O PS pouco ou nada aparece na campanha de Ana Gomes, mas é o voto dos socialistas que Ana Gomes está apostada em conquistar. Para isso, a candidata vai diabolizando Marcelo Rebelo de Sousa e, à medida que o calendário avança e o derradeiro domingo se aproxima, o tom agudiza. “Eu não concebo que um socialista vá votar num candidato da direita”, disse esta noite num debate online com jovens socialistas da federação de Lisboa. É que, por mais que Marcelo diga o contrário, Ana Gomes avisa: o Presidente do primeiro mandato não será o mesmo do Presidente do segundo mandato, já que, no segundo mandato, Marcelo Rebelo de Sousa não descansará enquanto não trouxer de volta uma “direita encabeçada por Passos Coelho”. E à custa de quê? Da normalização do Chega, alertou.

“Será que o que os portugueses e, em particular, os votantes socialistas querem é esta estabilidade enganosa? Num segundo mandato, o Presidente já não tem de ser reeleito, vai trabalhar de outra maneira e já temos demasiados indícios que mostram que vai trabalhar para trazer de volta a direita ao poder”, disse, sublinhando que essa será “uma direita, ao que tudo indica, encabeçada por Passos Coelho”. “Já começaram as estratégias de promoção”, atirou ainda, deixando outro alerta no ar: essa direita “não hesitará em recorrer à normalização de um partido da ultra-direita” para chegar ao poder.

Perante tudo isto, Ana Gomes não “concebe” que os socialistas votem à direita. Nem que votem no PCP. “Não percebo como é que um socialista do partido fundado por Mário Soares vota num candidato da direita, e também não percebo como votará num candidato como o do PCP, com uma agenda anti-europeia e contra os direitos humanos dos venezuelanos, dos ucranianos, etc. Isto é defender o estado de direito?”, questionou na mesma conversa online , referindo-se ao voto anunciado por alguns socialistas no candidato João Ferreira.

A falta de apoio do PS na campanha de Ana Gomes parecia ser já assunto arrumado — Paulo Pedroso afirmou esta quarta-feira que a campanha foi pensada sem contar com esse apoio e que a candidatura de Ana Gomes não é nem “de dentro do PS nem para dentro do PS” –, mas, afinal, ainda há mágoa à vista.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ao final da manhã, falando aos jornalistas após uma visita a uma estação de recolha de resíduos sólidos, em Almada, Ana Gomes poupou — como tem feito sempre — António Costa, primeiro-ministro, que tem estado inteiramente focado na pandemia, e voltou a criticar o PS, liderado por António Costa (e Carlos César), por ter deixado esta eleição a descoberto. É a dramatização total do apelo ao voto dos socialistas. Prova disso foi o retrato negro que esta noite pintou de Marcelo Rebelo de Sousa — o candidato onde se presume que vai votar uma grande fatia dos socialistas.

Depois do aviso à navegação, Ana Gomes alertou os (jovens) socialistas para a necessidade de “pensarem pela sua própria cabeça”, em vez de se limitarem a seguir o líder António Costa. “Eu tenho cabeça para pensar, e sempre tive uma profissão para lá do PS, o que devo ao PS foi ter sido eleita deputada europeia com muito orgulho, mas penso pela minha cabeça e sou mais exigente em relação ao PS do que em relação aos outros”, disse.

Está feita a dramatização do apelo ao voto socialista, só falta a dramatização do apelo ao voto útil anti-André Ventura. Ana Gomes começou na segunda-feira a ensaiar uma demarcação da “amiga” Marisa Matias, e esta terça-feira voltou a dar gás à tese de que Marisa não está em jogo verdadeiramente para concorrer mas apenas para o Bloco de Esquerda marcar território. A crítica a João Ferreira já seguiu também no correio, mas falta mais qualquer coisa. Se o objetivo oficioso é ficar em segundo lugar, à frente de André Ventura, então falta chamar a esquerda que resvalaria para a “amiga”. Faltam três dias de estrada, é agora que vai acelerar?

.

Uma inconfidência: Ana Gomes, se não fosse Ana Gomes, votaria Marisa

A conversa no Zoom com jovens socialistas já ia longa e descontraída quando, pelas 23h, Ana Gomes cometeu uma inconfidência: “Se não tivesse sido candidata, teria votado em Marisa Matias”. Isto depois de ter criticado a candidata do Bloco de Esquerda por ter começado a campanha a dar por “adquirido” que Marcelo fosse ganhar. “Só demonstra que ela está aqui a marcar terreno para o próprio partido”, disse. A crítica foi feita, mas se o objetivo é convencer a esquerda a votar em si, admitir que poderia ter votado em Marisa Matias é, no mínimo, um apelo ao voto peculiar.

.

Marcelo, o cabecilha da direita de Passos

Ana Gomes continua apostada em hostilizar o seu adversário oficial: Marcelo Rebelo de Sousa. O voto dos socialistas é o mais importante, embora praticamente não se veja máquina do partido na estrada. Nem a prometida ala esquerda. O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares vai aparecer na quarta-feira, num evento online gravado a partir do Coliseu no Porto, e tudo indica que Pedro Nuno Santos se junte no comício virtual, também a partir do Coliseu, na quinta-feira. De resto, só Manuel Alegre, João Cravinho e pouco mais. Nem Francisco Assis deu um ar de sua graça. Esta terça-feira, Ana Gomes esteve em Almada com o diretor de campanha, Paulo Pedroso (que apareceu publicamente pela primeira vez no município que liderou quando estava no PS) e nem a presidente da câmara, Inês de Medeiros, esteve lá. A campanha segue sozinha, e Ana Gomes vai fazendo o seu papel: pintar Marcelo como o candidato da direita (e logo a direita de Passos Coelho, que tão más memórias trará aos socialistas).