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Imagens dos momentos após o massacre na escola de Sapopemba, em São Paulo, que aconteceu em outubro do ano passado

AFP via Getty Images

Imagens dos momentos após o massacre na escola de Sapopemba, em São Paulo, que aconteceu em outubro do ano passado

AFP via Getty Images

A vida do mentor dos massacres no Brasil detido pela PJ. Matias anda no 9.º ano, passava dias no quarto e só usa uma arma: “a manipulação”

Jovem detido esta semana pela PJ, suspeito de incentivar massacres no Brasil, nunca esteve naquele país, usava a manipulação como arma e tinha uma obsessão por violência, sangue e sofrimento.

Aos 17 anos, Matias (nome fictício) frequenta ainda o 9.º ano. E era no seu quarto, em Santa Maria da Feira, que passava uma grande parte do seu tempo, à frente do computador, na plataforma Discord. Foi nesta rede social que criou uma comunidade online e incentivava outros jovens, brasileiros, a cometer crimes, como o massacre numa escola em São Paulo, no ano passado, em que foi assassinada uma estudante também com 17 anos. Era em casa, que partilhava com a mãe e com o padrasto, que se isolava do mundo e criava uma realidade alternativa. Uma realidade que teve, no entanto, consequências a um oceano de distância. As consequências iriam, aliás, continuar, se não tivesse sido detido esta semana pela Polícia Judiciária (PJ).  É agora suspeito de crimes que incluem homicídio consumado (por instigação) e vários de forma tentada, em que é considerado o autor moral e ficou, esta sexta-feira, em prisão preventiva.

Diretor nacional da PJ revela que jovem detido por suspeitas de coordenar massacres no Brasil estava a preparar homicídio de mendigo

Aparentemente, Matias nunca deixou escapar qualquer sinal daquilo que estava acontecer a partir do seu computador. Pelo menos, ninguém se terá apercebido. A mãe e o padrasto nunca terão desconfiado, avançou ao Observador uma fonte da PJ, e muito menos o pai, que vivia noutra cidade, em Gondomar. Visível era apenas o isolamento em que vivia, tendo um perfil antissocial, com poucos amigos — traços que nunca levantaram suspeitas. Nem na escola. Aliás, não terá nunca sido sinalizado à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens.

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A investigação acredita que foi a partir do seu computador, em Santa Maria da Feira, que criou e manteve um grupo no Discord — uma rede social muito utilizada por quem gosta de jogos online –, tendo montado uma vasta rede de contactos. Dela faziam parte jovens brasileiros e até agora ainda não foi identificado mais nenhum português, sendo que a investigação da PJ continua. E para criar contactos no Brasil, nem precisou de viajar até lá. Aliás, conta também uma fonte da PJ ao Observador, Matias nunca esteve naquele país. “Era o fascínio dos miúdos que são brasileiros [nestes ataques] e eventualmente [a facilidade] por uma questão de linguagem, de escrita”, acrescenta a mesma fonte sobre as razões pelas quais Matias terá conseguido levar a cabo alguns planos contando com a ação de jovens brasileiros.

Investigação foi liderada pela Polícia Judiciária portuguesa, que foi comunicando constantemente com a Polícia Federal do Brasil

TIAGO HENRIQUE MARQUES/LUSA

A única arma a que tinha acesso era “a manipulação”

A solidão e o isolamento não são as únicas características detetadas pela investigação em Matias. Através do teclado, tinha uma capacidade de persuasão tal, que era capaz de convencer jovens que estavam no Brasil de que eram capazes de cometer crimes e de que essas ações os tornariam maiores. O jovem português nunca teve acesso a armas. “A arma dele é a capacidade de manipular os outros, a capacidade de convencer e o grau de extremismo, de violência e de desumanização”, conta uma fonte conhecedora da investigação.

O objetivo desta comunidade seria provocar sofrimento e mostrar que tinham sido aqueles membros a executar os crimes, como forma de afirmação. E Matias teria, nesta linha, traços de “irresponsabilidade em relação ao corpo dos outros”: “Adora violência, sangue, sofrimento”, conta a mesma fonte.

Mas há mais detalhes sombrios que a investigação associa a este jovem de 17 anos: o prazer pela “automutilação grave de jovens, mutilação e morte de animais, difusão de propaganda extremista nazi, instigação e prática da ‘missão’ de cometer massacres em escolas [filmados e transmitidos através do telemóvel] e, ainda, partilha e venda de pornografia infantil”, esclareceu a PJ esta quinta-feira, quando deu nota da sua detenção. E no Discord eram partilhadas “transmissões ao vivo de agressões contra animais que levam à sua mutilação e morte, jovens a beber detergente e a auto mutilarem-se com objetos cortantes”.

O objetivo desta comunidade seria provocar sofrimento e mostrar que tinham sido aqueles membros a executar os crimes, como forma de afirmação. Matias teria, nesta linha, traços de "irresponsabilidade em relação ao corpo dos outros": "Adora violência, sangue, sofrimento". 

Através de um ideário particularmente violento e extremista, Matias dava conselhos quanto ao modus operandi e à indumentária a usar pelos demais intervenientes aquando da preparação e prática dos crimes.

Esta descrição foi, no entanto, contrariada por Paulo Azevedo, advogado do jovem a quem o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa aplicou esta quinta-feira a medida de coação de prisão preventiva. “Um jovem inserido socialmente, um bom estudante. Convivia com os amigos, sempre foi um excelente aluno”, referiu o advogado esta sexta-feira, à saída do tribunal, no Campus de Justiça, em Lisboa.

Ataque a escola do Brasil preparado a partir do Norte de Portugal

Através das mensagens trocadas na plataforma Discord — que foi, aliás, também a rede utilizada pelo jovem que planeou o ataque à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, em 2022, para anunciar o seu plano — foi possível perceber que Matias terá incentivado o massacre que aconteceu em outubro do ano passado na escola de Sapopemba, em São Paulo.

Um jovem de 16 anos entrou nesta escola, fez vários disparos utilizando a arma que o pai guardava em casa e matou uma das alunas, de 17 anos. As balas que disparou provocaram ainda dois feridos e o rapaz foi detido de imediato. Na altura, disse às autoridades brasileiras que preparou tudo sozinho, mas a investigação da Polícia Civil de São Paulo e do Laboratório de Crimes Cibernéticos do Ministério da Justiça do Brasil não fechou a porta a outras hipóteses.

Através das mensagens trocadas na plataforma Discord foi possível perceber que Matias terá incentivado o massacre que aconteceu em outubro do ano passado na escola de Sapopemba, em São Paulo, garante a PJ

As autoridades brasileiras descobriram que foi através do Discord que o plano tinha sido delineado, que este jovem não estava sozinho e que tinha sido influenciado a cometer o crime de homicídio. As mensagens foram divulgadas pelo jornal Metrópoles, que avançava pouco tempo depois da detenção que tinham sido partilhadas fotografias da escola e que tinham sido pedidos conselhos para fazer um massacre naquele sítio.

O autor do crime chamava “missão” ao ataque e chegou a discutir naquela plataforma qual a melhor posição para colocar o telemóvel, para poder filmar tudo. E depois do crime, alguns membros do grupo lamentaram o número de vítimas, considerando que uma morte não tinha sido suficiente.

Logo depois de ter sido tornado público que o ataque tinha sido preparado através do Discord, esta plataforma anunciou que o grupo em questão já tinha sido excluído, uma vez que promovia a “glorificação de agressões físicas e sexuais” e que tinham sido banidos outros grupos semelhantes. E enviou para os membros uma mensagem: “A sua conta está a receber esta mensagem por participar num servidor que viola as diretrizes da nossa comunidades. Especificamente, [o grupo em questão] permite ou encoraja conteúdos que glorificam e promovem agressões física ou sexuais contra um indivíduo ou comunidade”.

O autor do crime chamava "missão" ao ataque e chegou a discutir naquela plataforma qual a melhor posição para colocar o telemóvel, para poder filmar o crime. E depois do crime, alguns membros do grupo lamentaram o número de vítimas, considerando que uma morte não tinha sido suficiente.

Nesta altura, nem a polícia brasileira nem a polícia portuguesa tinham ainda identificado Matias. E também não sabiam, por isso, que o cérebro do grupo estaria em Portugal. E como explicou também fonte da PJ ao Observador, alguns grupos da plataforma Discord permanecem ativos, os membros continuaram a falar e estas trocas de mensagens serviram também como meio de prova no processo que decorre em Portugal.

Aliás, a investigação que levou à identificação de Matias foi iniciada pela PJ, em Portugal, cerca de três meses depois do massacre na escola de São Paulo, em dezembro do ano passado, revelou esta sexta-feira Luís Neves, diretor nacional da PJ.

Próximo alvo já estava definido: um mendigo em São Paulo

Em dezembro do ano passado, Matias continuava no seu quarto, a falar com os membros brasileiros da comunidade que criou. E foi nessa altura que os inspetores da Unidade Nacional Contraterrorismo da PJ, em coordenação com o DIAP de Lisboa, perceberam que podiam ter nas mãos uma bomba-relógio.

Esta corrida contra o tempo terá sido motivada pela troca de mensagens nos grupos, que levaram os inspetores a perceber que estaria em curso, pelo menos, mais um ataque, também no Brasil. “Um dos crimes que estava a ser planeado no Brasil era o cometimento de um homicídio com detalhes de elevado sofrimento de um mendigo”, revelou esta sexta-feira o diretor nacional da PJ.

"Um dos crimes que estava a ser planeado no Brasil era o cometimento de um homicídio com detalhes de elevado sofrimento de um mendigo", referiu Luís Neves, diretor nacional da PJ. O Observador sabe que o crime seria também em São Paulo

Ao que o Observador apurou, esse próximo crime seria executado igualmente no estado de São Paulo, contra uma pessoa em situação de sem abrigo. Além de causar sofrimento e morte, o objetivo do atacante era também que o crime fosse filmado, para que as imagens fossem depois partilhadas dentro da comunidade. Após isso, “cada indivíduo pagaria uma determinada quantia” para ter acesso às imagens, acrescentou Luís Neves.

Polícia Federal confirma estar a acompanhar investigação da PJ

Num comunicado oficial da Polícia Federal é referido que a investigação portuguesa vai prosseguir, com o objetivo de identificar outros envolvidos, confirmando que está a haver um contacto permanente entre as duas polícias: “Em momento oportuno, a polícia portuguesa compartilhará os resultados da investigação com a Polícia Federal, a fim de dar continuidade às apurações no Brasil”.

As autoridades brasileiras referem ainda que “a investigação seguirá adiante, com uma das principais linhas de investigação sendo a identificação, em âmbito internacional, de outros envolvidos nos crimes”.

Na mesma nota é sublinhado que o Brasil colaborou na investigação portuguesa, cedendo informações, através da unidade de Repressão a Crimes de Ódio da Diretoria de Combate a Crimes Cibernéticos da Polícia Federal.

 
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