No dia 19 de Setembro, o Parlamento Europeu passou uma resolução em que compara os crimes do nazismo aos do comunismo. Como não podia deixar de ser, o PCP reagiu instantaneamente com um daqueles clássicos comunicados cheio de queixinhas de anti-comunismo, fanfarronice da Guerra Fria e o costumeiro “sem nós, os Aliados tinham perdido a Guerra!” – um argumento que também pode ser usado pelas bombas de Hiroshima e Nagasaki, sem que isso as torne mais recomendáveis. No comunicado, o PCP critica a “deplorável tentativa de equiparar fascismo e comunismo, minimizando e justificando os crimes do nazi-fascismo”. Bem diz o povo que quem não se sente, não é filho de uma ideologia que gosta de matar boa gente.

Portanto, o PCP diz que, para equiparar nazismo e comunismo, é preciso minimizar os crimes do primeiro, pondo-os ao nível dos crimes do segundo. Ou seja, o PCP admite que o comunismo cometeu crimes. Confesso que desta não estava à espera. Não são “erros”, “desvios” ou “exageros”, como eufemisticamente costumam admitir as marotices marxistas-leninistas – aquelas que são mesmo impossíveis de esconder, claro. Não, não, o PCP refere mesmo crimes. Das duas, uma: ou o Partido está a mudar, ou os meus pêsames à família do infeliz autor do comunicado.

O PCP não está ofendido por ter sido considerado criminoso, está ofendido por ter sido considerado tão criminoso como os nazis. Acha-se vítima de uma falha de consideração. É como o marido que é apanhado com uma amante e a quem a mulher diz “és uma vergonha, igual ao teu pai!” E ele, melindrado: “Como te atreves? O meu pai tinha duas amantes, eu só tenho uma. Não menorizes a infidelidade do meu pai”.

O PCP admite crimes praticados pelo comunismo, mas avalia-os numa escala mais modesta do que os do nazismo. Por exemplo, Hitler matou 6 milhões de judeus. Já Mao Tse-tung, só no Grande Salto em Frente, matou 45 milhões de chineses. Ou seja, por cada judeu morto por Hitler, Mao matou 7 chineses e meio. Apesar disso, o PCP garante que os crimes não têm comparação. Logo, para o PCP, a vida de um judeu vale mais do que as vidas de quase 8 chineses. E ainda há quem diga que o comunismo é anti-semita.

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Concordo com os comunistas. Não se pode comparar o incomparável. O nazismo só teve 12 anos para brilhar, enquanto o comunismo tem um percurso muito consistente de mais de um século a bater recordes. É como cotejar o Dani com o Cristiano Ronaldo. O Dani foi dos melhores futebolistas que vi jogar, mas teve uma carreira muito curta. Já o Cristiano mantém-se num nível superlativo há mais de 15 épocas. O nazismo é como o Dani. Com mais sorte, se tivesse tido mais tempo, sabe-se lá onde poderia ter chegado? E o comunismo é como Ronaldo, que se aperfeiçoou ao máximo, tornando-se numa eficiente máquina de enganar. No caso de Ronaldo, defesas e guarda-redes. No caso do comunismo, as pessoas em geral.

O que a União Europeia fez foi responder à imorredoira questão de crianças em todo o mundo: quem ganhava uma luta entre um velociraptor e um tubarão branco? A EU declara que seria um empate. Só não diz que, sendo ambos caçadores temíveis, o dinossauro já não ferra o dente há algum tempo, enquanto o peixão continua a abocanhar por aí.

Não há muito mais a dizer sobre a equiparação do comunismo e do nazismo enquanto duas ideologias desagradáveis, de maneira que vou continuar com as metáforas primárias, para reforçar o argumento. O leitor está familiarizado como conceito de “one hit wonder”? Trata-se do artista que é conhecido por ter uma única música de sucesso. Nesta pouco imaginativa – ainda que certeira – analogia, o nazismo é o duo espanhol Los del Rio, autores da irritantemente popular “Macarena”, uma canção singular que lhes garante o reconhecimento eterno. Já o comunismo são os Rolling Stones: uma carreira longa, dezenas de êxitos, milhões de fãs e o elogio da crítica. Está bem que os Stones são musicalmente mais evoluídos, são estilosos e as pessoas não têm vergonha de serem apanhadas em público a trautear as suas canções, mas, quando se vai a ver, quer os Los del Rio, quer os Rolling Stones, são ambos cançonetistas.

Agora, é preciso dizer que, além de fúria indignada, a reacção do PCP tem ali um cheirinho a ciúme. O PCP não aceita que, passados mais de 70 anos da sua derrota, o nazismo continue a fazer sombra ao comunismo. Quantos mais mortos serão necessários? Quantos mais países na miséria? Quantos mais ditadores sanguinários até ao comunismo poder ocupar o seu lugar de destaque, sem ser ex aequo? O nazismo é como aquele ex-namorado por quem a nossa mulher continua a suspirar, apesar de já sermos casados há décadas. Talvez o comunismo se deva esforçar mais na cama.