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Da vila paquistanesa de Jangri, na região montanhosa de Battagram, até à localidade de Batangi o caminho é longo para as crianças que frequentam a escola local. São, para ser exato, cerca de duas horas a caminhar por um terreno irregular, um tempo de viagem que se reduz a uns meros quatro minutos a bordo de um sistema teleférico construído por um mecânico da região. Na manhã desta terça-feira, a bordo da cabine já tinham seguido vários passageiros em quatro viagens que decorreram em segurança até à escola e nada fazia prever que a quinta seria diferente. Mas por volta das 7h da manhã (3h em Portugal) um de dois cabos do teleférico que liga as duas comunidades acabou por se partir, obrigando as autoridades a iniciar uma complexa operação de resgate para salvar os oito passageiros, entre os quais sete crianças e um jovem de 20 anos, que ficaram presos a 274 metros de altura.

O resgate, que envolveu vários helicópteros da Força Aérea Paquistanesa, prolongou-se durante todo o dia. Um a um os passageiros, com idades entre os dez e os vinte anos foram sendo retirados e em praticamente 15 horas todos se encontravam em segurança, segundo confirmou o ministro do Interior paquistanês, citado pela BBC.

O resgate foi um caso de sucesso, mas esta não é primeira vez que um acidente do género acontece no Paquistão — onde o uso de teleféricos para deslocações é comum nas regiões montanhosas do norte — e nem todos tiveram o mesmo desfecho. Em 2017, por exemplo, pelo menos 12 pessoas morreram e duas ficaram feridas depois de um teleférico ter caído numa ravina no distrito de Murree, em Punjab. Devido às rajadas de vento, acabou por cair 121 metros no desfiladeiro quando estava a transportar pessoas entre as vilas de Tret e Dannah.

Pode ver aqui ao detalhe como decorreu o processo de mais de 15 horas de resgate:

(As horas apresentadas refletem o fuso horário de Lisboa, menos quatro horas do que no Paquistão)

3h00: um dos dois cabos que segura o teleférico parte-se

Sete crianças e um jovem de 20 anos da aldeia de Jangri seguiam a bordo de um teleférico, conhecido pelos residentes como “Dolly”, em direção à vila de Batangi, na província de Khyber Pakhtunkhwa, quando um de dois cabos que o sustinham se partiu. Durante a manhã já tinham decorrido em segurança quatro viagens até à escola, segundo revelou à BBC um agente da polícia no local.

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O uso deste tipo de transportes é comum no Paquistão, incluindo em Khyber Pakhtunkhwa, para fazer travessias entre rios e encurtar as distâncias entre vales e montanhas. Muitos dos teleféricos são construídos pelas comunidades locais, alguns dos quais ilegais devido aos materiais usados na construção — até a parte de cima de carrinhas pode servir para ser convertida em cabines e transportar pessoas e mesmo gado.

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Se nem todos estes transportes são certificados pelas autoridades, esse não seria o caso do que ligava Jangri a Batangi. Segundo revelou a mesma fonte ao jornal britânico, o teleférico teria recebido um “certificado de não objeção” e seria verificado todos os meses.

7h56: primeiro-ministro interino do Paquistão reage ao incidente “alarmante”

Ao início da manhã o primeiro-ministro interino do Paquistão emitiu a primeira declaração sobre o incidente “alarmante” na região montanhosa de Battagram. Anwaar ul Haq Kakar instruia as autoridades a “garantirem um resgate com urgência” para retirar os oito passageiros a bordo e, como medida para prevenir novos acidentes, ordenava que se fizessem inspeções em todos os teleféricos privados para garantir a segurança dos seus utilizadores.

10h30: dois helicópteros da Força Aérea envolvidos nas operações de resgate

As autoridades mobilizaram vários helicópteros da Força Aérea paquistanesa para as operações de resgate e, por esta altura, dois já se encontravam no local, segundo noticiou a imprensa internacional. O canal de notícias GeoNews avançava que um militar já tinha descido até à cabine do teleférico — como mostram vários vídeos captados perto do local — para tentar passar algumas instruções aos passageiros, mas acabou por ser forçado a retirar-se devido aos fortes ventos na região e que dificultaram as operações de resgate.

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10h58: o primeiro contacto com um passageiro

“Por amor de Deus, ajudem-nos!” O pedido chegou a meio da manhã pela voz de um dos passageiros presos a bordo do teleférico. Através do telemóvel, Gulfraz, um jovem de 20 anos, confirmou ao GeoNews que seguiam na cabine oito pessoas, incluindo um estudante de 16 anos com uma doença cardíaca que desmaiara e estava inconsciente há cerca de três horas. “As pessoas da nossa zona estão aqui a chorar”, acrescentou.

Com o passar das horas, ia-se juntando uma multidão de residentes, que acompanhava ansiosamente a evolução do resgate.

12h10: os familiares das crianças apelam a um resgate rápido

A cena é de completo caos. A descrição é de um polícia que testemunhava as operações de resgate em Battagram, numa altura em que os pais das crianças presas no teleférico já se encontram no local. À BBC, Muhammad Amjad revelava que as autoridades continuavam a reforçar os meios de resgate e que já eram quatro os helicópteros envolvidos.

O oficial confirmava ainda que tinha sido mobilizada uma equipa de mecânicos, que procuram alternativas ao resgate e começaram de imediato os trabalhos de reparação do teleférico, usado há vários anos pelos residentes. No local, os familiares, alguns em lágrimas, apelavam a um resgate rápido.

Até por volta do meio dia já tinham sido feitas pelo menos duas tentativas para, através de um corda, descer até à cabine do teleférico, ainda sem sucesso, segundo revelou o comissário Jawad Hussain. O vento assumia-se como um dos principais obstáculos numa operação complicada pelo risco de os helicópteros destabilizarem ainda mais a sustentação da cabine.

13h36: em busca de alternativas para o resgate

Um oficial no local do acidente revelava à BBC que, face às dificuldades da operação, estavam a trabalhar numa solução de resgate alternativa. O plano passava por colocar uma nova corda em ambos os lados do teleférico como contingência caso o exército não conseguisse libertar os passageiros a partir dos helicópteros.

Os resgates aéreos não são tarefa fácil, sublinhou à Geo News Tipu Sultan, um militar reformado do exército paquistanês e especialista em defesa. Trata-se de uma operação extremamente arriscada, começou por explicar, acrescentando que o helicóptero tem de pairar a altura certa em cima do teleférico enquanto um militar faz a descida. O desafio, explica, é conseguir chegar às crianças num ângulo que não faça o teleférico virar e coloque os outros passageiros em risco.

14h44: a confirmação do primeiro e segundo resgate e no espaço de minutos

Depois de várias horas de operações, várias fontes confirmaram à BBC que uma primeira das sete crianças tinha sido resgatada e encontrava-se em segurança. No espaço de quatro minutos somava-se uma nova história de sucesso e Muhammad Amjad avançava que uma outra criança tinha sido retirada da cabine do teleférico, ambas com o apoio dos helicópteros da Força Aérea.

Por essa altura já estavam em prontidão médicos no heliporto onde os helicópteros de resgate aterraram, que garantiram que as crianças estavam estáveis. Faltava ainda retirar várias pessoas do teleférico, numa contagem contra o tempo.

15h52: quatro crianças das sete em segurança

Passaria mais de uma hora até que fossem confirmados mais resgates. A notícia de que mais duas crianças tinham sido retiradas em segurança chegaria pela voz de Faisal Karim Kundi, secretário central de informação do Partido Popular do Paquistão, em declarações à BBC News.

16h00: resgate aéreo cancelado com o cair da noite

Se em Portugal ainda restavam muitas horas de luz, no Paquistão as autoridades eram obrigadas a cancelar as operações de resgate aéreos devido às condições adversas, sobretudo pela força do vento aliada à falta de visibilidade ao cair da noite. Foram instaladas luzes de inundação e a operação continuou a decorrer a partir do solo. Ao final da noite os resgates viriam a ser conduzidos através de zip line.

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17h59: cinco crianças resgatadas

Com o cair da noite e os resgates aéreos cancelados, as autoridades trouxeram de helicóptero para o local operadores de cabos de uma empresa privada da região de Naran para prosseguir o resgate. Pouco antes das 18h uma outra criança tinha sido resgatada, restando apenas três pessoas na cabine.

Um vídeo partilhado por uma agência de salvamentos (e citado pela Reuters) mostra que a população também coloborou nos resgates. É possível ver uma série de pessoas lado a lado junto à borda de uma ravina, a puxar o cabo até que um rapaz, preso por um arnês chega a segurança. “Deus é grande”, ouviram-se dizer os locais.

19h00: três últimos passageiros resgatados e o fim das operações

Se o período até ao primeiro resgate foi o mais demorado, os últimos sucederam-se com maior rapidez e foram noticiados em cada vez menos tempo. Perto das 19h o Ministério do Interior do Paquistão confirmou que os restantes passageiros tinham sido retirados e as operações de resgate concluídas.

O primeiro-ministro interino do Paquistão, que durante todo o dia foi partilhando novas atualizações através da conta na rede social X (antigo Twitter), mostrava-se “aliviado” com o sucesso das operações. “Um excelente trabalho de equipa dos militares, dos departamentos de resgate, da administração distrital, bem como da população local”, destacou.

Ao final do dia o exército paquistanês destacava a dificuldades do resgate. Num comunicado descrevia a operação como “única” e “sem precedentes”.