O novo julgamento de Larry Nassar, médico da seleção americana de ginástica e da Universidade de Michigan State que abusou durante duas décadas de centenas de raparigas (já foi condenado a uma pena até 175 anos de cadeia, que se soma aos pelo menos 25 anos de prisão efetiva por posse de pornografia infantil), muitas delas menores, estava a ter mais uma audição de testemunhas. Lauren Margraves era a próxima a subir ao palanque, tendo ao lado a irmã Madison e os pais.

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“O meu último ano e meio foi completamente louco, após ter sido conhecido todo este escândalo. Visitei-o por lesões mais difíceis e por problemas menores, mas quando tinha 13 anos sofri uma fratura grave e infelizmente foi o meu médico… Agora percebo que não foi um acidente a forma como me tocou, os sítios onde me colocou as mãos. Quando vi a lista de vítimas que estavam escaladas, chorei. São minhas amigas, são como se fossem minhas irmãs. Eu confiei em si, as minhas irmãs confiaram em si, os meus pais confiaram em si. Nunca mais vou conseguir confiar num homem, seja ele um romântico que goste de mim ou um médico. Sei que os meus pais querem ainda hoje fazer algo mas não podem o sentimento de culpa nunca vai desaparecer. Estou feliz apenas por saber que nunca mais sairá da prisão porque é o pior veneno neste mundo”, disse.

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Seguiu-se Madison, que chorara de forma contínua enquanto ouvia a irmã uns momentos antes.

“Foi mais do que um período complicado porque sinto que foi um verdadeiro inferno para a minha família. Lembro-me que, quando parti o meu braço, era o meu médico. Lembro-me que, quando me lesionei nas costas, era o meu médico. E lembro-me de como estava feliz por ser vista pelo doutor Larry Nassar, o médico da seleção. Como era possível alguém tão reputado fazer-me mal? Vendo agora, fui abusada e nem sequer sabia. Chegou a dizer-me um dia, a mim e à minha mãe, que tinha uma ginasta que confiava tanto nele que até era capaz de se despir no gabinete dele. Acidentalmente, tocou-me sem luvas em locais em que nenhum homem pode tocar sem a minha permissão. A todas as que começaram este movimento, agradeço por me terem dado força para falar. E aos meus pais, que percebam que não têm culpa e me deram tudo”, leu.

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A cara do pai, Randall, dizia tudo. Estava revoltado, perturbado, transtornado, arrasado. O próprio admitiu isso mesmo. E pediu a palavra à juíza. “Como parte da sentença, gostaria que me desse cinco minutos numa sala fechada com este demónio. Sim ou não?”, atirou. “Não senhor, sabe que não posso conceder isso…”, respondeu Janice Cunningham. “E um minuto?”, insistiu o pai. “Não, sabe que não é assim…”, ouviu. Enquanto a juíza falava, saiu disparado para Larry Nassar enquanto Madison chamava “pai, pai”. Antes de chegar ao médico, que um dos oficiais retirou do local, foi intercetado pelos polícias presentes, algemado e levado para uma cela no tribunal do condado de Eaton, em Michigan.

A sessão acabou por interrompida e a juíza, admitindo que ainda estava a tremer com o que tinha sucedido, quis deixar uma mensagem a todos os pais presentes na sala. “Não consigo imaginar o que sentem os pais, mas não podemos reagir com violência física e agressões contra alguém que cometeu atos criminosos. Não é assim que o nosso sistema funciona”, destacou.

Ao sair, foi percetível um lamento de angústia de Randall Margraves para um dos polícias que o acompanhava: “Se isto fosse com as suas filhas, o que é que fazia?”. E foi essa questão, juntamente com o vídeo do incidente, que não demorou a tornar-se viral, fazendo crescer uma onda de solidariedade pelo pai de Lauren e Madison nas redes sociais. Mais tarde, já com os ânimos menos exaltados, foi presente de novo à juíza e acabou por sair em liberdade sem qualquer condenação.

“Podia acusá-lo de desobediência, prendê-lo ou multá-lo em 7.500 dólares mas não o vou fazer”, esclareceu Janice Cunningham. “Eu percebo o porquê da sua reação. Aliás, não percebo porque ninguém que não esteja a passar por esta situação consegue perceber. Mas tem de prometer e jurar aqui que nunca mais voltará a ter uma reação assim porque não posso tolerar um sistema de vigilantes que funcione ‘olho por olho, dente por dente'”, acrescentou a juíza.

“Vim apoiar as minhas filhas e não sabia o que iriam dizer nos seus testemunhos, não quiseram falar sobre isso antes. Depois olhei para ele ali sentado, quase que a dizer que não com a cabeça, como se não tivesse acontecido… Perdi totalmente o controlo. Peço cem vezes desculpa senhora doutora juíza, peço desculpa a todos os oficiais que estavam na sala e prometo que não voltarei a fazer nada do género novamente. Exaltei-me e estou envergonhado porque só vim para apoiar as minhas filhas”, respondeu Randall Margraves. “Os pais também são sobreviventes”, rematou o advogado da família, Mick Grewal. E um porta voz da plataforma GoFundMe já esclareceu que os 6.190 dólares que tinham sido angariados para apoiar a família caso tivesse de pagar uma multa, entre os quais uma doação anónima de mil dólares, iriam ser entregues.