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JOSÉ FERNANDES/OBSERVADOR

JOSÉ FERNANDES/OBSERVADOR

Arrábida. De um lado do Vale dos Barris houve angústia, do outro (quase) serenidade

O quintal do avô Manuel ardeu parcialmente, há padarias e moinhos destruídos, mas do outro lado da serra o incêndio chegou tão sorrateiro que a calma reinou durante todo o dia.

Pouco depois das 12 horas começava a lavrar o incêndio em Palmela. Ricardo, casado com uma enfermeira saída de um turno da noite, nem se apercebeu de que o fogo estava mesmo a chegar à sua porta. “Estou habituado a estar em silêncio, é a única forma que ela tem de descansar.” Ali ao lado, onde o avô Manuel vive, as chamas já tinham saltado o Vale dos Barris e em menos de nada teimavam em entrar no quintal onde tem as árvores de frutos e os legumes que cultiva. Do outro lado da serra, Luísa não acreditava que o incêndio sequer pudesse ali chegar.

Só quando à hora de almoço o incêndio em Palmela abre os telejornais é que Ricardo percebeu que as chamas estavam, literalmente, do outro lado da estrada. Com o acesso das escadas até casa do avô Manuel cortado, só lhe restava a hipótese de saltar os muros dos vizinhos para encontrar aquilo que tinha como certo. No quintal de casa, o avô Manuel agarrava-se à mangueira para tentar salvar tudo o que podia.

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No dia anterior, Ricardo atirava aos amigos de Leiria e Viseu, em jeito de brincadeira: “Vocês aí é sempre a mesma merda, todos os anos arde e ainda não aprenderam.” Esta quarta-feira, foi a sua vez. Já passaram várias horas desde que o vento empurrou as chamas na direção de Setúbal e deixou o rasto queimado em Palmela. Os olhos de Ricardo são vermelhos, fala numa forte dor de cabeça e mal pode esperar por ir dormir. A mulher conseguiu contornar os cortes de estradas impostos e chegar ao hospital para mais um turno da noite.

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Enquanto Ricardo ajudava o avô e a tentava proteger os 2.500 metros quadrados de árvores de fruto e legumes, lembrava-se do que tinha dito aos amigos no dia anterior. Afinal, este ano, “isto calha a todos”.

Sabe que houve bombeiros a “saltar de um carro que foi apanhado nas chamas”, que “arderam três ou quatro moinhos” e “padarias”. “Isto é tudo tão verde e respirável, como é que vai ser amanhã quando o dia nascer?”, questiona-se, depois da angústia das últimas horas.

O vizinho Roman anda atarefado um pouco mais abaixo. Vê pequenos focos de incêndio nos postes de iluminação de madeira e apressa-se a chamar os bombeiros, mas há coisas que não percebe. Há mais de 10 anos a viver em Portugal, o ucraniano questiona-se sobre “porque é que a água tem que vir em camiões de Alverca, não há água em Palmela?”. Não vê sentido nas manobras de alguns camiões cisterna dos bombeiros e inquieta-se com a falta bocas de incêndio.

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Antes de vir para Portugal, Roman viveu em Espanha. Lembra-se de um incêndio com alguma dimensão e da resposta do governo, poucos meses depois. “Em pouco tempo havia bocas de incêndio espalhadas pela zona toda. Há água em todo o lado, há saneamento, porque é que não há bocas de incêndio?”

Do lado de lá da serra, as notícias do início da tarde não eram boas, mas “não há fumo, não há cinza, não há nada”. Onde há fumo há fogo, “não víamos nada, estivemos sempre tranquilos”, conta Luísa ao Observador. A família mora na Quinta do Hilário, em Setúbal, cumpriu as indicações das autoridades para “molhar a casa, o jardim e as árvores”. Ali, todos os vizinhos têm jardins cuidados e árvores imponentes. Já depois da uma da manhã, poucos são os que ainda estão na rua, apenas com um receio no horizonte. Aqui e ali há chamas que ganham maior fôlego durante breves minutos, mas sem vento rapidamente voltam a afrouxar.

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“O maior receio deles é que às três da manhã, com a mudança da maré, o vento mude também e leve as chamas serra da Arrábida adentro, aí só para em Azeitão”, comentam os vizinhos que ainda resistem no exterior das casas. A noite quente também ajuda, há quem tenha trazido as espreguiçadeiras da zona da piscina para o passeio. Corre uma aragem, mas nada que se compare ao vento que do outro lado da serra varreu Palmela.

Ricardo, de 34 anos, diz ao Observador que não tem memória de nada assim por ali. Um bombeiro de Palmela, com experiência em incêndios de Norte a Sul de Portugal comenta com o Observador que “talvez há 30 anos tenha havido um semelhante em Vale dos Barris”.

Há várias horas que desligou o rádio onde são feitas as comunicações. Tem o telemóvel pronto. “Não consigo estar sempre a ouvir isto. Se for urgente, ligam-me para o telemóvel”. Já depois das 23 horas, a preocupação é a de contar o número de homens que ainda não jantaram para pedir ao posto de comando central que envie uma refeição por cabeça. No local para onde são encaminhados os feridos para triagem há uma zona bem composta de snacks, águas e fruta, mas tantas horas de combate depois, já se pede “uma refeição a sério”.

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Sem querer dizer o nome, o “simples bombeiro de primeira, que já pertenceu ao Comando”, na corporação de Palmela, está abalado com o bombeiro que ficou ferido com mais gravidade — com as pernas e as vias áreas queimadas —, mas ainda assim claramente aliviado com o aparente fim da tormenta.

O bombeiro e a Luísa não se veem, estão em lados opostos da serra, mas a tranquilidade de um é nesta madrugada a preocupação, ainda que pequena, do outro. Se o vento ajudar, o incêndio pode ficar por aqui, mas o receio de que se alastre pela Arrábida até Azeitão é suficiente para que paire no ar ainda algum desconforto.

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