outra contou que o abusador lhe explicou “que era a vontade de Deus, que era Deus quem queria”.

Em termos de perfil, a maioria das vítimas são do sexo masculino (56%), com idades entre os 19 e 74 anos, e predominantemente das regiões Centro (38,4%) e Norte (30,1%). Mais de metade das vítimas (59.0%) consideram-se católicas, a maioria está divorciada ou separada (41.4%) e, à data dos alegados factos, 71.8% destas pessoas viviam com a família (18% em instituição).

O Grupo Vita pode ser contactado através da linha de atendimento telefónico (91 509 0000) ou do formulário para sinalizações, já disponível no site www.grupovita.pt.

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Criado em abril, no âmbito da Conferência Episcopal Portuguesa, assume-se como uma estrutura isenta, autónoma e independente e visa acolher, escutar, acompanhar e prevenir as situações de violência sexual de crianças e adultos vulneráveis no contexto da Igreja Católica.

O Grupo Vita surgiu na sequência do trabalho da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, que ao longo de quase um ano validou 512 testemunhos de casos ocorridos entre 1950 e 2022, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de 4.815 vítimas.