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Artista esteve esta quinta-feira na Cordoaria Nacional para falar à imprensa da sua "maior exposição" de sempre
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Artista esteve esta quinta-feira na Cordoaria Nacional para falar à imprensa da sua "maior exposição" de sempre

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Artista esteve esta quinta-feira na Cordoaria Nacional para falar à imprensa da sua "maior exposição" de sempre

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Ai Weiwei revelou a sua exposição em Lisboa: "Aqui procurei e encontrei conforto"

Dissidente chinês é nome central da arte contemporânea e apresenta na Cordoaria Nacional uma exposição de grande escala. Vive no Alentejo. "Há censura e autocensura na Europa" sobre a China, diz.

O curador da exposição disse várias vezes e por diferentes palavras aquilo que o público pode ver a partir desta sexta-feira: dois lados, dois caminhos, dois processos. Um vai às raízes culturais chinesas, aos mitos e aos símbolos, representa sonho e fantasia. O outro lado é engajado, fala do artista-ativista, tem carga autobiográfica, reflete temas da atualidade. Marcello Dantas, o curador: “A exposição faz duas coisas. Revela-nos uma condição humana desligada do plano superior e do plano terreno e procura abrir portas para essa reconexão.” Diz mais, referindo-se às muitas peças em que ao artista se autorretrata: “Ele é um jogador, joga com a própria vida. Não é um observador da vida, é uma peça do tabuleiro. Não está do lado de fora, está dentro de campo, o que faz toda a diferença.”

O artista de que se fala é Ai Weiwei, nascido em Pequim há 63 anos. Uma celebridade das artes visuais contemporâneas, criador dissidente que trabalha em torno dos traumas chineses e afronta o regime do Partido Comunista com obras e declarações sobre censura, vigilância e violações dos direitos humanos. Por sucessivos agravos esteve preso há dez anos em Pequim, sem acusação, até que foi obrigado a exilar-se na Europa, deixando para trás a mãe, de 88 anos, que alegadamente recebe ameaças da polícia secreta chinesa por causa das atividades do filho no estrangeiro.

Berlim, Cambridge, agora Portugal. Ai Weiwei chegou em fins de 2019, instalou-se numa quinta em Montemor-o-Novo, no Alto Alentejo, e aí vive com o filho de 11 anos, mais uma ninhada de gatos, uma criação de galinhas e muitas árvores. Mais recentemente, comprou casa em Lisboa, na zona da Penha de França. Já diz que Portugal é a sua terra, que só pode confiar num país em que o sol brilha quase sempre.

E no entanto a ideia da exposição — ideia do curador, que já apresentou Ai Weiwei no Chile, na Argentina e no Brasil (grande exposição em 2018 no pavilhão Oca, de São Paulo) — é anterior à vinda do artista. “Chega a Portugal em novembro, às oito da manhã, e marca almoço comigo à uma da tarde. Entre uma coisa e outra, comprou uma propriedade no Alentejo e criou um vínculo quase espontâneo”, resume Marcello Dantas, de 54 anos, 30 dos quais com ligação a museus e instituições culturais de todo o mundo.

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Peça da série "Circle of Animals" (2010), bronze com revestimento de ouro, uma "reformulação dos 12 animais do zodíaco chinês"

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

Com o pai num campo de trabalhos forçados

A exposição intitula-se Rapture — pode significar rapto, êxtase ou limbo de transcendência— e fica até 28 de novembro na Cordoaria Nacional. Há cores carregadas para a pintar. “É a maior exposição que ele alguma vez apresentou na Europa”, diz o curador. “Será o centro das atenções na Europa em 2021”, sublinha o responsável da produtora, Álvaro Covões, da Everything is New. “É a maior exposição que faço”, acrescenta o artista. Uma retrospetiva acompanhada de produção nova.

São todos os pavilhões do edifício térreo da Cordoaria com centenas de peças vindas de galerias e coleções particulares, algumas criadas em Portugal, fruto do contacto com artesãos e matérias tradicionais como a cortiça ou o azulejo. Chão, teto e paredes não têm aparato, só as obras é que falam. À entrada, uma serpente, “Snake Celing”, de 2008, mil mochilas em homenagem às crianças que morreram no terramoto de Sichuan. “As minhas obras baseiam-se todas na tentativa de entender o passado, a arte é um instrumento para entendermos o que aconteceu”, diz o artista.

Ao lado da serpente, “Figura Sem Cérebro em Cortiça”, escultura que autorretrata Ai Weiwei e que teve produção da Corticeira Amorim. Escultura especialmente complexa: a falta de preenchimento no topo da cabeça não se deve a uma escolha pensada, mas às condições técnicas que não permitiram ao dispositivo 3D, com que o artista trabalhou, captar e reproduzir essa zona da cabeça, além de que como a cortiça se esfarela e dificilmente se molda, ele teve de desenvolver um processo especial de corte e fixação do material.

"Todos os grandes festivais de cinema, como o de Veneza, de Berlim ou de Cannes, têm a China como grande mercado de exportação. Tornaram-se negócios e procuram compradores. Se eu estiver num festival, a delegação chinesa pode cancelar acordos. A China é intransigente neste aspeto."

Peças mínimas, peças monumentais. Cabides de madeira e aço, “símbolo pessoal de opressão”, pois nos 81 dias de detenção em 2011 o cabide era um dos poucos objetos que Ai Weiwei pôde ter em sua posse. Um pequeno rolo de papel higiénico em mármore, outro já de 2021 em escala aumentada, com mármore das Caldas da Rainha, a evocar o açambarcamento das primeiras semanas da pandemia da covid-19. Um brinquedo sexual em jade, feito em 2014. Peças em madeira inspiradas em ex-votos que encontrou no Brasil.

Entre tantas outras obras destaca-se também a instalação “Refraction”, de 2014, espécie de asa de pássaro feita de aço, chaleiras e peças de fornos solares. E ainda seis caixas em fibra de vidro intituladas “S.A.C.R.E.D.”, nas quais se representam cenas estáticas de prisão e de vigilância, mais o protótipo de Law of the Journey, bote em PVC de dimensão sobre-humana acerca dos refugiados que procuram a Europa.

Nas paredes estão três séries fotográficas (imagens antigas que captou em Nova Iorque e em Pequim) e ecrãs com toda a obra em vídeo que criou até hoje (as principais longas-metragens também podem ser vistas gratuitamente na plataforma Vimeo).

Aliás, as paredes têm outro pormenor. A história de vida de Ai Weiwei surge como elemento fundamental da sua obra, sobretudo as quase duas décadas passadas num campo de trabalhos forçados para o qual o pai foi enviado na década de 60, quando da Revolução Cultural de Mao Tsé-Tung. O pai foi um dos maiores poetas chineses do século XX, Ai Qing (parcelarmente traduzido para português em Macau no fim dos anos 80). E a cronologia decalcada na parede da exposição começa precisamente pela data de nascimento de Ai Qing: 27 de março de 1910 (veio a morrer em 1996).

Segundo o curador, a opção pela Cordoaria deveu-se a uma escolha do artista, que encontrou ali o espaço físico adequado. Visitaram “quase todos os espaços culturais de Lisboa”, incluindo museus de arte contemporânea, e este  foi o único local com agenda e com a escala e a personalidade que o artista procurava.

Ai Weiwei junto a um painel de azulejos que produziu em Portugal na Fábrica Viúva Lamego

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

“Artistas estão a viver a pior época possível”

Uma concorrida conferência de imprensa serviu para apresentar a exposição. Ai Weiwei está à entrada da Cordoaria num utilitário desportivo Mercedes-Benz de matrícula alemã e vidros traseiros fumados. Quinta-feira, cerca das 11 da manhã. Prepara-se para falar. Sai lentamente do carro e com ele dois assistentes jovens, um homem e uma mulher, que o ajudam a vestir um blazer azul e a tirar costuras ainda presas, sinal de peça por estrear. Calças azuis, ténis azuis, cores escuras.

Fotógrafos e repórteres notam a presença dele e rodeiam-no em segundos. O artista não se surpreende nem expressa desagrado, antes pelo contrário. Dirige-se lentamente para a porta principal da Cordoaria, mas antes vai fazer pose junto a uma das suas obras, que por estes dias está ali mesmo na rua, à vista de quem passa pela Avenida da Índia: “Forever Bicycles”, de 2015, escultura de aço inoxidável que representa as famosas bicicletas chinesas, memória que Ai Weiwei traz da infância, símbolo da pobreza em que cresceu.

Entra, prosseguem as fotos, e desaparece, deixa os jornalistas à espera durante mais de meia hora. Faz-se cara a ausência, a produção não sabe o que dizer. Há garrafas de água, pacotes de sumo de laranja e pastéis de nata para entreter os convidados. E de repente ali está ele de novo. Caminha devagar, senta-se ao lado de Álvaro Covões e de Marcello Dantas e vai responder a uma plateia curiosa onde estão representados não só revistas e jornais portugueses mas também agências internacionais de notícias e um jornal brasileiro, raridades em ocasiões destas.

“A China é um estado autoritário, não há eleições, não há liberdade de imprensa nem liberdade individual. Os comunistas não só destruíram a língua e o edifício moral, mas também a estrutura familiar."

Pega num microfone, mas a voz quase não se ouve. Fala baixinho sobre as obras, a vida em Portugal e a importância da arte. O artista é um homem sereno e informal, que conta coisas comezinhas. Portugal “é um país recente”, diz ele sobre uma das nações mais antigas do mundo, certamente fazendo a comparação com as dinastias milenares chinesas. Diz que no outro dia uma mulher se dirigiu a ele num mercado em Montemor-o-Novo e lhe perguntou o que o levou àquela terra. “Foi uma coisa natural, não escolhi, faço escolhas por instinto, aqui procurei e encontrei conforto”, relata, acrescentando que a comida portuguesa é muito boa se comparada com os padrões chineses.

Eleva o tom quando finalmente chega uma pergunta sobre o regime chinês. O governo de Pequim disse há dias que vai alterar a política de “controlo da natalidade” e passará a autorizar os casais a terem três filhos — e não dois, como desde há seis anos, ou um apenas, como foi desde a década de 80. Alto e bom som, agora fala o ativista.

“A China é um estado autoritário, não há eleições, não há liberdade de imprensa nem liberdade individual. Os comunistas não só destruíram a língua e o edifício moral, mas também a estrutura familiar. Mas agora a sociedade já não pode suportar a nação e não há jovens suficientes para isso”, comenta Ai Weiwei, em estilo palavroso e demorado.

Exposição abre esta sexta-feira na Cordoaria Nacional e prolonga-se até 28 de novembro

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

“Há censura e autocensura na Europa” por causa da China

Em resposta a uma pergunta sobre se é cada vez mais urgente que os artistas falem de direitos humanos, dirá que “os artistas, os escritores e os pensadores estão a viver a pior época possível da história da humanidade” e que “são muito poucos os artistas que se preocupam com a condição humana, ou pelo menos são poucos os que conseguem fazer-se ouvir”. “Querem ter êxito, ficar ricos, ser celebridades. A universidade produz uma série de artistas todos os anos, mas a forma como os ensina não tem nada que ver com arte, ensina-lhes sim a comer restos. Estes artistas não são criativos, não têm as emoções humanas essenciais, não têm imaginação.”

Ai Weiwei apresenta-se no próximo mês nos jardins da Fundação de Serralves, no Porto

ANDRÉ DIAS NOBRE / OBSERVADOR

50 minutos depois vai deixar a Cordoaria como um político de agenda preenchida e paciência limitada. Jornalistas inscritos para lhe fazerem perguntas ficam sem interlocutor. Muitas dúvidas, tanta curiosidade, todos esperam uma frase feroz. Ai Weiwei aparenta desinteresse, mas precisa dessa atenção para fortalecer a mensagem que quer passar. “Quem tenta bloquear-me, apagar-me ou censurar-me faz-me sentir muito importante. Tenho de trabalhar com a minha consciência e defender a liberdade de expressão e os direitos humanos”, sublinha.

A aura de celebridade é mais forte do que ele. Alguém no fim se tinha lembrado de lhe pedir um autógrafo, e ele concordara, mas não lhe passava uma caneta para mão sem antes o fotografar com o telemóvel a centímetros de distância, e ele desesperava. Depois das respostas sentadas a imprensa juntara-se em bando, com câmaras de televisão ligadas e microfones esticados, e ele respondera de pé já no limite.

Então e o documentário Rohingya, que quis levar ao festival de cinema de Cannes e que foi rejeitado há poucos dias? “Todos os grandes festivais de cinema, como o de Veneza, de Berlim ou de Cannes, têm a China como grande mercado de exportação. Tornaram-se negócios e procuram compradores”, disse. “A China é o maior mercado do mundo de cinema, à frente dos EUA. Se eu estiver num festival, a delegação chinesa pode cancelar acordos. A China é intransigente neste aspeto. Há censura e autocensura na Europa, não só na área do entretenimento mas também em todas as instituições culturais, nas universidades, nos centros de investigação. É muito perigoso. Está a acontecer por toda a Europa e penso que nos EUA também.”

Ai Weiwei tem aprazada para julho no Porto uma intervenção artística nos jardins da Fundação de Serralves, a qual inclui a réplica em ferro de um pequi-vinagreiro, árvore autóctone do Brasil e em vias de extinção, revelou Marcello Dantas nesta quinta-feira. Para já, parece querer manter-se em Portugal e já montou um estúdio em Montemor (que teve de registar como “centro de investigação de agricultura”, porque a lei não o deixava ter um atelier artístico em terreno agrícola).

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