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Com Costa no poder, emprego no Estado subiu 11%. Que profissões ganharam e perderam mais?

Número de funcionários públicos subiu 11% com Costa, com a contratação a prazo a disparar 27%. Da saúde à educação e segurança, sindicatos dizem que, ainda assim, efetivos não são suficientes.

Mais funcionários públicos, à boleia da saúde (e da pandemia), mas mais contratos precários. Os dados da Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), recentemente divulgados, permitem traçar um retrato do impacto da governação de António Costa na função pública. E perceber onde está a ser criado e a ser destruído mais emprego no Estado.

A 31 de dezembro de 2021 (os dados mais recentes), havia 733.495 funcionários públicos, mais 5.710 (o equivalente a 0,8%) face a dez anos antes (dezembro de 2011), no início da crise. Com a troika, e as suas imposições de cortes na despesa, o número de trabalhadores do Estado acabaria por descer para um mínimo (da contabilização iniciada em 2011) de 647 mil em setembro de 2014. Desde então, entre oscilações, o valor tem recuperado e está no nível mais elevado da série, mas não muito acima do que se verificava em dezembro de 2011 (727 mil).

Desde o final de 2015, o início da primeira legislatura de António Costa, foram criados mais de 74 mil novos postos de trabalho no setor público. E o aumento do emprego fez-se, em parte, à custa do trabalho precário: enquanto o número de postos de trabalho aumentou em 74 mil, o de contratos a termo cresceu em 20 mil. De facto, o peso da contratação temporária subiu no total do emprego, passando de 10,8% para 12,4% no mesmo período. Ou, noutras contas, o número de contratos a prazo subiu, desde o final de 2015, cerca de 27%. Também a contratação por tempo indeterminado engrossou (10,5%), para mais de 546 mil.

Com António Costa como primeiro-ministro, as comissões de serviço (que incluem cargos de administração, direção, chefia e respetivos secretários pessoais, entre outros) cresceram 27,8%, para mais de 22 mil pessoas com estes vínculos. É o valor mais alto da série divulgada pela DGAEP. Estes cargos resultam de uma escolha política, pelo que, em muitos casos, existe um certo grau de confiança entre quem é selecionado e o Governo.

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Governo faz nomeações na Administração Pública a menos de um mês das eleições

Por outro lado, as nomeações — que incluem missões das forças armadas, representação externa do Estado, informações de segurança, investigação criminal, segurança pública, inspeção — desceram 2,7%.

Ao Observador, o Ministério da Administração Pública, tutelado por Alexandra Leitão, diz que, desde 2015, o Governo “deu prioridade” à “recuperação do emprego público” e a uma “mudança de perfil dos seus efetivos”, com apostas na “qualificação e captação da geração mais qualificada de sempre” e que adaptou “as suas necessidades aos tempos”. Quanto à contratação a prazo, justifica com a pandemia — e dá o exemplo da contratação de docentes para a substituição dos que se encontravam de baixa, e de profissionais de saúde devido ao “aumento excecional de serviço”.

Em termos absolutos, foi na carreira de técnico superior que o aumento do número de funcionários públicos foi mais notório: de 58.093 passaram a 75.243, um avanço de 29%. O ministério de Alexandra Leitão justifica parte desta evolução — e a que se verificou na carreira de assistente técnico, de mais 5.683 profissionais — com o “programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública, o chamado PREVPAP, tanto na administração central como na local”.

O programa permitiu a integração de trabalhadores a recibos verdes ou ex-estagiários na função pública (que não estavam incluídos nas estatísticas oficiais, passando a contar a partir do momento em que se tornaram efetivos).

Mais de 21 mil 'a recibos'

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A DGAEP revela também, anualmente, o número de trabalhadores que o Estado tem como prestadores de serviços (a recibos verdes). O relatório mais recente, de junho de 2021, mostrava que, no segundo semestre de 2020, havia 21.349 pessoas em regime de prestação de serviços no Estado — 12.851 correspondiam a contratos para determinadas tarefas e 8.498 a avenças. São menos 4.865 face ao mesmo período de 2019.

No caso da administração central, “o aumento do número de técnicos superiores verifica-se designadamente nas áreas governativas da Educação, do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior”. Fonte oficial deu apenas dois exemplos: educação e saúde. No caso da Educação, trata-se de “técnicos especializados no apoio educativo e atividades de enriquecimento curricular nos estabelecimentos de ensino básico e secundário”. Os dados mostram que, neste setor, o aumento de técnicos superiores foi de 6,3%, pouco expressivo se compararmos com o que aconteceu na Saúde (27,3%).

Ministério liderado por Alexandra Leitão justifica aumento da contratação a prazo com a pandemia

Nuno Pinto Fernandes

Segundo o ministério, na Saúde (com mais 1.175 técnicos superiores e mais 2.102 assistentes técnicos face a 2015), o aumento deveu-se “à necessidade de contratação de novos trabalhadores para dar resposta à pandemia” e ao “efeito de absorção de trabalhadores advindo da reversão das parcerias público privadas” em hospitais, onde ocorreu, não se especificando as funções destes técnicos superiores. O hospital de Braga passou para a esfera pública em 2019 e o de Vila Franca de Xira em 2021. A reversão de Loures só aconteceu já este ano, continuando o hospital de Cascais ainda em PPP.

Os dados mostram ainda, embora muito ligeiramente, alguns efeitos de uma descentralização de competências para as autarquias. O peso da administração local sobre o total do emprego subiu de 16,7% para 17,4%.

Mais 12 mil enfermeiros em seis anos. Contratação a prazo dispara com a pandemia

No bolo da administração central foi na saúde que o emprego mais cresceu em termos absolutos  — mais de 27 mil novos postos de trabalho. E foi na carreira dos enfermeiros que a diferença foi mais significativa: um crescimento de 28% (mais quase 12 mil), num total de 53.739. A esta evolução não terá sido alheia a pandemia e as suas contratações temporárias para a satisfação de necessidades imediatas, assim como a redução do horário de trabalho para as 35 horas semanais, iniciada em 2016. Em março de 2020, havia cerca de 49 mil enfermeiros, passando para os 52 mil no final desse ano. Um ano depois, em dezembro de 2021, o valor já estava nos 53 mil, o máximo da contabilização feita desde 2011 pela DGAEP.

A bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, diz ao Observador que o indicador, por si só, “não significa nada para nós”. E defende que há ainda muitas necessidades por satisfazer. A bastonária conta que, durante a pandemia, houve situações de hospitais, como o Hospital de Braga, “com uma gravíssima falta de enfermeiros”, e que mesmo assim se preparavam para dispensar funcionários “porque não podiam retê-los no quadro”. O processo acabou por ser travado pelo secretário de Estado Adjunto e da Saúde, António Sales, mas Ana Rita Cavaco critica que os quadros dos hospitais estejam “completamente desadequados em termos de número de vagas”.

Além disso, refere, a falta de profissionais sente-se pelo efeito da emigração. Nas contas da Ordem, entre 2015 e 2021, saíram do país cerca de 13.000 enfermeiros, mais do que no período da troika (9.000). Ana Rita Cavaco reconhece que houve alguma contratação no setor com a pandemia, mas considera que foi insuficiente. Segundo o relatório da OCDE Health at a Glance, que olha para o número de enfermeiros nos países da organização, em Portugal houve um aumento de 6,7 enfermeiros por mil habitantes no relatório de 2019 para 7,1 enfermeiros por mil habitantes em 2021 (a média da OCDE está nos 8,7).

“Portugal continua a ter uma gravíssima carência de enfermeiros, infelizmente. Logo em 2016, quando chegámos à Ordem, tínhamos proposto que se tivesse começado a contratar três mil enfermeiros por ano. No espaço de dez anos, em 2026, tínhamos o problema resolvido”, indica. Contratar esses três mil profissionais custaria, por ano, e de acordo com as contas da Ordem, cerca de 65 milhões de euros.

Além disso, nota, os indicadores publicados contabilizam como dois postos de trabalho funcionários em baixa, licença de parentalidade ou acidente de trabalho e o seu substituto (quando a ausência é inferior ou igual a seis meses), o que inflaciona os números.

Também na profissão subiu o peso da contratação a termo — e de forma expressiva: o aumento foi de 137%, para um total de quase 4.000 em dezembro de 2021. E foi mais significativo durante a pandemia. Ao Observador, o Ministério da Administração Pública aponta que, entre 2015 e 2021, “76,5% dos contratos a termo celebrados nesta área concentram-se nos anos de 2020 e 2021 e correspondem a necessidades temporárias que se verificaram no contexto de pandemia”.

O Ministério da Saúde aponta no mesmo sentido. Em resposta ao Observador, também argumenta que as necessidades da pandemia levaram a uma necessidade de “agilizar os mecanismos de recrutamento”. Em outubro de 2020, o Executivo criou um regime excecional que permitiu a alguns trabalhadores recrutados para o SNS (Serviço Nacional de Saúde), durante a pandemia, passarem a efetivos (no caso das entidades do setor público empresarial), sob autorização do Ministério da Saúde, ou candidatarem-se a concursos (no caso do setor público administrativo).

"Portugal continua a ter uma gravíssima carência de enfermeiros, infelizmente. Logo em 2016, quando chegámos à Ordem, tínhamos proposto que se tivesse começado a contratar três mil enfermeiros por ano. No espaço de dez anos, em 2026, tínhamos o problema resolvido."
Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros

Segundo a tutela, o regime permitiu a conversão para contratos de trabalho sem termo de 2.329 profissionais nos estabelecimentos de saúde EPE (entidade pública empresarial) e a autorização para preenchimento de 708 postos de trabalho com contrato de trabalho por tempo indeterminado nos estabelecimentos de saúde do setor público administrativo.

O ministério salienta ainda um despacho que autoriza a contratação de 2.296 contratos sem termo ou por tempo indeterminado no SNS, em que será “valorizada a experiência adquirida no combate à pandemia”. E a contratação sem termo de profissionais de saúde para as unidades de cuidados intensivos — 544 profissionais, dos quais 449 são enfermeiros.

Ana Rita Cavaco considera, porém, que os enfermeiros contratados durante a pandemia de forma temporária “nunca foram necessidades temporárias”. Se, em 2016, nas contas da Ordem, faltavam 30 mil enfermeiros no sistema de saúde (incluindo SNS, setor privado e social), a bastonária acredita que, apesar do aumento de efetivos, o número não é drasticamente diferente.

A bastonária critica que não tenham existido “políticas de retenção de enfermeiros”. “Muitos países da Europa aproveitaram para rever carreiras, salários — não estamos a falar de prémios, mas foram valorizados efetivamente do ponto de vista de carreiras. E muitos países também vão usar esse dinheiro do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para fazer investimento nos profissionais de saúde, sobretudo nos enfermeiros”, observa.

Os médicos também viram o número de profissionais subir (mais 5.409, ou seja, 20%) entre dezembro de 2015 e o mesmo mês de 2021, para um total de 32.152. Nesta carreira, a contratação a prazo, embora tenha subido, não aconteceu de forma tão significativa (perto de 19%).

A ministra da Saúde, Marta Temido, à chegada para a sua audição perante a Comissão sa Saúde, na Assembleia da República, em Lisboa, 24 de novembro de 2021. MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Ministério da Saúde, tutelado por Marta Temido, argumenta que as necessidades da pandemia levaram a uma necessidade de "agilizar os mecanismos de recrutamento"

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), também considera que o aumento do número de médicos não está a fazer-se notar. Até porque, sublinha, em 2020 foram feitas oito milhões de horas extraordinárias por médicos, uma subida influenciada pela pandemia. Mas já antes, em 2019, tinham sido prestadas seis milhões de horas suplementares.

O dirigente sindical argumenta ainda que, em prestação de serviços médicos, foram gastos cerca de 145 milhões de euros em 2021. Para cobrir essas oito milhões de horas extra e os 145 milhões de euros em prestação de serviços, seriam precisos, nas contas do sindicato, mais de quatro mil novos médicos. Roque da Cunha acrescenta que há mais utentes sem médico de família, o que leva a maiores necessidades de contratação.

“Posso dizer que, em 90% dos serviços de urgência do país, as equipas estão abaixo dos mínimos. Ainda recentemente denunciámos a situação de Faro, com o encerramento da urgência de obstetrícia. Precisava de 23 médicos, mas há dois meses havia 13 médicos. Dois reformaram-se, dois rescindiram e foi contratado um. Eram precisos 23 e estão 10.” Nas contas do sindicato, no país faltam cerca de 800 médicos de família e entre 2.500 a 3.000 médicos hospitalares.

Fecho de urgência de Obstetrícia no Algarve é “recorrente”, adverte sindicato

“Ao não se reconhecer um problema quando ele existe não se procuram as soluções. Sabemos que nos próximos três anos se vão reformar cerca de 1.400 médicos”, aponta. Acresce que “mais de metade dos concursos de especialistas ficam vazios”, adianta.

Roque da Cunha questiona ainda qual o regime de trabalho dos médicos contabilizados (em part-time ou full-time) pela DGAEP. “Temos um problema muitíssimo sério que só é agravado porque, não reconhecendo o problema, não apresentando soluções, naturalmente que as pessoas optam por alternativas, em vez de irem para um sítio onde têm de trabalhar centenas de horas, onde põem em risco a sua vida pessoal, social e familiar”, afirma.

A pandemia, reconhece, veio “criar uma pressão maior”, até porque “os médicos de família foram desviados da sua atividade nos centros de saúde”, para fazer rastreio de contactos de positivos, por exemplo.

O Ministério da Saúde, por sua vez, indica que “além das contratações decorrentes dos concursos simplificados de seleção que são desenvolvidos, duas vezes por ano”, foram contratados ainda, “mediante celebração de contrato de trabalho sem termo, 160 médicos especialistas em anestesiologia, cardiologia, doenças infeciosas, medicina interna, medicina intensiva, patologia clínica e pneumologia”.

"Temos um problema muitíssimo sério que só é agravado porque, não reconhecendo o problema, não apresentando soluções, naturalmente que as pessoas optam por alternativas, em vez de irem para um sítio onde têm de trabalhar centenas de horas, onde põem em risco a sua vida pessoal, social e familiar."
Jorge Roque da Cunha, líder do Sindicato Independente dos Médicos

Além disso, refere que a DGAEP agrega o número e de especialistas e internos — e os internos celebram um contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo incerto. “Assim, face à preocupação do Governo em aumentar as capacidades formativas, é natural que aumente, proporcionalmente, o número de médicos detentores de uma relação jurídica de emprego a termo resolutivo incerto”, conclui.

Forças de segurança perdem profissionais

A Polícia de Segurança Pública (PSP), tutelada pelo Ministério da Administração Interna, está entre as categorias profissionais que mais viram o emprego cair entre dezembro de 2015 e o mesmo mês de 2021 — menos 1.265 profissionais, para 20.141.

Paulo Jorge Santos, presidente da Associação Sindical dos Profissionais de Polícia da PSP (ASPP-PSP), diz que em muitas cidades do país — de Braga, ao Porto, Lisboa, Setúbal ou Faro — “não se consegue realizar um evento de maior envergadura sem que seja necessário cortar folgas e, muitas vezes, outras dispensas de serviço para que os eventos possam realizar-se”.

“Não temos um efetivo capaz, em termos de necessidades de números de pessoas, para dar resposta às realidades de cada comando do país”, diz, ao Observador. O sindicalista denuncia ainda que, com “vários anos de política de cortes que não permitiram a entrada suficiente de quadros” e “o decréscimo na formação”, estão a ser colocadas “barreiras” à pré-reforma (os pedidos têm sempre de ser aprovados pelos ministérios das Finanças e da Administração Pública, com aprovações que têm sido residuais). E isso tem levado a um envelhecimento do efetivo.

Além disso, refere, há polícias que estão a desempenhar funções “que, na nossa perspetiva, não são de polícia”, como o envio de notificações para os tribunais. “Não estou a criticar a existência destes serviços. Agora, face a este modelo de organização de trabalho e de gestão do efetivo, temos de perceber que se calhar os polícias que temos não são os suficientes para dar resposta a estas necessidades”, indica.

"Não se consegue realizar um evento de maior envergadura sem que seja necessário cortar folgas e, muitas vezes, outras dispensas de serviço para que os eventos possam realizar-se."
Paulo Jorge Santos, presidente da Associação Sindical dos Profissionais de Polícia da PSP (ASPP-PSP)

Paulo Santos também chama a atenção para a proporção de funcionários públicos de baixa que contam para os números. “Não adianta de nada dizer que temos cerca de 20.000 polícias na PSP, se depois, em termos efetivos, só temos de cerca de 17/18 mil. Temos que primeiro perceber o que é que queremos fazer, uma gestão lúcida e razoável da instituição, e depois perceber se é necessário acrescentar mais 1.000, 1.500, 2.000.”

Em menor grau, também a GNR perdeu efetivos (foram menos 309, num total de 22.472). O Observador questionou o Ministério da Administração Interna sobre a quebra do emprego nestas duas categorias, mas não obteve resposta.

Já o número de polícias municipais, tutelados pela administração local, aumentou em 488, para 1.625. Segundo a DGAEP, este valor inclui pessoal da carreira especial da PSP integrado na Polícia Municipal. E, no caso dos  bombeiros, também na esfera das autarquias, aumentaram os postos de trabalho em 701.

Numa análise entre dezembro de 2015 e dezembro de 2021, pode ver-se que em várias profissões tuteladas pelo Ministério da Justiça diminuiu o número de trabalhadores: por exemplo, oficial dos registos e do notariado (-388), oficial de justiça (-118), Polícia Judiciária (-102), conservador e notário (-66).

Ainda assim, no total do emprego tutelado pela Justiça, o número de postos de trabalho até aumentou (mais 148, para 15.022). Questionado, o Ministério da Justiça não respondeu às questões colocadas pelo Observador sobre estes números.

Número de professores ainda não recuperou do pré-crise financeira

Apesar da subida desde dezembro de 2015 — são mais 11.221 — o número de professores ainda não atingiu os níveis do pré-crise (ou início da crise) financeira, em 2011, antes dos cortes na despesa exigidos pela troika. Nessa altura, havia 151.170 pessoas categorizadas como “educador de infância e docente do ensino básico/secundário”, hoje são pouco mais de 140.000.

A contratação a prazo também tem um peso relevante na profissão (quase 19% do total), num aumento de 43% no final de 2021 face a seis anos antes. Um aumento “claramente significativo” para André Pestana, líder do Sindicato de Todos os Professores (STOP), que representa docentes do público e do privado. E que o Ministério da Administração Pública justifica com as necessidades temporárias da pandemia.

“Os números globais dos contratos a termo refletem, na sua maioria, os efeitos da pandemia em diversos setores. A título de exemplo, a contratação de docentes nos estabelecimentos de ensino básico e secundário para substituição de outros que se encontram de baixa, no caso da Educação, e que, portanto, não representam necessidades permanentes do sistema”, refere fonte oficial.

Para André Pestana, os números contrariam a “narrativa” que o Executivo “criou”. “Tivemos durante vários anos o Governo a dizer que iria diminuir e combater a precariedade no Estado — foi efetivamente um dos eixos que António Costa abraçou”, mas o que acontece, argumenta, é que o “número de professores e a necessidade das nossas crianças nas escolas claramente continua a não ser satisfeita”.

A falta de professores “começou há cerca de dois anos e tem vindo a aumentar”. Inicialmente, sentia-se sobretudo na zona de Lisboa, Setúbal e Algarve, mas “começa aos poucos a atingir outras áreas geográficas”. Segundo o Público, há ainda cerca de 30 mil alunos sem professores a, pelo menos, uma disciplina.

Mas como se pode explicar que, tendo aumentado o número de professores, subam também as queixas de falta de profissionais? André Pestana arrisca uma explicação: em 2016, com a redução do financiamento do Estado aos contratos de associação nos colégios privados — criados para que nenhum aluno ficasse sem acesso ao ensino por falta de oferta pública na sua zona — localizados próximos de escolas públicas, muitos alunos passaram para o ensino público. E os professores seguiram-nos, de forma a acompanhar a procura. Mas não foram suficientes.

A solução tem sido contratar trabalhadores sem formação em docência. “É como se alguém fosse fazer uma cirurgia sem terem especialidade de cirurgia. Não temos qualquer problema contra engenheiros que vão dar matemática. O que está em causa é que essas pessoas podem ter o conhecimento técnico”, mas não têm formação em docência, argumenta.

“A profissão docente está pouco apelativa, com muito trabalho burocrático, uma redução do poder de compra, com desgaste, indisciplina”, critica. Segundo dados da Fenprof, citados pelo Diário de Notícias, cerca de 10.000 pessoas terão abandonado a profissão em dez anos, entre aposentações, desistência da profissão e a redução do número de alunos nos cursos superiores de Educação.

Mas, na educação, foi na carreira do “pessoal de investigação científica” (não inclui bolseiros da FCT) que o emprego mais subiu, em termos percentuais: de 1.349 para 4.060, um aumento de 200%. Mas foi sobretudo à custa de contratos precários: dos 4.060 trabalhadores, 76% tem um contrato a termo.

Ao Observador, o Ministério do Ensino Superior refere que o aumento das contratações deriva de um novo regime jurídico de emprego científico aprovado em 2016, para a contratação de doutorados. “Desde 2016 consagrou-se uma nova visão sobre as relações laborais estabelecidas na comunidade científica, que assumiram o contrato de trabalho como o regime regra para a contratação de investigadores doutorados. Até 2017 os contratos de trabalho eram uma exceção e estava totalmente normalizada a atribuição de bolsas de pós-doutoramento”, lê-se, na resposta enviada ao Observador.

"A profissão docente está pouco apelativa, com muito trabalho burocrático, uma redução do poder de compra, com desgaste, indisciplina."
André Pestana, líder do Sindicato de Todos os Professores (STOP)

As estatísticas da DGAEP “passaram então a refletir os contratos entretanto firmados com investigadores ao abrigo de uma norma transitória fixada para a gradual transição das bolsas atribuídas até 2016 bem como aquelas contratadas no âmbito de projetos de duração limitada”.

Manuel Heitor

Ministério de Manuel Heitor assegura que legislação aprovada incentiva à contratação permanente, mas números na investigação científica mostram preponderância da contratação a termo

JOHN THYS / POOL/EPA

A legislação então aprovada prevê “estímulos” à contratação para os quadros. “O Programa de Estímulo ao Emprego Científico veio facilitar vínculos mais prolongados que os anteriores mecanismos de promoção de emprego científico em Portugal e consagrou um dos regimes contratuais mais longo a nível europeu para doutorados não integrados em carreiras. Isso é confirmado pelo Inquérito aos Doutorados 2020 (CDH), que envolve todos os doutorados residentes no país,  que revela que , em 2015, 63% dos contratos estabelecidos com investigadores eram permanentes e 37% eram estabelecidos a termo. Em 2020, o número de contratos permanentes aumentou para 68% e os contratos temporários representam 32%”, diz o ministério. Os dados da DGAEP para o total do emprego científico mostram, no entanto, uma realidade diferente.

Numa altura de digitalização, informáticos aumentam 7%

Entre as profissões que subiram menos no setor público estão os informáticos, numa altura em que o Governo tem mostrado a intenção de aumentar o investimento na digitalização da administração pública, até através do PRR. Em seis anos, o número subiu em 340 (mais 6,8%), para 5.277.

Questionado pelo Observador, o Ministério da Administração Pública diz que o avanço de 7% mostra uma “aposta contínua na valorização das qualificações e no rejuvenescimento dos mapas de pessoal em áreas estratégicas como a contratação de técnicos especialistas de informática”.

“Esta evolução necessita, no entanto, de ser contextualizada no quadro daquilo que é a contratação em outsourcing com empresas especializadas para projetos específicos e limitados no tempo, como é o caso do PRR, na medida em que o emprego público se deve centrar nas necessidades permanentes”, acrescenta fonte oficial.

De facto, a execução do PRR na digitalização da administração pública far-se-á, em Portugal, muito por via do outsourcingComo o Observador já escreveu, dos 578 milhões de euros da “bazuca” que têm como destino digitalizar a administração pública, 140 milhões vão para contratos de consultoria externa.

PRR. Quase 1 em cada 4 euros gastos na digitalização da administração pública vai para contratos de consultoria externa

Forças Armadas viram o emprego descer mais, mas tutela diz que quebra não foi tão grande

Das 28 profissões elencadas pela DGAEP, nove perderam profissionais. A categoria das forças armadas foi a que mais viu o número de postos de trabalho cair (menos 3.048 trabalhadores, para um total de 26.130). Ao Observador, o ministério de João Gomes Cravinho diz que a contabilização da DGAEP é diferente dos dados oficiais da tutela porque tem em conta “universos distintos”.

O ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho

Ministério da Defesa, liderado por João Gomes Cravinho, diz que, entre 2012 e 2015, houve uma redução "programada e propositada" dos efetivos

Mas também dá conta de uma redução, embora não tão pronunciada (de 1.355) — uma contabilização que inclui militares no quadro permanente ativo, militares na reserva em efetividade de serviço e em formação (não estão contabilizados os militares na situação de reserva fora da efetividade de serviço).

“No caso da DGAEP, os dados estão organizados por carreiras, ou seja, militares colocados fora da estrutura orgânica das Forças Armadas e que exerçam funções que também podem ser exercidas por civis (por exemplo, cargos dirigentes, postos de técnicos superiores, etc.), poderão não ser considerados “militares”, em termos de posto de trabalho”, indica.

O ministério acrescenta que, entre 2012 e 2015, houve uma redução “programada e propositada” dos efetivos, “que assentava, essencialmente, na redução (e em alguns casos anulação) das admissões”. Isso fez com que “se num ano não se registam admissões e há uma saída (natural) de mais de dois mil efetivos, será consequência necessária que se verifique uma redução de efetivos”.

“Tendo esta estratégia sido mantida durante três anos consecutivos (2013, 2014 e 2015), gerou-se um desequilíbrio do sistema. Nesse sentido, o que ocorreu nos anos imediatamente seguintes a 2015 foi, obviamente, um reflexo das medidas adotadas nesse período”, adianta, garantindo que 2020 e 2021 foram anos que contrariaram o decréscimo de profissionais.

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