O anúncio foi feito pelo próprio Luís Costa, conhecido como DJ Magazino, nas redes sociais. Depois de, em dezembro de 2019, lhe ter sido diagnosticada uma leucemia, ter contraído o novo coronavírus no Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil (IPO de Lisboa), ter tido uma infeção hospitalar e ter estado em coma durante mais de um mês, o jovem voltou a testar positivo para a Covid-19 e foi transferido de novo para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Entretanto, já voltou a ter dois testes negativos e regressou, na quarta-feira, ao IPO.
Parece incrível mas é verdade, voltei a testar positivo ao COVID-19. Ao fim de vários testes negativos e a recuperar…
Posted by MAGAZINO on Thursday, September 10, 2020
Ao que o Observador apurou, não se tratou de um caso de reinfeção, mas sim de vestígios do vírus que ainda permanecem no corpo do doente. O protocolo do IPO obrigou, ainda assim, a que deixasse de fazer ali o tratamento que tinha em curso, por ser um hospital livre de Covid-19 — ao contrário do Santa Maria, por exemplo, que tem circuitos para doentes com e sem a doença.
Foi mais um contratempo no tratamento oncológico que, desde o diagnóstico, tem sido muito condicionado pela pandemia. Pelo meio, uma surpresa: por causa da leucemia, Luís Costa precisa de um transplante de medula e descobriu que tinha sido encontrado um dador compatível quando acordou do estado de coma.
Resultado positivo será apenas o “esqueleto do vírus”
Em declarações ao Observador, no início desta semana, quando o DJ ainda estava internado no Hospital de Santa Maria, Sandra Braz, coordenadora da Unidade de Internamento de Contingência da Infeção Viral Emergente, do Centro Hospitalar de Lisboa Norte — a que pertence o hospital —, explicou que os doentes com infeção por SARS-CoV-2 “por vezes” voltam a ter testes positivos, mesmo depois de cumprirem “os critérios de cura laboratorial” definidos pela Direção-Geral de Saúde (DGS). Isto é, depois de terem dois testes negativos com intervalo mínimo de 24 horas, no caso dos internados — que foi o caso do DJ — e, para os doentes em ambulatório, um teste negativo.
De acordo com a especialista em Medicina Interna, era necessário ter “muita cautela” a interpretar este teste positivo, porque uma reinfeção e “um teste laboratorial positivo, pouco tempo depois de uma infeção com critérios de cura”, são coisas diferentes.
“Isso significa que ainda há excreção viral intermitente, mas não é uma partícula viral com infecciosidade, portanto podemos dizer que o que ele está excretar é o esqueleto do vírus, não é a partícula viral”, explicava na altura.
Apesar de ainda não haver estudos “robustos”, esta é uma hipótese levantada por vários autores, refere Sandra Braz: o facto de os doentes assintomáticos terem um teste positivo, semanas após testes negativos, não significa que o paciente esteja infetado “e muito menos” que o material detetado no teste de PCR — que recolhe material genético na naso-faringe — “constitua um risco para o próprio ou para terceiros”. Ou seja, continua a identificar-se material genético, mas isso não significa que seja o “vírus como partícula”. “É como identificar o esqueleto apenas”.
“Isto é apenas um dado laboratorial, até porque [o doente] não tem qualquer sintoma de infeção por SARS-CoV-2 neste momento”, afirmou a médica, acrescentando que Magazino não estava a receber tratamento para a Covid-19, precisamente por não ser considerado um caso de reinfeção, estando apenas a ser tratada a sua doença oncológica.
Tal como o DJ explicou nas suas publicações no Facebook e no Instagram, este teste positivo ocorreu há cerca de duas semanas, depois de vários negativos. Uma situação que se explica precisamente pela “excreção intermitente”, isto é, a excreção pode não ter ocorrido quando foram realizados os testes anteriores. “Pode haver ainda material genético nas células que intermitentemente surge“, acrescentava, na altura, a médica ao Observador.
Mas se o DJ não constituía um risco para outros, por que motivo foi transferido para o Hospital de Santa Maria e não permaneceu no IPO de Lisboa, onde estava internado? Por precaução. Segundo Sandra Braz, apesar de se assumir que não há risco de infecciosidade, este ainda é um “assunto em debate” na comunidade científica internacional e a opção dos médicos foi a prevenção: “Preferimos agir com cautela e no caso do IPO, que foi definido que seria um hospital Covid Free [sem casos de Covid-19], apesar de não termos qualquer convicção de que o doente tenha infeção, ele foi retirado de lá e foi para o nosso internamento”, indicou a coordenadora da Unidade de Internamento Covid-19 do Hospital de Santa Maria.
“O doente tem de ser avaliado como um todo e se está assintomático e se já tem critérios de cura, de acordo com normas que temos em Portugal, então temos de considerar que não há reinfeção“, acrescentou.
A alta ou permanência de Magazino na unidade hospitalar dependia da situação clínica relacionada com a sua doença hematológica e da opinião dos especialistas em Hematologia do IPO de Lisboa, que estão em contacto diário com os médicos do Santa Maria: “O doente, antes de tudo, é um doente hematológico”, disse Sandra Braz ao Observador, ainda Luís Costa estava internado no seu hospital. Na quarta-feira, depois de ter tido dois testes negativos à Covid-19, regressou ao IPO de Lisboa, avançou o agente do DJ ao Observador.
92 dias num quarto de hospital, quimioterapia, Covid-19, passando pelo coma, até aos 2 testes negativos
A luta de Luís Costa contra uma leucemia começou ainda em 2019. Tal como relatou à revista Vogue, num texto escrito na primeira pessoa, o diagnóstico foi feito no dia 2 de dezembro, após uma ida ao hospital devido a um “cansaço extremo”. Só mais tarde, depois de começar a quimioterapia por via oral, é que um médico lhe disse que iria precisar de um transplante de medula óssea, altura em que foi transferido para o IPO de Lisboa.
Em lágrimas depois da confirmação do diagnóstico por parte do instituto, esteve uma semana em casa em que o apoio dos amigos fizeram com que mudasse, por completo, a sua atitude perante a doença: começou a focar-se apenas na cura e não no problema de saúde.
“Recuperei peso, comecei a caminhar, a andar de bicicleta, a comer muito bem. Empenhei-me a fundo, porque este é, sem dúvida, o momento mais importante da minha vida. Fui adiando ao máximo a quimioterapia porque ainda não tinha dador de medula óssea compatível comigo, mas cheguei a um ponto em que o meu corpo já não aguentava mais e a minha médica do IPO (Dra. Francesca Pierdomenico) chamou-me para ser internado entre seis a sete semanas, para enfrentar um primeiro ciclo de quimioterapia“, recorda o DJ português à Vogue.
De mala em punho, com uma pedaleira, um órgão, livros, um bloco de notas e um iPad, Magazino deu entrada no IPO de Lisboa a 2 de junho, mas a estadia acabou por ser mais curta do que antecipava. Duas semanas depois, após um caso de Covid-19 entre os funcionários do serviço de Hematologia, todos os doentes foram testados e o DJ, de 42 anos, foi um dos pacientes que teve um teste positivo. Acabou por ser transferido para o Hospital de Santa Maria, onde foi internado num quarto em isolamento, numa ala dedicada a doentes infetados com o novo coronavírus.
Covid-19: Oito profissionais e 12 doentes internados no IPO de Lisboa infetados
Além da Covid-19 e da quimioterapia, o DJ contraiu uma bactéria hospitalar e o seu estado de saúde foi piorando, até ser transferido para uma unidade de cuidados intensivos e ter ficado em coma.
“O diagnóstico era grave. Passados 30 e poucos dias acordaram-me. Foi um dia muito complicado. Lembro-me de ter enfermeiros à minha volta, só lhes via os olhos, estavam vestidos como se fossem para o espaço, não sabia o que estava ali a fazer, não me reconhecia, não me conseguia mexer, e não conseguia falar. Eles tentavam explicar-me quem era com uns vídeos meus a tocar, depois pedi para me ver no telefone e não tinha cabelo, não combinava com a pessoa que estava nos vídeos e eu não reconhecia nem um nem outro”, lê-se no seu texto para a Vogue, onde a acrescenta que as únicas memórias que tem do tempo em coma são “o mar a bater muito forte e um turbilhão de cores infinito a envolver-me o corpo”.
Foi ainda durante o coma que chegou uma boa notícia: foi encontrado um dador compatível, graças às “campanhas de apelo à doação” feitas pelos amigos, conta. Uma notícia que, segundo relatam os médicos, o fez “esboçar um sorriso”.
Depois de ter estado à beira da morte, Luís Costa começou a recuperar lentamente a sua autonomia. Começou a andar, a comer sozinho — perdeu 21 quilos durante este processo — a lavar os dentes, a conseguir ler e escrever, e a abrir uma lata, como explica num post de Facebook, a 16 de agosto.
Rumo à recuperação! 15 dias depois de ter acordado do coma já há melhoras fantásticas ????O que não fazia e já consigo…
Posted by MAGAZINO on Sunday, August 16, 2020
Mas só em finais de agosto — 88 dias depois de ter entrado no IPO de Lisboa —, foi dado como curado, após dois testes negativos à Covid-19.
“Agora rumo ao IPO para preparar a próxima fase, a mais importante, mas agora com um dador compatível, só dependo de mim. A meta é clara e o objetivo é chegar ao destino e não a velocidade a que lá chego”, lê-se numa publicação feita nas redes sociais, a 28 de agosto.
Adeus Covid!!! Perdi a conta aos testes que fiz mas finalmente fiz 2 negativos seguidos. Agora rumo ao IPO para…
Posted by MAGAZINO on Friday, August 28, 2020
Nem duas semanas depois, recebeu o teste positivo ao novo coronavírus. Pelo meio — antes de dar início a um novo ciclo de quimioterapia para fazer o transplante — e depois de 92 dias num quarto de hospital, esteve por casa, mas apenas durante um dia e meio: “Em vez de uma semana inteira de precária em casa, fiquei 1 dia e meio, ontem à noite tive uma pontada de dor nas costas e febre altíssima, chamei o INEM e voltei para o IPO. Uma infeção que ainda estou a resolver com muita calma. Apesar disso o dia e meio fora daqui soube-me pela vida e sinto-me muito grato por ter feito o que me apetecia. No entanto, aqui, e pensando de uma forma realista sinto-me melhor, mais seguro e extraordinariamente acompanhado“, refere o DJ novamente no Facebook e Instagram.
Na véspera de testar novamente positivo, partilhou uma fotografia do seu quarto no IPO de Lisboa, numa publicação onde agradece as mensagens de apoio e onde relata o seu dia a dia. O seu último post nas redes é a dar conta do seu internamento no Hospital de Santa Maria: “Entrei pelo meu pé, a andar, espero dentro de dias voltar a sair, a andar, assim que voltar a testar negativo.”
Malta, tenho recebido cartas com testemunhos incríveis, lindos e que me têm enchido de alento. Não consigo responder a…
Posted by MAGAZINO on Wednesday, September 9, 2020