Num instante, tudo mudou. Após o empate sem golos frente ao Arsenal no Etihad Stadium no final de março que foi celebrado quase como uma vitória pelos londrinos, Bernardo Silva assumiu de forma pragmática que a conquista do título e do treble ficava muito mais complicada. O português tem a mesma honestidade em qualquer frase que diz do que na relação que o seu pé esquerdo tem com a bola e assumia aí que o facto de o Manchester City não depender apenas de si para conquistar o primeiro lugar era um obstáculo complicado de superar. Este fim de semana, houve futebol. Um futebol que colocou o Crystal Palace a ganhar em Anfield ao Liverpool. Um futebol que viu o Aston Villa a ganhar no Emirates ao Arsenal. Aquilo que estava mais difícil passou novamente a estar na mão dos citizens numa semana de decisões em todas as provas.

Outro hino ao futebol com um português na batuta: Bernardo Silva volta a marcar ao Real no empate a três do City no Bernabéu

Se no próximo sábado haverá um complicado duelo com o Chelsea nas meias a Taça de Inglaterra, antes era a hora da verdade nos quartos da Liga dos Campeões com a bitola no nível mais alto possível depois do melhor encontro da temporada frente ao Real Madrid que terminou com um empate a três no Santiago Bernabéu. E se é verdade que Bernardo Silva não teve a melhor primeira metade da época, agora voltava a surgir como um dos elementos fulcrais na estrutura de Pep Guardiola (que nunca deixou de ser mas tendo menos brilho). Foi ele que fez a antevisão da segunda mão diante dos merengues, à luz de um fim de semana de sucessos alheios, de uma goleada na última época aos espanhóis e do sonho vivo de novo treble.

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Bernardo, o pequeno génio que sabe tudo de bola e chegou à ficha de jogo (a crónica do Manchester City-Real Madrid)

“Foi um bom fim de semana, não esperava que as duas equipas perdessem pontos. Agora dependemos de nós e se fizermos bem o nosso trabalho venceremos a Premier. Há duas semanas, quando jogámos contra o Arsenal, parecia que tudo tinha acabado, agora parece que o Manchester City vai ganhar, talvez em duas semanas mude tudo novamente. É por isso que o futebol é lindo. Numa semana podemos perder as três competições, mas temos de ir jogo a jogo”, destacara, entre a nota da importância do regresso de Kevin de Bruyne à equipa: “Quando ele está presente, tudo é diferente porque é um dos melhores jogadores da nossa geração. Somos melhores com o Kevin do que sem ele. Quando ele está num bom dia, é difícil pará-lo”.

Entre explicações sobre o porquê de um arranque de temporada menos conseguido, sobrava sobretudo muito respeito pelo Real Madrid no discurso do internacional português. “É uma mistura de coisas diferentes. A equipa conquistou o triplete e ficou um pouco ressacada, não é fácil voltar a ter aquela fome de vencer. É uma mistura entre muitos jogadores lesionados, novos jogadores e os que saíram, como Gündogan ou Mahrez. Os novos jogadores têm de se adaptar, o que não é fácil. Goleada de 2023? Para ser sincero, não voltei a ver esse jogo, só tenho uma sensação do que fizemos em campo. São épocas diferentes mas até sinto que o Real está mais forte. Foi o que senti agora no Bernabéu. Já não está Benzema, está Bellingham. Claro que eles vão tentar um pouco uma vingança depois do ano passado, até porque eles são os reis da Champions”, apontara, entre elogios aos mais experientes Modric e Kroos: “São uma inspiração e exemplos para mim”.

Até nos detalhes se percebia esse respeito. O duelo entre Manchester City e Real Madrid, entre um passado e um presente do futebol europeu sempre em busca de ser o melhor no futuro, pode ser recente mas nem por isso deixa de ter já a sua história. Bernardo Silva falava do Real Madrid como os reis da Champions, todos os jogadores do Real Madrid mostraram o seu respeito pelo Manchester City ao não pisar em nenhum momento o símbolo do clube que está no tapete de acesso dos balneários ao relvado. Entre tanto respeito, e depois do equilíbrio de forças na primeira mão entre duas ideias e dois estilos completamente diferentes, o segredo passava por perceber quem perderia o “respeito” e era mais fiel ao que defende no futebol em campo. No final de mais um grande jogo mesmo com características diferentes do primeiro, tudo ficou adiado para as grandes penalidades mas, mais do que o vencedor, foi a eliminatória que ninguém merecia perder.

O encontro começou de uma forma completamente atípica face ao que se esperava, com duas equipas que só sabem jogar para ganhar a terem uma postura de quem está com mais receio para não perder. Camavinga ainda teve uma meia distância à figura de Ederson (10′) mas tudo era feito pela certa. O passe certo, aquele movimento certo, uma recuperação certa. Tudo certo até que uma solicitação que não parecia certa acabou por revelar o desacerto da defesa da casa: Bellingham recebeu um “balão” partindo atrás do meio-campo, Valverde abriu em Vinicius Jr. na direita e o cruzamento para a área aproveitando a passividade dos citizens encontrou Rodrygo para, à segunda, conseguir bater Ederson para o 1-0 que mudava o jogo (12′).

Aquelas facetas que se tinham visto no Santiago Bernabéu voltavam a aparecer, num jogo que mostrou ser mesmo uma final antecipada entre as duas melhores equipas europeias. E, até ao intervalo, houve um pouco de tudo a nível de oportunidades entre um Manchester City com muito mais bola e ataque organizado que tentava fazer a diferença na mobilidade e na mudança de velocidade e um Real Madrid a manter posições sem bola sempre de olhos postos nas transições. Houve um quase-canto-direto de Kevin de Bruyne travado por Lunin (15′), um desvio de cabeça de Haaland à trave seguido de uma recarga de Bernardo Silva sozinho na pequena área ao lado (19′), uma tentativa de Carvajal que ficou nas pernas dos adversários (25′), um remate de De Bruyne defendido por Lunin (27′), mais um tiro de Jack Grealish que desviou em Rüdiger e foi às malhas laterais (36′). Golos? Nenhum. E eram os espanhóis que saíam na frente ao intervalo.

Sem mexer em jogadores, Pep Guardiola tentou mudar posicionamentos para a segunda parte. Bernardo foi caindo mais na esquerda para criar superioridade com Grealish frente a um Carvajal já com amarelo, Phil Foden dava largura no outro flanco, De Bruyne andava mais para a frente ou para trás no campo consoante o espaço que tivesse para receber. Com isso, o Real perdeu saída mas o City continuava sem marcar, apesar das tentativas de Grealish, de Foden e até de Nacho que quase fez autogolo num corte. Guardiola baralhava e voltava a dar, com Foden mais para a meia esquerda e Bernardo a abrir à direita, mas a muralha defensiva dos merengues continuava a suster tudo, a começar em Lunin que enchia a baliza. Tanto bateu e bateu que furou: Doku, recém entrado, atirou para defesa de Lunin e De Bruyne, na recarga, fez o empate (76′).

Estava dado o mote para um final de partida ainda mais eletrizante, que continuou a ter Kevin de Bruyne como a grande figura com um remate de meia distância que rasou a trave e mais uma tentativa ao primeiro toque na área que passou muito perto do alvo. Ancelotti tentava mexer com Modric e Brahim Díaz mas o Manchester City continuava por cima. No tempo regulamentar, no prolongamento e com esse dado novo do visível desgaste que afetava vários jogadores do Real depois de um jogo em que foram obrigados a dar o que tinham e o que não tinham. Rüdiger, no fecho da primeira parte do prolongamento, ainda teve nos pés uma oportunidade soberana numa insistência após canto mas tudo ficaria mesmo adiado para penáltis. Álvarez marcou, Modric falhou, Bernardo falhou, Bellingham marcou, Kovacic falhou, Lucas Vázquez, Phil Foden marcou, Nacho marcou, Ederson marcou e Rüdiger marcou. Lunin foi o herói da eliminatória.