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Badiucao (nome artístico) decidiu revelar o rosto em 2019, depois de as autoridades chinesas descobrirem a sua identidade
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Badiucao (nome artístico) decidiu revelar o rosto em 2019, depois de as autoridades chinesas descobrirem a sua identidade

BRESCIAMUSEI

Badiucao (nome artístico) decidiu revelar o rosto em 2019, depois de as autoridades chinesas descobrirem a sua identidade

BRESCIAMUSEI

Badiucao. “A diferença entre mim e o Banksy é que ele não está preocupado com a polícia de segurança nacional”

Apesar das ameaças por parte da China, a cidade italiana de Brescia decidiu avançar com uma exposição do artista chinês Badiucao, que tem sido descrito como o Banksy chinês.

A notícia era má, mas acabou por ser uma agradável surpresa. O artista chinês Badiucao preparava-se para inaugurar a sua primeira exposição na Europa, na cidade italiana de Brescia, quando o museu e a câmara municipal receberam uma carta da embaixada da China em Roma. A missiva pedia o cancelamento da exposição, alegando que o trabalho de Badiucao estava “repleto de mentiras anti-China” que “prejudicam a relação de amizade entre a China e a Itália”.

Mas, ao contrário do que tinha acontecido em episódios anteriores — Badiucao teve exposições canceladas em Hong Kong e em vários pontos da Austrália, por intervenção de Pequim —, o Museu de Santa Giulia decidiu avançar com o evento.

“China Is (Not) Near” (“A China (Não) Está Perto”, tradução livre) abriu portas no passado dia 13 e prolonga-se até fevereiro de 2022. É a primeira exposição a solo do artista de 35 anos, que ficou conhecido como o Banksy chinês.

“Os meus familiares foram levados para a esquadra e interrogados. Depois, uma mensagem ameaçadora foi-me reenviada pela minha família na China”

Quando é que percebeu que a embaixada da China em Itália estava insatisfeita com a exposição? O que é que aconteceu?
No dia 14 do mês passado foi a primeira vez que enviaram uma carta ameaçadora. A embaixada chinesa enviou uma carta ao governo de Brescia, ao presidente da Câmara e ao museu a exigir que cancelassem a minha exposição. A carta também foi enviada a muitos dirigentes governamentais italianos responsáveis pelo programa de intercâmbio cultural. A carta é bastante intimidatória e agressiva. Ao invés de expressarem as suas preocupações, ordenaram ao governo local (italiano) que cancelasse a exposição. Chamaram-me mentiroso, a típica campanha difamatória, palavras de assédio. Foi o que aconteceu logo no início.

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Os líderes chineses são os principais alvos nos trabalhos de Badiucao

Ficou surpreendido?
Não, de todo. Aconteceu quase sempre quando tive exposições, e normalmente conseguem o que querem, o que significa que a minha exposição é cancelada. Em Hong Kong, em 2018, e em muitos sítios na Austrália, o local ou as pessoas que me iam acolher tiveram de suspender a colaboração. Pessoalmente, sei que isto vai acontecer, porque já aconteceu tantas vezes. Escolho não comprometer a qualidade e a mensagem da minha arte, mesmo que o preço seja não poder mostrar o meu trabalho. Mas prefiro ter integridade no meu trabalho do que comprometer-me para ter uma oportunidade.

"Em 2018 ia ter a minha primeira exposição a solo, em Hong Kong. Três dias antes da inauguração a minha família foi contactada pela polícia de segurança nacional, na China. Foram ameaçados. Basicamente os meus familiares foram levados para a esquadra, foram interrogados."

Como é que essas interferências aconteceram no passado?
Em 2018, ia ter a minha primeira exposição a solo, em Hong Kong. Três dias antes da inauguração a minha família foi contactada pela polícia de segurança nacional, na China. Foram ameaçados. Basicamente, os meus familiares foram levados para a esquadra e interrogados. Depois, uma mensagem ameaçadora foi-me reenviada pela minha família na China, a dizer que a exposição tinha de ser cancelada ou haveria consequências, não haveria clemência para mim e para a minha família. Também ameaçaram enviar polícia para Hong Kong. Tornou-se um enorme risco e perigo para as pessoas que me estavam a ajudar em Hong Kong. Por este motivo, a exposição foi, infelizmente, cancelada em 2018.

O artista de 35 anos manteve a identidade oculta até 2019

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Hong Kong teve um lugar de destaque no seu trabalho. Ainda é possível para si ter alguma atividade artística em Hong Kong?
Agora é quase impossível fazer seja o que for em Hong Kong, por causa da lei de segurança nacional. Mas não acho que as pessoas de Hong Kong desistiram. Mesmo que muitas tenham sido obrigadas a deixar Hong Kong por motivos de segurança, o espírito de Hong Kong nunca morre. As pessoas que estão agora no exterior continuam a lutar pela democracia e liberdade de Hong Kong. Esta luta mudou de espaço, mas não chegou ao fim.

"Já vivo na Austrália há muito tempo, mas não há uma única galeria ou instituição financiada com dinheiros públicos que tenha a coragem e integridade de organizar uma exposição ou mostrar a minha arte."

Não vive na China, pois não?
Não, eu vivo na Austrália, e na verdade a censura foi atrás de mim na Austrália. Já lá vivo há muito tempo, mas não há uma única galeria ou instituição financiada com dinheiros públicos que tenha a coragem e integridade de organizar uma exposição ou mostrar a minha arte. Tive experiências de censura direta de galerias, acontece quando descobrem que a minha arte faz críticas duras ao governo chinês. O meu trabalho já foi retirado de uma exposição conjunta em Sidney, numa galeria chamada M2. Passei por situações de censura ou recusa de colaborações por parte da NGV, que é a galeria nacional (do estado) de Victoria, que rejeitou um evento, um diálogo artístico com Denise Ho, que é uma cantora e ativista famosa ligada ao movimento pró-democracia de Hong Kong. Acontece bastante.

“Mais instituições ou governos silenciam-se ou censuram-se, ao invés de celebrarem valores importantes”

Como é que esta exposição em Itália aconteceu?
Em Brescia, eles têm um Festival da Paz e um dos eventos deste festival é uma exposição de artistas ligados aos direitos humanos, ou de arte que promove a justiça. No ano passado, o curador escolheu-me, a mim e a outros artistas, mas tivemos de adiar a exposição devido à Covid-19. Ficou adiado para este ano.

"A Itália é um país com uma cultura tão rica e que aprecia tanto a arte que o que o governo chinês tentou fazer ofende aqueles que amam arte."

Ficou surpreendido com a decisão do museu de manter a exposição, tendo em conta as suas experiências anteriores? Acha que a Europa está preparada para este tipo de interferência?
Acho que é extraordinário que o governo e o museu defendam estes valores tão importantes, que apoiem a liberdade de expressão e defendam os artistas que escolheram. A Itália é um país com uma cultura tão rica e que aprecia tanto a arte, que o que o governo chinês tentou fazer ofende aqueles que amam arte. É por isso que sou tão protegido e apoiado pelo governo local (de Brescia), pelo museu e galeria. Acho que é assim que devemos tratar bullies como a China, seja na Europa ou em qualquer país que valoriza a democracia e a liberdade. Mas infelizmente é algo raro. De acordo com experiências passadas, mais instituições ou governos silenciam-se ou censuram-se, ou deixam de colaborar comigo, ao invés de celebrarem valores importantes.

O seu trabalho é muito marcado pela crítica ao regime chinês. Que peças poderiam ser problemáticas para o governo?
Qualquer expressão independente e livre vai ser vista como problemática ou controversa pelo governo chinês. As pessoas conhecem-me normalmente pelos cartoons políticos, porque a minha única plataforma costumava ser as redes sociais, era a única forma de mostrar o meu trabalho sem ser censurado. Mas tenho muitos outros trabalhos, incluindo pinturas, instalações, arte performativa, vídeo-arte, que implicam espaços próprios para expor. Acho ingénuo dizer que há arte política e não política. Os seres humanos são animais sociais e todo o trabalho do ser humano é político, independentemente de o querermos reconhecer ou não. Nesse sentido, o meu não é diferente do de toda a gente. A única diferença é que eu nasci na China e sou inspirado pelas tragédias e lutas individuais da vida diária na China. O meu trabalho evoca essas questões. Mas na China, como a liberdade de expressão não é permitida, tudo o que venha do espaço criativo é visto como uma ameaça, mesmo estando eu a produzir arte normal.

Pintura que funde rostos do Presidente chinês, Xi Jinping, e da líder de Hong Kong, Carrie Lam

Que peças destacaria nesta exposição?
Algumas das peças mais importantes faziam parte da exposição que acabou por não acontecer em Hong Kong, em 2018. Uma das peças principais é um retrato que funde o Presidente chinês Xi Jinping e a líder de Hong Kong, Carrie Lam. A peça é apresentada como um tradicional retrato a óleo, com uma moldura muito cliché dourada, a imitar o gosto dos ditadores, como Kim Jong-un, Xi Jinping ou Trump. Há também os relógios pintados a sangue, que são inspirados nos relógios que o governo chinês ofereceu como recompensa aos soldados depois do massacre de Tiananmen, em 1989. Há outros trabalhos (sobre temas) mais atuais, como os Jogos Olímpicos, que vão acontecer na China em 2022: criei cartazes publicitários falsos, com muitas modalidades dos Jogos de Inverno, mas com ajustes no conteúdo que mostram como esses desportos são explorados pelo governo chinês para limpar os seus crimes contra a humanidade.

Relógios pintados a sangue são uma referência aos relógios oferecidos aos soldados que participaram no massacre de Tiananmen, em 1989

Também há peças sobre a pandemia.
Sim. Um trabalho importante sobre a Covid-19 consiste numa série de retratos que mostram o médico denunciante da Covid-19, o Dr. Li Wenliang, e retratos de pessoas que apoiaram o Dr. Li dentro da China, depois de ele morrer com Covid-19. Há também um registo escrito muito importante: durante o confinamento em Wuhan, a primeira cidade a ser atingida na China, consegui encontrar muitos residentes que me deram informação, numa altura em que a censura estava a reprimir ainda mais a liberdade de expressão das pessoas. Nessa altura deram-me um diário com o registo da vida de pessoas comuns em Wuhan. É um registo de pensamentos. A peça reproduz o conteúdo do diário, e podemos perceber que a chamada vitória da China a conter o vírus teve um preço, e esse preço foi pago pelas pessoas comuns, diariamente, com desespero, ansiedade e dificuldade.

Badiucao quer homenagear as "pessoas comuns muito corajosas" da China

“Ser artista é extremamente perigoso na China. O governo chinês continua a ser igual ao que era nos anos 1950”

Já disse que esta exposição não é apenas uma crítica ao governo da China, mas uma celebração do povo chinês. O que quer dizer com isso?
Acho que a minha arte sempre teve dois grandes temas. Primeiro, quero usá-la para mostrar a realidade da China ao meu público, mostrar o quão brutal o governo tem sido a tratar o seu próprio povo. Por outro lado, e se calhar o mais importante, quero celebrar os indivíduos chineses que lutam dentro da China. A peça com o Dr. Li é um apelo às pessoas comuns, porque temos pessoas comuns muito corajosas. Não são heróis, não se veem como dissidentes. Mas, por agirem com consciência e dizerem a verdade, são sujeitos a perseguição. Essas pessoas não devem ser esquecidas.

Acha que este incidente com a embaixada da China em Itália veio gerar mais interesse no seu trabalho? Tem vontade de fazer exposições noutros países europeus?
É a minha esperança. Gostava que esta exposição não fosse a única e que pudesse ser vista noutras cidades em Itália e noutros países. É assim que podemos comunicar com as pessoas e mostrar a realidade.

Cartazes publicitários falsos dos Jogos de Inverno servem para mostrar como o desporto é instrumentalizado pelo governo chinês

"Ser um artista independente atribui-te automaticamente outro título, o de dissidente."

Como é que começou a sua carreira e como é que sua arte tomou este rumo tão político?
Sempre quis ser artista, mas infelizmente quando se nasce num país autoritário como a China, ser artista é como um pecado. Ser um artista independente atribui-te automaticamente outro título, o de dissidente. Para mim é natural. Talvez tenha que ver com a minha família, os meus avós eram artistas, e foram realizadores numa fase muito inicial do cinema chinês. Arranjaram problemas com o governo chinês durante o movimento anti-intelectual de 1957, chamado “Campanha das Cem Flores”. O meu avô morreu durante esta campanha política. [Este contexto familiar] fez-me sentir confiante de que um dia poderia ter o potencial de ser artista, como a minha família. Mas também me alertou que ser artista é extremamente perigoso na China. Acho que a minha experiência mostra que o governo chinês continua a ser igual ao que era nos anos 1950 e continua a reprimir artistas como eu.

"Seria ótimo se eu me pudesse reinventar noutro país, na Europa. Certamente que Portugal seria um ótimo destino para mim."

Já trabalhou com Ai Weiwei, que agora vive em Portugal. Já pensou vir cá?
Em 2018, tive o privilégio de trabalhar com Ai Weiwei por um ano, foi uma experiência muito recompensadora. Na altura, ele tinha um estúdio em Berlim, mas sei que se mudou para Portugal. Tenho a certeza de que está a apreciar o sol no vosso país e a cultura acolhedora. Seria ótimo se eu me pudesse reinventar noutro país, na Europa. Certamente que Portugal seria um ótimo destino para mim.

"Badiucao não é nenhum herói, é só um tipo que começou a fazer arte nas redes sociais e que começou a ganhar algum público. Badiucao podia ser qualquer um, e o Badiucao é toda a gente."

Durante muito tempo, o seu nome e rosto eram secretos — o nome ainda é — e as pessoas chamavam-no de “Banksy chinês”. Imagino que não tenha sido apenas por motivos artísticos, mas também uma questão de segurança.
Claro. A diferença entre mim e o Banksy é que ele não está preocupado com a [possibilidade de a] polícia de segurança nacional no Reino Unido a ir a casa dele, ou dela, ou perseguir a sua família. Para mim, não foi uma escolha. Tive de me esconder desde o início. Mas infelizmente a minha identidade foi comprometida em 2018. A polícia chinesa descobriu quem eu era. Por isso decidi revelar o meu rosto, não quis que isso se tornasse uma coisa que o governo usasse para me controlar. Em relação ao nome, como já o uso há tanto tempo, as pessoas já me conhecem assim e decidi continuar a usar. Mas o que quero mesmo dizer ao público é: o Badiucao não é nenhum herói, é só um tipo que começou a fazer arte nas redes sociais e que começou a ganhar algum público. Badiucao podia ser qualquer um, e o Badiucao é toda a gente.

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