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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Clínica psiquiátrica de Caxias tem doentes a mais e médicos a menos. "Há reclusos perdidos nos vários estabelecimentos"

Clínica de Psiquiatria do Hospital Prisional de Caxias tem 61 doentes para 50 camas. Reclusos com doença mental são transferidos para alas não psiquiátricas por falta de vaga na clínica.

A Clínica de Psiquiatria e Saúde Mental que funciona dentro do Hospital Prisional de São João de Deus, em Caxias, tem 50 camas para internamento, mas, neste momento, estão ali 61 reclusos com problemas de saúde mental. A taxa de ocupação é, por isso, de 122%, mas o cenário de sobrelotação é uma realidade desde 2019, revelou ao Observador fonte ligada à clínica. Além disso, e apesar de receber mais reclusos do que o número de camas disponíveis, há também falta de psiquiatras: dos seis lugares que deveriam estar ocupados, trabalham na clínica apenas quatro psiquiatras. E é também o único serviço de psiquiatria do país que funciona sem diretor clínico.

A sobrelotação deste serviço coloca, logo à partida, vários problemas. Um deles é a transferência dos reclusos com doença mental para o edifício do hospital prisional – que é independente da clínica. Como não existem camas suficientes na clínica, alguns doentes têm de ser distribuídos por outras especialidades e os psiquiatras têm de se deslocar entre os dois edifícios para garantir que são prestados os cuidados adequados. “A clínica não estende. Os outros doentes estão distribuídos pelo hospital, na parte não psiquiátrica. Não fazemos a multiplicação das camas. Entrando alguém hoje, vai ocupar uma cama vaga num outro serviço não psiquiátrico”, descreveu fonte da clínica. “Estamos num ponto, e já estamos há tempo a mais, em que temos condenados [juntamente] com inimputáveis, com preventivos, tudo misturado, em serviços fora da psiquiatria.”

O problema, acrescenta ainda, é que os outros serviços, como o de Medicina Interna, “não têm condições” para receber pessoas com doença mental. E o exemplo dado é precisamente o incêndio que acabou por acontecer no ano passado, depois de um doente psiquiátrico ter pegado fogo a um colchão.

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A distribuição de doentes por outras instalações, por falta de capacidade da Clínica de Caxias, foi, aliás, confirmada ao Observador pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), que sublinhou, no entanto, que “estes doentes são, naturalmente, acompanhados pelos médicos e enfermeiros da área de especialidade da patologia de que padecem”. O Observador questionou ainda a DGRSP sobre quais as soluções que estarão previstas para resolver o problema, mas não obteve resposta a esta questão, tendo apenas sido referido que a situação dos doentes que ficam fora da clínica é provisória e temporária.

A falta de um diretor clínico também tem, aponta quem aqui trabalha, influência no problema da sobrelotação, já que atira para a direção-geral as decisões que deveriam ser assumidas pelo responsável pela parte clínica da instituição: situações como a transferência de doentes para outras unidades e avaliação da luz verde à entrada de novos reclusos estariam nas mãos do diretor-clínico. “Seria impensável algum responsável aceitar uma taxa de internamento acima dos 100%”, garante fonte da clínica.

“Existem reclusos com doença mental que estão perdidos nos vários estabelecimentos prisionais”

Há ainda outro problema relacionado com a sobrelotação da Clínica de Psiquiatria e Saúde Mental, que se cruza, aliás, com o aumento de inimputáveis e de internamentos preventivos desde 2019 – inimputáveis são pessoas que cometeram crimes e foram diagnosticadas com doença mental e, por isso, não podem ser condenadas, uma vez que lhes é retirada a componente da culpa, ficando sujeitas a uma medida de segurança, em vez de lhes ser aplicada uma pena de prisão; e um internamento preventivo acontece quando o juiz de instrução, ao aplicar as medidas de coação, decide que o arguido, por sofrer de doença mental, deve aguardar julgamento numa unidade que permita o seu tratamento.

De acordo com os dados fornecidos pela DGRSP, estão na clínica de Caxias 34 pessoas em internamento preventivo e 27 inimputáveis, num total de 61 reclusos com problemas de saúde mental para as 50 camas disponíveis. No entanto, como explicou fonte da clínica, este número não é fixo e vai variando. “No início de março, a taxa de ocupação andava pelos 145%, por exemplo.”

O número de doentes/reclusos começou a aumentar desde 2019, altura em que foi publicado um decreto que passou a atribuir às unidades de saúde integradas em meio prisional a competência exclusiva para fazer avaliações iniciais de inimputáveis e internamentos preventivos.

O número de internados começou a aumentar desde 2019, altura em que foi publicado um decreto que passou a atribuir às unidades de saúde integradas em meio prisional – que inclui a psiquiatria de Caxias e de Santa Cruz do Bispo – a competência exclusiva para fazer avaliações iniciais. Ou seja, a partir daquele ano, a clínica passou a receber mais inimputáveis e internamentos preventivos, a quem tem de ser feita uma análise das necessidades clínicas, sociais e de perigosidade, para depois poder ser integrado numa unidade de psiquiatria forense, fora do ambiente prisional. Existem três instituições no país com essas características: o Hospital Sobral Cid, em Coimbra, o Hospital Júlio de Matos, em Lisboa, e o Hospital de Magalhães Lemos, no Porto. “Mas normalmente estão também lotadas”, acrescenta a mesma fonte.

Com a clínica sobrelotada, os reclusos que se encontram nas prisões e que precisem de cuidados são encaminhados para o Serviço Nacional de Saúde como, aliás, decorre da lei e explicou a DGRSP: “Os reclusos são considerados, para todos os efeitos, utentes do SNS como o é qualquer outro cidadão. Daqui resulta que, naturalmente, os reclusos tenham direito e possam ser assistidos e internados em hospitais do SNS.”

Mas a preocupação de quem é responsável por tratar da saúde mental de quem chega à clínica de Caxias está também virada para os presos já condenados, que cumprem pena nas diversas prisões: “Existem reclusos com doença mental que estão perdidos nos vários estabelecimentos prisionais.” Isto, porque consideram que não há tempo para fazer prevenção e acompanhamento de quem está preso, tal como era feito antes de 2019.

“A clínica é vocacionada para prestar cuidados psiquiátricos aos reclusos – condenados ou preventivos. Não está previsto que seja uma clínica para inimputáveis, porque nem temos condições para tal”, refere fonte da Clínica de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital Prisional de São João de Deus

A funcionar desde o final da década de 1980, esta clínica foi criada depois da existência de vários casos de suicídio em meio prisional. Nessa altura, chegou-se à conclusão de que era necessário acompanhar o estado da saúde mental dos reclusos e foi construído o edifício da clínica de psiquiatria, explicou também um dos elementos do corpo clínico deste hospital. O decreto que determinou a criação da clínica referia então que o objetivo seria “assegurar a assistência clínica, em regimes ambulatório e de internamento, aos reclusos que apresentem distúrbios do foro psiquiátrico”, lê-se no documento. “A clínica é vocacionada para prestar cuidados psiquiátricos aos reclusos – condenados ou preventivos. Não está previsto que seja uma clínica para inimputáveis, porque nem temos condições para tal”, refere a mesma fonte. No entanto, a DGRSP assegura que o hospital de Caxias “tem valência psiquiátrica que permite o tratamento e o cumprimento de medida de segurança”.

Tribunal Europeu já alertou para condições de Caxias e Estado teve de pagar uma indemnização

Um dos casos que tornou evidente as consequências da sobrelotação da psiquiatria do Hospital Prisional de São João de Deus e, sobretudo, do internamento de inimputáveis em meio prisional ficou conhecido em janeiro deste ano, quando o Estado Português foi condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) a pagar 34 mil euros de indemnização a um recluso diagnosticado com esquizofrenia, que cumpriu parte da medida de segurança em Caxias.

O Governo ainda defendeu que foram garantidos todos os cuidados de saúde, mas o TEDH considerou que a detenção de um inimputável na ala psiquiátrica de uma prisão não segue os pressupostos da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

O antigo recluso avançou com uma queixa e o TEDH considerou que foram violados os artigos 3.º e 5.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que determinam, por exemplo, que a privação de liberdade de pessoas com perturbações mentais deve seguir as normas legais. A detenção deste homem “num estabelecimento prisional — inapropriado para uma pessoa com doença mental — sem cuidados adequados causou confusão e medo, em violação dos seus direitos”.

Portugal condenado a pagar 34 mil euros por detenção de doente esquizofrénico

Em 2021, este doente foi encaminhado para o Hospital Júlio de Matos, mas não foi aceite por falta de vagas e, por isso, foi para a clínica de Caxias, onde esteve cerca de meio ano. O Governo ainda defendeu que foram garantidos todos os cuidados de saúde, mas o TEDH considerou que a detenção de um inimputável na ala psiquiátrica de uma prisão não segue os pressupostos da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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