Além de uma trapalhada, a ordem dos deputados na vacinação tem sido uma verdadeira equação. Começaram por ser 50, passaram a 38, depois a 36 (14+22) e já vão em 35 (14+21). Com a polémica a aumentar, a lista de deputados que se disponibilizam a tomar a vacina numa fase prioritária (a 2ª fase) foi minguando. Em 72 horas, a lista de 50 nomes que Ferro Rodrigues enviou a António Costa é contestada pelo PSD, com os sociais-democratas a pedirem mesmo a anulação total da lista.

A história completa, que se segue, tem quatro dias e quatro noites. Mas não vai parar por aqui.

Quinta-feira, 28. Ferro define critério e coloca prazo para recusa

Tudo começou quando a 26 de janeiro o primeiro-ministro publicou um despacho em que definia as regras que os políticos podiam ser vacinados já na 2ª fase de vacinação do plano. Nesse mesmo dia António Costa enviou uma carta a Eduardo Ferro Rodrigues — bem como a outros órgãos do Estado — para que indicasse que deputados deviam ser incluídos nesta fase de vacinação.

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Solicitar a Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República a prioridade de vacinação dos Deputados à Assembleia da República, bem como dos funcionários da A.R. que sejam essenciais ao seu funcionamento“, podia ler-se na carta enviada por Costa a Ferro Rodrigues.

O presidente da AR fez depois disso chegar a solicitação por carta para todos os grupos parlamentares, deputados únicos e deputadas não-inscritas para “ponderação” de qual deveria ser o método de escolha. No dia 28, Ferro Rodrigues levantou a questão na Conferência de Líderes, onde esteve presente, como habitual, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro. Nesse dia, o presidente da AR decidiu que iria indicar na primeira lista os deputados que exercem funções na organização interna do Parlamento que permitem garantir o regular funcionamento da Assembleia da República. Avançou então com Mesa da AR, Conselho de Administração, presidentes de comissões e membros da comissão permanente.

Ferro Rodrigues estabelece então um prazo para os grupos parlamentares e/ou os deputados comunicarem caso não pretendam ir na lista. Teria de ser entregue na sexta-feira, 29, até ao final do plenário.

Sexta-feira, 29. Ferro envia lista com 50 nomes para Costa

Respondendo ao repto de Ferro Rodrigues, foram vários os partidos que enviaram uma carta ao gabinete do presidente da Assembleia da República. Bloco de Esquerda, PCP, CDS, PAN, Chega, IL e Cristina Rodrigues não só comunicaram ao presidente da Assembleia da República como publicamente deram conta da sua posição.

O CDS indicou apenas o membro na Comissão Permanente (Telmo Correia), admitindo ter um substituto (que não foi na lista), o PCP indicou apenas dois membros da Mesa (o vice-presidente, António Filipe, e a secretária da Mesa, Ana Mesquita), enquanto os deputados de BE, PAN, Chega e IL (Cotrim Figueiredo foi o primeiro, logo a 26) fizeram chegar ao longo da semana a Ferro Rodrigues a indicação de que não queriam ser vacinados nesta fase. O mesmo fez o vice-presidente da AR e deputado do PSD, Fernando Negrão, que fez chegar diretamente a Ferro Rodrigues a recusa em tomar a vacina.

Depois de uma reunião da bancada parlamentar em que o assunto foi debatido, o PSD pediu a todos os deputados sociais-democratas já ao final da noite de quinta-feira que dessem conta a da sua posição à direção do Grupo Parlamentar. O email deveria ser enviado à secretária do presidente do grupo (Fátima Samouqueiro) até às 10h00 de sexta-feira. Apesar de ter pedido a opinião a cada um dos deputados, o PSD não enviou a lista dos deputados que recusaram a Ferro Rodrigues. O líder parlamentar Adão Silva garante que às 17h00 desse dia informou Ferro Rodrigues que não estava em condições de enviar a lista.

O Observador tentou uma resposta do grupo parlamentar do PS nesse dia, mas não foi possível obter uma resposta. Sabe-se agora que o PS não enviou qualquer indicação na sexta-feira para Ferro Rodrigues.

Perante nenhuma indicação em contrário de PS e PSD — ao contrário do que aconteceu com os outros seis partidos — Ferro Rodrigues decidiu avançar com a lista de membros dos principais órgãos da AR, com as principais. Então enviou uma carta para António Costa com os 50 nomes considerados prioritários pela Assembleia da República.

A carta foi noticiada minutos depois de ter sido enviada ao primeiro-ministro pelo Observador.

[Recorde aqui quais são os 50 nomes incluídos na lista enviada por Costa a Ferro:]

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Quem são os deputados que vão tomar a vacina? A trapalhada dos 50 que vão ser só 38

Sábado, 30. Doze deputados do PSD, indignados, saltam fora

Depois de ter sido publicada a lista vários deputados — onde se incluía o vice-presidente do PSD, André Coelho Lima, o presidente dos TSD, Pedro Roque, o antigo líder parlamentar, Luís Marques Guedes, ou a vice-presidente da bancada Clara Marques Mendes — começaram a contactar o Observador para informar que os nomes estavam na lista contra a respetiva vontade.

Na manhã de sábado o PSD envia um comunicado a dizer que havia um erro na lista que Ferro Rodrigues enviou a António Costa e que um total de 12 deputados iam, afinal, saltar da lista. Um deles era Rui Rio. Mas havia mais 11 na mesma situação: Adão Silva, Luís Marques Guedes, Firmino Marques, Pedro Roque, Paulo Rios de Oliveira, José Silvano, Helga Correia, Afonso Oliveira, André Coelho Lima, Clara Marques Mendes, Isaura Morais.

Rio e 11 deputados retirados da lista inicial de vacinação. Ferro Rodrigues culpa PSD

Assim, apenas sete deputados do PSD estariam disponíveis a tomar a vacina nesta fase: António Maló de Abreu, António Topa, Carlos Peixoto, Duarte Pacheco, Isabel Meirelles, Lina Lopes, Fernando Ruas.

Nesse dia, Adão Silva dizia ao Observador que ia pedir a “retificação” da lista a Ferro Rodrigues. Já o gabinete do presidente da Assembleia da República deixava sinais de que não ia enviar nova lista e apontava o dedo ao grupo parlamentar do PSD, dizendo que o partido foi “avisado várias vezes” que deveria enviar a lista. O que não fez.

Domingo, 31. PS pede prioridade para dois, mas mantém 24 nesta fase

No domingo, foi a vez de a líder parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, contribuir para a confusão e trapalhada das vacinas. Em carta enviada a Ferro Rodrigues, à qual a Lusa teve acesso, escreve que apenas o presidente e vice-presidentes “devem constar do grupo a ser vacinado de imediato, como primeira prioridade na Assembleia da República, evoluindo-se para os restantes grupos nas semanas e meses seguintes, de forma articulada com o ritmo do plano nacional e como já resultava do pedido do primeiro-ministro”. Isto significa que, eleitos do PS, Ferro Rodrigues (presidente da AR) e Edite Estrela (vice-presidente da AR) deviam ser prioritários.

Ficava então uma dúvida: isso significa que os restantes 24 deputados esperam pela vez como os restantes cidadãos? É isso que dá a entender a frase de Ana Catarina Mendes quando fala “nas semanas e meses seguintes”. Mas, na mesma notícia da Agência Lusa, o que a líder parlamentar queira dizer é que esses outros 24 deputados do PS só seriam, no entender da líder parlamentar vacinados no final de março. Ou seja: ainda nesta fase de vacinação e não como cidadãos comuns.

E isso significa que vão ser? Não propriamente. Essa decisão é depois da task force e não de Ana Catarina Mendes. À líder parlamentar do PS compete-lhe apenas indicar que deputados recusavam integrar a lista prioritária de vacinação e não a ordem ou a calendarização. Perante esta situação, apenas os deputados Marcos Perestrello e Sérgio Sousa Pinto informaram o presidente da AR que não queriam tomar a vacina. Nenhum dos outros do PS o fez, pelo que serão vacinados nesta fase da vacinação e continuam a constar da lista. Quando serão vacinados, é algo que Ana Catarina Mendes não controla.

Segunda-feira, 1. PSD pede anulação, Ferro não muda lista

Ferro Rodrigues recusa-se a mudar a lista, uma vez que ela já seguiu para o primeiro-ministro e os deputados que não quiserem, basta que o recusem na altura. Na sequência desta posição, o líder parlamentar do PSD, Adão Silva, envia um ofício ao presidente da Assembleia da República a pedir a anulação da lista de deputados enviada ao primeiro-ministro e a elaboração de uma nova lista que siga um princípio “minimalista”.

PSD pede anulação de lista de deputados prioritários na vacina enviada na carta de Ferro a Costa

Contactado pelo Observador, o gabinete de Ferro Rodrigues mantém a intenção de não fazer qualquer alteração à lista. Depois de Marcos Perestrello e Sérgio Sousa Pinto, a mais nova deputada da lista (Maria Begonha, 32 anos, ex-líder da JS), já muito criticada nas redes sociais, comunica publicamente que não irá tomar a vacina.

Depois de o PSD ter escrito no ofício enviado a Ferro Rodrigues que “sabe-se agora que também o Grupo Parlamentar do PS discorda da lista enviada”, Ana Catarina Mendes saiu em defesa de Ferro Rodrigues para dizer que o presidente da AR “pediu um voto de confiança a todos os grupos parlamentares na conferência de líderes e todos o deram”. E acrescenta que “o Grupo Parlamentar do PS aceitou os critérios de funcionamento do parlamento e apenas priorizou os deputados a vacinar nesta primeira fase dentro dos critérios do presidente da Assembleia da República.”

Segunda, 1. Início da noite. Contas (até ao momento)

Os 50 de sexta-feira passaram a 38 no sábado. No domingo, os 38 passaram a 36 (sendo que destes 36, 14 iriam tomar já e 22 disponibilizavam-se a tomar nesta fase, mas mais tarde). Na segunda feira, os 36 passam a 35. Destes 35, há 21 que se disponibilizam a tomar só no final de março.

Se se considerar que os sete deputados do PSD que não se retiraram concordam com o ofício enviado pelo líder parlamentar, os 35 passam imediatamente a 28. A redução não deve, por isso, parar por aqui.