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A portuguesa Ana Patrícia Trindade Coelho está detida preventivamente em Tires há uma semana por ter raptado o próprio filho. A guarda da criança não foi entregue ao pai, o espanhol Alejandro Riera Sarà
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A portuguesa Ana Patrícia Trindade Coelho está detida preventivamente em Tires há uma semana por ter raptado o próprio filho. A guarda da criança não foi entregue ao pai, o espanhol Alejandro Riera Sarà

A portuguesa Ana Patrícia Trindade Coelho está detida preventivamente em Tires há uma semana por ter raptado o próprio filho. A guarda da criança não foi entregue ao pai, o espanhol Alejandro Riera Sarà

Acusações de violência, alcoolismo e maus-tratos. A história da fuga anunciada de Ana Patrícia, mãe de Bastian, de Barcelona para o Algarve

Bastian viveu os últimos 3 meses em fuga com a mãe, que o raptou e acusa o pai de violência. O pai nega tudo. E trouxe detetives para Portugal, o que terá até atrapalhado o trabalho da Judiciária.

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Há mais de cinco anos, desde o momento em que o filho nasceu, no dia de Natal de 2016, num hospital de Barcelona e por cesariana, em vez de ser em casa, como sempre tinha desejado, que vivia em função do pequeno Bastian e não ia permitir que lho tirassem — isso, Ana Patrícia Trindade Coelho já tinha deixado bem claro, e não apenas a Alejandro Riera Sardà, o pai da criança, de quem está separada desde 2019, mas também aos amigos mais íntimos.

“Há uns dois anos, disse-me que se lhe tentassem tirar o Bastian ia fugir com ele. E eu disse-lhe várias vezes: ‘Se é para fugires, vens para cá, vais para casa da tua mãe e vamos à polícia pedir proteção’ ”, recorda uma amiga da portuguesa que na passada quinta-feira, 11 de agosto, foi detida com o filho no Algarve, depois de mais de três meses em fuga. “Precipitou-se, foi a pior coisa que ela fez. Estava desesperada.”

A amiga fala ao Observador numa pastelaria de Setúbal, cidade onde Ana Patrícia nasceu há 39 anos, e sob a condição de manter o anonimato. Vai olhando a espaços por cima do ombro, para se certificar de que ninguém está a ouvir, diz que tem a certeza de que teve o telemóvel sob escuta durante os meses em que a amiga foi procurada, não apenas pelas polícias de Espanha e Portugal, mas também por uma equipa de detetives privados que o pai de Bastian contratou — e com quem sempre se recusou a colaborar.

“Há uns dois anos disse-me que se lhe tentassem tirar o Bastian ia fugir com ele. E eu disse-lhe várias vezes: ‘Se é para fugires, vens para cá, vais para casa da tua mãe e vamos à polícia pedir proteção’ ”
Amiga de Ana Patrícia Trindade Coelho

Conta que Ana Patrícia, que partilhava com Alejandro a guarda da criança, por várias vezes lhe assegurou que ele lhe tinha batido. “A primeira vez que aconteceu foi quando estiveram nos Estados Unidos, em 2017 ou 2018. Passaram lá um ano para ele tirar o brevet. Antes, já tinha havido sérios problemas: discussões, agressões verbais, ele bebia muito — isso eu própria vi, aqui em Setúbal, estiveram cá duas vezes com o Bastian. Nunca testemunhei agressões, mas qual era o interesse dela em mentir-me?”, questiona, para depois lamentar o sofrimento, mais do que da amiga, do filho de apenas 5 anos, que depois de passar parte da noite de quinta para sexta-feira com a mãe, sob detenção, acabou por ser entregue provisoriamente, já de madrugada, aos cuidados da avó materna, que vive na zona de Palmela, revelou ao Observador fonte ligada à investigação.

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Até à próxima terça-feira, dia para o qual está agendada uma audiência em Setúbal para decidir a sua guarda, é lá que Bastian vai ficar, com ordens para não brincar no pátio da casa e para permanecer sempre no interior, longe das janelas. Ao Observador, a mãe de Ana Patrícia não confirmou sequer estar com o neto, limitou-se apenas a dizer que, tal como tem sido veiculada pelos media, primeiro em Espanha e agora em Portugal, “esta história está muito mal contada”.

“O Bastian está com a mãe da mulher que raptou o meu filho, é de loucos. Não sei como é que a polícia pôde fazer uma coisa destas, não só foi cometida uma ilegalidade absoluta como colocaram o Bastian no mais alto risco”
Alejandro Riera, pai de Bastian

Detida em Lagos portuguesa que terá fugido com o filho de Barcelona

A família de Ana Patrícia diz ter medo de que o pai possa tentar raptar a criança. Alejandro Riera, por sua vez, diz que receia que a ex-sogra fuja com o menor e não compareça na próxima semana em tribunal. “O Bastian está com a mãe da mulher que raptou o meu filho, é de loucos. Não sei como é que a polícia pôde fazer uma coisa destas, não só foi cometida uma ilegalidade absoluta como colocaram o Bastian no mais alto risco”, insurge-se o espanhol, licenciado em Física e a trabalhar na área das neurociências, lamentando que em Portugal, como no seu país, “o sistema judicial favoreça a mãe em detrimento do pai”.

“A missão da polícia foi localizar uma pessoa, cumprir a decisão judicial do mandado de detenção europeu e, numa situação de emergência, encontrar alguém da confiança da criança com quem ela pudesse ficar”, responde por seu turno uma fonte da Judiciária ao Observador, pedindo para não ser identificada. “A polícia deteve a pessoa, levou-a a tribunal, ela está detida e poderá haver até um processo de extradição. Enquanto isso, a criança está à guarda de uma pessoa com quem tem uma relação familiar, normal”.

“Na cabeça da pessoa que leva o seu próprio filho há sempre justificação. Pode ser a simples razão de querer afastá-lo do outro, ou pode até ser justificado, mas essa é uma situação que o tribunal terá de avaliar”
António José Fialho, juiz

Na verdade, explica António José Fialho, representante português na Rede Internacional de Juízes da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, que em 1980 aprovou a Convenção sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças e tem como principal objetivo agilizar e promover o “rápido regresso” de “crianças raptadas ou retidas ilegalmente” aos seus países de origem, legalmente Bastian até podia ter sido entregue a Alejandro Riera. “Mas talvez o Estado português não se tenha sentido muito confortável com a entrega direta ao pai”, tenta justificar o juiz, sem qualquer conhecimento sobre o caso.

“Na cabeça da pessoa que leva o seu próprio filho há sempre justificação. Pode ser a simples razão de querer afastá-lo do outro, ou pode até ser justificado, mas essa é uma situação que o tribunal terá de avaliar”, explica o juiz. “A Convenção de Haia de 1980, que estabelece esta matéria, prevê um conjunto de exceções que são possíveis para impedir o regresso [da criança ao país de residência habitual, de onde foi raptada]. A mais comum é a invocação do risco grave ou situação intolerável para a criança se ela regressar ao país de origem. E isso é uma situação que terá de ser avaliada pelo tribunal. Se o tribunal considerar que esse risco existe pode não decretar o regresso da criança. Ou pode pedir ao Estado estrangeiro que dê garantias de proteção da criança, caso ela regresse.”

Neste momento, garante ao Observador a mesma fonte da PJ, a justiça portuguesa tem toda a legitimidade para decidir o que vai acontecer a seguir: “O tribunal de menores em Portugal tem todos os instrumentos para dizer que a criança continua com a avó, que a criança tem de ser entregue ao pai, ou seja o que for”.

Das “queixas falsas” às acusações contra a polícia portuguesa

De acordo com a imprensa espanhola, que desde maio acompanhou o caso do desaparecimento da criança, ao longo dos últimos anos Ana Patrícia — que está atualmente em prisão preventiva em Tires e poderá ser extraditada para Espanha, no cumprimento de um mandado de detenção europeu — terá apresentado pelo menos sete queixas contra Alejandro, a maior parte por agressões, não apenas contra ela mas também contra o filho.

Ao El Mundo, Joaquín Amills, presidente da associação SOS Desaparecidos, com sede na comunidade autónoma de Múrcia, garantiu em mais do que uma ocasião que todas as denúncias feitas pela portuguesa foram “queixas falsas”, “queixas claramente instrumentais sem qualquer fundamento”, que Ana Patrícia teria apresentado junto dos Mossos d’Esquadra, a polícia da Catalunha, e que depois “nem sequer apareceu para ratificar ou testemunhar”.

“Nunca, nunca, nunca lhe fiz nada. Não há nenhuma sentença de nenhum juiz em Espanha que me tenha considerado culpado”
Alejandro Riera, pai de Bastian

Questionado pelo Observador sobre se existem processos em curso ou arquivados envolvendo os pais de Bastian, o Tribunal Superior de Justiça da Catalunha não respondeu. Mas Alejandro Riera, o pai da criança, que até agora tinha mantido o silêncio, assegurou ao longo de vários dias e de outras tantas conversas — por telefone, messenger e WhatsApp — que não existe qualquer condenação em seu nome. “Ela fez muitas queixas, era tudo mentira, foi tudo arquivado”, explicou ao Observador o espanhol, de 43 anos, que ainda assim não aceitou partilhar os documentos que, garante, o ilibam de qualquer agressão. “Nunca, nunca, nunca lhe fiz nada. Não há nenhuma sentença de nenhum juiz em Espanha que me tenha considerado culpado.”

Viu o filho na passada quinta-feira à noite, quando a Polícia Judiciária deteve a ex-companheira, com quem nunca chegou a casar, no Algarve. Diz que foi a primeira vez em cinco meses e que antes de, no passado 6 de maio, ter comunicado aos Mossos d’ Esquadra o seu desaparecimento, já não estava com Bastian pelo menos desde março. “Estava abraçado à mãe e mal olhou para mim. E a Ana só dizia coisas estúpidas à frente dele, coitado. Foi muito traumático para o Bastian, sem dúvida”, lamenta Alejandro, que acusa as autoridades espanholas e, sobretudo, portuguesas de nada terem feito para recuperar a criança.

“Eu é que os encontrei, com os detetives, a polícia não fez nada. Liguei para o inspetor e disse-lhe onde ela estava e durante sete horas não fizeram nada. Quando finalmente vieram, disseram-me para me afastar, fui tratado como um criminoso”, acusa. “O meu filho esteve desaparecido durante cinco meses e quando o encontro continua desaparecido, porque não me dão informação nenhuma.”

“Localizar uma pessoa que está instável e que sabemos que tem uma criança em mãos não é como prender um suspeito de um crime que tem na sua posse uma pistola e está dentro de uma casa a ameaçar pessoas. É preciso escolher o momento, com tranquilidade, e salvaguardar o bem-estar da criança”
Fonte próxima da investigação

Na última terça-feira, questionada pelo Observador, a Direção Nacional da Polícia Judiciária já tinha dito “repudiar veementemente qualquer crítica feita a este trabalho, uma vez que o mesmo decorreu com a celeridade e atitude adequados a um caso desta natureza, que é sensível por estar em causa uma criança”.

Agora, fonte conhecedora do caso volta a garantir que a PJ atingiu todos os objetivos que tinha e que a missão de encontrar Ana Patrícia e Bastian foi terminada com êxito. “Localizar uma pessoa que está instável e que sabemos que tem uma criança em mãos não é como prender um suspeito de um crime que tem na sua posse uma pistola e está dentro de uma casa a ameaçar pessoas”, explica ao Observador. “É preciso escolher o momento, com tranquilidade, e salvaguardar o bem-estar da criança”.

PJ repudia “veementemente” críticas no caso da mãe portuguesa detida com o filho em Lagos. Detetives espanhóis podem ter atrasado trabalhos

Asseguram fontes da investigação que não só a operação não foi demorada como qualquer atraso que possa ter havido foi provocado exatamente pela presença em território nacional de detetives pagos pelo pai — que dentro da Judiciária se entendeu como um entrave a uma detenção segura.

Mais: outras fontes ligadas à investigação garantiram ao Observador que, não obstante haver sensibilidade para entender o desespero de um pai, qualquer nova incursão destes ou de outros detetives privados em Portugal à margem da lei nacional poderá inclusivamente levar à abertura de um inquérito-crime — neste momento, as autoridades terão já conhecimento da extensão de todas as diligências levadas a cabo por estes agentes em território nacional e estão particularmente atentas a qualquer atividade futura.

Questionada pelo Observador sobre se vai ser instaurado algum processo por atuação indevida em Portugal ou por obstrução à justiça visando a agência de detetives em causa — a Bunker Global Advisory, com sede em Barcelona —, a Procuradoria-Geral da República não respondeu até à data de publicação deste artigo.

A busca em eco-aldeias do Algarve por Nicolás e Ana Maria

Ao longo dos últimos três meses, Bastian passou a ser Nicolás e Ana Patrícia respondeu por Ana Maria. Foi sob esses nomes que se hospedaram em pelo menos duas eco-aldeias no sul de Portugal, a primeira na zona de Lagos, a segunda, onde permaneceram a maior parte do tempo, cerca de dois meses, na região de Aljezur.

Apesar de o alerta para o seu desaparecimento ter sido dado logo a 6 de maio, dia em que Ana Patrícia ainda chegou a atender o telefone à polícia espanhola e a garantir que estava tudo bem com ela e com o filho, só no fim desse mês é que as suas fotografias foram tornadas públicas. Nos cartazes partilhados pela associação SOS Desaparecidos, sob os retratos de mãe e filho constavam, para além das suas características físicas, os respetivos nomes completos. Responder por outros seria uma maneira de não atrair atenções indesejadas — sobretudo porque, entretanto, as notícias também já tinham passado a fronteira e as buscas tinham sido concentradas em Portugal.

Foi logo em junho que Alejandro Riera contratou os serviços da agência de detetives de Toni Tamarit, que durante um mês e meio conduziu a investigação a partir de Barcelona e manteve no terreno um dos seus “agentes”, Enrique Muñoz. “Não foi fácil, a mãe estava mesmo escondida”, revela ao Observador o detetive privado, com “35 anos de experiência em mais de 70 países”.

“Digamos que tentámos procurar na personalidade desta mulher — que é o tipo de pessoa que está sempre a falar de paz, próxima da filosofia do yoga — os locais onde ela pudesse estar escondida. Foi assim que começámos a procurar em eco-aldeias”
Toni Tamarit, detetive privado

Depois de tentarem, em vão, descobrir o paradeiro de Ana Patrícia e de Bastian nos arredores de Setúbal e junto dos seus amigos e familiares, explica Tamarit por telefone, recusando revelar os métodos de “espionagem” usados mas garantindo que foram “todos legais”, os detetives passaram à fase seguinte. “Digamos que tentámos procurar na personalidade desta mulher — que é o tipo de pessoa que está sempre a falar de paz, próxima da filosofia do yoga — os locais onde ela pudesse estar escondida. Foi assim que começámos a procurar em eco-aldeias.”

Apesar de ter formação em restauro e conservação de arte, Ana Patrícia, que no início da década de 2010 chegou a passar cerca de um ano em Timor-Leste, a trabalhar para uma organização não governamental, é terapeuta de Reiki, uma prática de cura natural de origem tibetana, e instrutora de meditação. Era a essa área que se dedicava, em vários centros de terapias e de yoga na capital catalã, quando durante a pandemia acabou por ficar sem trabalho, conta uma amiga da portuguesa ao Observador.

Ao longo de mais de um mês, o detetive da Bunker Global Advisory visitou uma série de comunidades sustentáveis e ecológicas um pouco por todo o país. “Também procurámos em portos, tínhamos a sensação de que ela podia querer sair da Europa com a criança. Chegámos a encontrar, num deles, uma pessoa que nos disse que ela tinha estado lá, disse que queria ir para Marrocos e de lá apanhar outro barco para ir para a África do Sul”, acrescenta Toni Tamarit.

Ao francês Akut, responsável por uma eco-comunidade que se dedica à conservação de árvores centenárias na zona de Lagos, Ana Patrícia confessou que queria ir para o continente africano com o filho, sim, mas para Madagáscar.

“Veio porque sabia que éramos uma associação que toma conta da natureza e que aceita voluntários no verão, ajudou-nos na cozinha, na limpeza e no jardim. Gostei dela, disse-lhe que podia ficar o tempo que quisesse; já tive problemas com outros voluntários, que dizem que trabalham mas não fazem nada, estão só a tentar ter férias de borla, mas com ela não”
Akut, responsável por eco-comunidade na zona de Lagos

Ao todo, Ana Maria e Nicolás, como se apresentaram, passaram quatro dias naquela eco-aldeia, numa tenda, sem pagar nada. “Veio porque sabia que éramos uma associação que toma conta da natureza e que aceita voluntários no verão, ajudou-nos na cozinha, na limpeza e no jardim. Gostei dela, disse-lhe que podia ficar o tempo que quisesse; já tive problemas com outros voluntários, que dizem que trabalham mas não fazem nada, estão só a tentar ter férias de borla, mas com ela não”, recorda Akut, que só quando a notícia da detenção da portuguesa foi conhecida, no início desta semana, ligou os pontos e percebeu por que motivo tinha ela saído “como uma ladra”, sem sequer se despedir, na manhã do quinto dia de estadia.

“Fiquei zangado por se terem ido embora assim, mas agora percebo. Não sabia que ela não tinha o direito a estar com o filho. Tudo o que posso dizer é que ela tratava bem do rapaz, era boa para ele e ele para ela. De manhã, ela ia para o nosso ‘shanti place’, um sítio onde temos árvores muito antigas, com 300 ou 500 anos, e fazia meditação; e ele estava feliz, brincava, ia à piscina, comíamos todos juntos, tudo normal.”

Segundo Toni Tamarit, o detetive privado no terreno terá chegado a falar com Ana Patrícia semanas antes da detenção, numa das eco-aldeias onde esteve alojada. “Tentou fazer com que ela própria se dirigisse à polícia e se entregasse. Sugeriu-lhe até que procurasse um advogado antes — é um bom profissional e um ótimo homem”, contou o CEO da Bunker Global Advisory ao Observador. “Ela disse-lhe que sim, mas depois fugiu outra vez”, concluiu, recusando entrar em mais detalhes.

Como se deslocou ao longo deste tempo permanece um mistério. Para além de estar a pé, sem qualquer meio de transporte à disposição, e com o filho de apenas 5 anos, Ana Patrícia também não tinha dinheiro — depois de ficar sem trabalho durante a pandemia e de ter de sair da casa onde morava, propriedade da família do ex-companheiro, mudou-se para um apartamento nos subúrbios de Barcelona e vivia com dificuldades, confidenciou ao Observador a mesma amiga de Setúbal, que não quis identificar-se.

“É fácil arranjar forma de ir para Lagos”, lembra Akut. “Há por aqui muitos turistas, muitas pessoas com carros, é fácil arranjar boleia. E também há um autocarro.”

Dinheiro, desigualdade e a possibilidade de o processo criminal ser posto em pausa

Ana Patrícia poderá ou não ter fugido da comunidade do francês com medo do detetive privado, essa parte é difícil de confirmar, o que é certo é que, depois, se instalou numa outra eco-aldeia, na zona de Aljezur, onde acabou por ficar até ser detida pela Polícia Judiciária.

Aí, sim, revela ao Observador a pessoa que a acolheu durante mais de um mês e de quem se tornou amiga — que também não quer ser identificada —, contou quase tudo aquilo por que estava a passar. “Não sabia que ela era procurada pela polícia, só que tinha deixado o ex-marido e que tinha sofrido muito. Sou terapeuta holística, fiz duas sessões com ela para a acalmar”, recorda a alemã que, tal como a portuguesa, tem formação como doula e também faz uma dieta exclusivamente vegana. “Ela é uma pessoa muito inteligente que está muito traumatizada por aquilo que passou, pela violência do marido. Acho que aconteceram muito mais coisas que ela não denunciou à polícia com medo das consequências e com medo dele.”

Ao longo do tempo em que permaneceram nesta comunidade, nos arredores de Aljezur, Ana Maria e Nicolás, como continuaram a apresentar-se, também não pagaram um cêntimo. “Estamos a criar uma cooperativa e ela ajudou-nos muito nisso, oferecemos-lhe estada e comida em troca”, explica a amiga.

“Ela é uma pessoa muito inteligente que está muito traumatizada por aquilo que passou, pela violência do marido. Acho que aconteceram muito mais coisas que ela não denunciou à polícia com medo das consequências e com medo dele”
Amiga de Ana Patrícia, responsável por eco-comunidade em Aljezur

O dinheiro, conta ao Observador, era um problema — e uma fonte de desigualdade entre a amiga e o pai de Bastian, quarto filho de Pedro Riera Grau, o executivo que entre 1968 e 1996 foi diretor-geral no país da IBM, primeiro, e da Apple, a seguir. “Disse-me que em Espanha não lhe ligaram quando fez queixa dele e que, como ele tem dinheiro, tem bons advogados e condições para se livrar de tudo. Tanto que no fim até contratou uma agência de detetives para a encontrar.”

Ao contrário de Alejandro Riera, que além de uma equipa de advogados em Barcelona, já contratou uma representante em Lisboa, Ana Patrícia Trindade Coelho está a ser defendida por um advogado oficioso, destacado pelo Estado português. Em Espanha, onde, diz o juiz António José Fialho, deveria ter de ser decidida em definitivo a questão (civil e não criminal) da guarda de Bastian, por ser o país onde a criança reside habitualmente, a portuguesa não tem qualquer advogado.

“Deve prevalecer a questão da discussão da guarda da criança, suspendendo, se for necessário, o processo criminal. Para quê? Para dar a ambos a possibilidade de, em igualdade de circunstâncias, poderem discutir a guarda do filho. Imagine que esta mãe regressava a Espanha e ficava lá presa. É evidente que uma pessoa presa está numa situação muito mais desfavorável do que qualquer outra”
António José Fialho, juiz

Dificilmente estarão reunidas as condições de igualdade que, defende o representante português na Rede Internacional de Juízes da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, são essenciais para a discussão destes processos — tão importantes que fazem com que a recomendação da rede seja para a “subvalorização” da “vertente criminal em relação à vertente civil”.

“Deve prevalecer a questão da discussão da guarda da criança, suspendendo, se for necessário, o processo criminal. Para quê? Para dar a ambos a possibilidade de, em igualdade de circunstâncias, poderem discutir a guarda do filho. Imagine que esta mãe regressava a Espanha e ficava lá presa. É evidente que uma pessoa presa está numa situação muito mais desfavorável do que qualquer outra”, defende António José Fialho. “O mais importante é dar a oportunidade a ambos de discutirem a guarda do seu filho em condições de igualdade, junto do tribunal que é internacionalmente competente. E igualdade em todos os aspetos: em termos de armas, de uso de advogados, de recurso ao patrocínio judiciário, se for necessário, de apresentar provas, etc.”

Das faltas à escola à ação dos Serviços Sociais espanhóis

Foi justamente depois de uma audiência no tribunal de menores de Barcelona que Ana Patrícia Trindade Coelho terá decidido fugir com o filho, no início de maio deste ano.

Em causa, explicou Alejandro Riera ao Observador, não estava qualquer pedido da sua parte para ficar com a guarda total de Bastian — mas na prática era isso que podia estar prestes a acontecer. “Os serviços sociais em Espanha viram que a mãe era instável e propuseram que eu tivesse a custódia dele.”

De acordo com a amiga alemã que a acolheu na última eco-aldeia em que ficou, no cerne da questão terão estado as faltas de Bastian à escola, onde frequentava o pré-escolar. “A Ana Maria tem valores muito ligados à natureza e aos elementos e queria que o filho andasse numa escola mais consciente, se se pode dizer assim. Isso fez com que não o levasse à escola onde andava, muito também porque a comida não era boa para ele — estamos num movimento de comer de forma saudável, vegana, sem magoar os animais nem escravizar as vacas por leite e queijo, e a maioria da sociedade ainda não compreende isso. Diziam que ela não era uma boa mãe, mas é ao contrário, é muito mais nobre da parte dela cuidar do filho desta maneira.”

“Foi uma queda com a cabeça, fez um pequeno corte. Foi um acidente, mas a mãe disse à polícia (e ao Bastian) que eu lhe bati. Quando estava ao cuidado da mãe sofreu queimaduras de 2.º grau em duas ocasiões, uma na cara, outra na mão. A diferença é que eu não chamei a polícia nem a denunciei, porque sabia que tinha sido um acidente”
Alejandro Riera, pai de Bastian

Para trás, o ex-casal tem uma série de queixas e denúncias mútuas, sendo que sobre Ana Patrícia recaem também acusações de incumprimento do acordo de guarda do filho — Alejandro diz que chegou a querer processar a ex-companheira por falsas acusações mas que o juiz não aceitou a sua pretensão; pelo menos duas pessoas próximas de Ana Patrícia garantem que ela não deixava Bastian com o pai porque ele teria um problema de alcoolismo e poderia pôr a criança em risco.

Na volta dos dedos apontados, Alejandro assegura que nunca teve problemas com a bebida nem se submeteu a qualquer tratamento de desintoxicação, como diz uma das amigas da ex-companheira, mas reconhece que uma vez o filho teve de ser transportado ao hospital numa das noites em que estava à sua guarda. “Foi uma queda com a cabeça, fez um pequeno corte. Foi um acidente, mas a mãe disse à polícia (e ao Bastian) que eu lhe bati. Quando estava ao cuidado da mãe sofreu queimaduras de 2.º grau em duas ocasiões, uma na cara, outra na mão. A diferença é que eu não chamei a polícia nem a denunciei, porque sabia que tinha sido um acidente.”

De um lado e de outro, só uma coisa bate certo e é garantida por todas as pessoas que ao longo dos últimos três meses se cruzaram com Ana Patrícia e Bastian: mãe e filho tinham uma relação próxima e muito carinhosa. Talvez até um pouco próxima demais, sugere Toni Tamarit, o detetive privado: “Ela era mesmo muito ligada ao filho, uma mãe-canguru. Faria tudo o que pudesse para ficar com o filho, incluindo ir-se embora com ele para longe, para qualquer lugar”.

A última semana, diz ao Observador uma das suas amigas mais próximas, terá sido a única que passou afastada do filho, que há quase seis anos decidiu ter com Alejandro, o homem que conheceu por acaso há sete ou oito, quando ficou por umas noites no seu apartamento em Barcelona, em modo couchsurfing.

"Às 15h ela saiu de lá, com outros dois carros, foi a um advogado em Portimão e desapareceu outra vez. Encontrámo-la novamente à noite, na mesma cidade, quando andava à procura de uma associação de ajuda a mulheres. Mais tarde, nessa mesma noite, o pai ligou à polícia e finalmente eles vieram"
Toni Tamarit, detetive privado

Foi pelas 11h da manhã de quinta-feira, 11 de agosto, que o detetive Enrique Muñoz e Alejandro Riera, que na altura já estava também em Portugal, tiveram a certeza de que Ana Patrícia e Bastian estavam mesmo naquela eco-aldeia junto à serra de Espinhaço de Cão, a pouco mais de uma dezena de quilómetros de Aljezur. Apesar de terem ligado imediatamente ao inspetor da PJ responsável pelo caso, acusam o pai da criança e Toni Tamarit, ninguém apareceu para fazer a detenção. “Às 15h ela saiu de lá, com outros dois carros, foi a um advogado em Portimão e desapareceu outra vez”, reconstitui o responsável pela Bunker Global Advisory. “Encontrámo-la novamente à noite, na mesma cidade, quando andava à procura de uma associação de ajuda a mulheres. Mais tarde, nessa mesma noite, o pai ligou à polícia e finalmente eles vieram.”

Desde então, nem pai nem mãe desavindos puderam ter qualquer contacto com o filho. Na próxima terça-feira, ambos vão ficar a saber o que decide a justiça portuguesa sobre o futuro próximo da criança. Que, diz quem tem estado com ela, continua a querer ser tratado por Nicolás, não por Bastian.

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