“Vêm aí os presidentes”. Só estava previsto que chegasse a Castelo de Vide, para participar na Universidade de Verão do PSD, um Presidente: o da República, Marcelo Rebelo de Sousa, para falar aos jovens exclusivamente sobre a Ucrânia. Mas, minutos antes de aparecer, chegou um segundo líder: o do PSD, Luís Montenegro, que fez a viagem de Lisboa de propósito para receber Marcelo — tornando assim inevitável que se fizessem leituras políticas sobre a participação do Chefe de Estado, pela primeira vez em pessoa desde que está em Belém, no evento dos jovens sociais democratas.

Eram essas leituras extra — fora o facto de estar presencialmente no evento do PSD, pela primeira vez desde que está em Belém — que Marcelo quis evitar alimentar ativamente em demasia, contendo-se para contornar as perguntas dos alunos sobre política nacional. Fê-lo uma vez, recusando liminarmente responder a uma pergunta sobre o tema que gerou a mais recente tensão com o Governo — as medidas para resolver a crise da Habitação. E ainda outra, numa questão que metia Forças Armadas.

Mas à terceira foi de vez, e à pergunta pouco cuidadosamente embrulhada numa analogia sobre a política ucraniana (que imaginava Marcelo como Zelensky, Costa como primeiro-ministro ucraniano e Montenegro como seu opositor para finalmente perguntar qual seria o legado deixado pelo Presidente no fim do mandato) lá admitiu responder. Se não sobre o Governo ou sobre um eventual apoio a Montenegro, pelo menos sobre si próprio.

“Essa pergunta é facílima de responder, não é preciso imaginar”, atirou Marcelo. E partiu para a análise do seu legado, numa altura em que, apesar de ainda ter mais de dois anos de mandato pela frente, o assunto da sua sucessão já agita a política nacional — assim como a própria Universidade de Verão do PSD.

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O aviso de Portas à direita: “Prioridade é construir alternativa a Costa, não encontrar sucessor para Marcelo”

“Provavelmente, o que deixo é ter sido um Presidente de proximidade”, observou. E elaborou sobre uma tese que defende há muito, sobretudo em resposta a quem o acusa de falar e aparecer demais: “No momento em que o grande problema dos políticos e da política é a descolagem das pessoas em todo o mundo, [o meu legado] é ter feito tudo o que era possível para responder a essa desvinculação e ter procurado a proximidade em todas as circunstâncias”.

Às vezes com riscos, admitiu o Presidente, “como seja o de estar junto das pessoas, estar-se em competição com forças ditas populistas, e portanto uma concorrência não querida, desejável ou desejada“. É a teoria que sempre sustentou o estilo de Marcelo: os espaços vazios, em política, ocupam-se, e portanto é melhor que esse papel seja desempenhado pelo populista “bom”, o próprio Marcelo, tentando estancar o ressentimento das pessoas que sentem os políticos distantes, do que entregar esse espaço aos que considera populistas “maus”.

Por isso é que Marcelo faz tudo para “tentar aparecer primeiro”, seja num cenário de incêndio, num acidente ou na sequência de um “problema na administração pública”, justificou. E será essa a prioridade até sair de Belém, em 2026: “Se conseguir chegar ao fim do mandato tendo preenchido esse objetivo, posso não ter preenchido outros mas esse está”.

Com um recado dirigido ao senhor ou senhora que se seguir: “Espero que os meus sucessores esse [traço] não percam, e no que falhei façam melhor que eu”. Aplausos: os alunos pareceram concordar e, pondo a teoria em prática, Marcelo lá foi distribuir beijinhos e cumprimentos pelos jovens que o tinham aplaudido à chegada (um deles anunciara audivelmente, e entusiasticamente: “Vem aí o senhor das selfies!”).

O “peso” de um português na Europa. E prudência sobre a adesão da Ucrânia

Duas questões poderiam, ainda assim, relacionar-se com o contexto nacional; mas, como tocavam o assunto da Ucrânia, Marcelo aceitou responder. Sobre a adesão da Ucrânia à União Europeia, e depois de ter dito taxativamente em Kiev que o futuro do país é “na UE e na NATO” e assegurado que Portugal não faz “jogo duplo”, pareceu um pouco mais alinhado com o tom cauteloso que António Costa tem adotado: a UE é por princípio favorável à adesão, mas é preciso lembrar que há mais países em lista de espera — e que ambos os lados teriam de se preparar longamente para que a adesão possa funcionar.

Das cautelas de Costa ao entusiasmo de Marcelo. Afinal, há “jogo duplo” de Portugal em relação à Ucrânia ou não?

Por outro lado, um dos alunos tentou colocar uma questão, de forma velada, sobre António Costa, perguntando pela importância de contar com um português na liderança do Conselho Europeu.

O país “ganha” com essa representação, como é “evidente”, admitiu o Presidente, embora alargando essa consideração a postos em organizações internacionais, empresariais, na liderança científica ou tecnológica e lembrando que Portugal já está representado na liderança das Nações Unidas. Em qualquer caso, o “peso do país” fica, nessas situações, assegurado se houver portugueses “com vontade e condições” —as condições que já disse que não acredita que Costa tenha, pelo menos se não quiser provocar eleições em Portugal. Da última vez que foi questionado sobre o assunto, o Presidente tinha dito que falar do hipotético salto de Costa para Bruxelas não seria “bom” para o país.

O sumo com Montenegro e a “frieza” da distância

O resto da intervenção foi passada entre análises geopolíticas e curiosidades pessoais. Logo de início, à chegada a Castelo de Vide, Luís Montenegro tinha feito o mesmo: logo ao sair do carro, dissera aos jornalistas que o calendário do PSD para falar de presidenciais está fixado para dentro de cerca de dois anos e recusara interpretar como um apoio velado a presença do Presidente na Universidade de Verão, sem ir mais além do que lembrar que Marcelo é, além de Presidente do país, ex-líder do PSD.

Ainda assim, Montenegro fizera questão de viajar de Lisboa, onde tinha estado na reunião da Comissão Permanente do PSD, até Castelo de Vide para receber o Presidente. Apareceu ao lado de Marcelo, beberam uma água e um sumo de laranja antes do jantar — e tudo enquanto nalguns setores do PS se comentava, em surdina, que o Presidente vai consolidando o papel de “líder da oposição”.

Já Marcelo abriria a sua intervenção com outra explicação sobre a sua presença na Universidade de Verão, na qual já participou, mas à distância, enquanto Presidente: responder por escrito às perguntas é “uma coisa muito, muito fria”, e mesmo em vídeo “não é a mesma coisa”. Desta vez, não queria falar de “qualquer tema político”. Mas saiu de Kiev, na semana passada, e pensou: “Eu saio daqui e tenho de ir contar isto a alguém. Bom, conto aos meus netos, mas tenho de ir contar a alguém para perceber que o que se passa lá está a desafiar a juventude”. Escolheu os jovens da Universidade de Verão.

E durante mais de duas horas, foi isso mesmo que Marcelo fez: ofereceu aos quase 100 jovens as suas análises, histórias e divagações sobre a Ucrânia. Primeiro, um aviso: é “estúpido” e “uma coisa sem senso” ser-se russófobo ou querer-se esquecer ou esconder a história e a cultura russas. Outro: apesar da sua maneira “aberta e extrovertida” de falar, Marcelo não conta o que “não pode contar” (mais tarde exemplificaria como se conteve junto de uma cozinheira ucraniana de um restaurante que frequenta habitualmente, e que “faz um arroz de tomate como ninguém”, para não lhe contar mais informações do que podia contar enquanto Chefe de Estado).

Quanto ao que pode contar, Marcelo alongou-se: primeiro nas suas análises sobre as causas da guerra (por um lado a relação de Donald Trump com a Vladimir Putin e o espaço que isso abriu à influência russa, por outro a crise dos sistemas políticos europeus); sobre a resistência do povo ucraniano e a solidariedade da Europa (depois do “egoísmo” de não intervir após a ocupação da Crimeia); sobre Zelensky, o Presidente do “showbiz” que não faz “conversa mole”, e a máquina comunicacional que montou com a ajuda do seu Governo “jovem” que usa “jeans e ténis”.

O mais próximo que Marcelo ficaria de comentar assuntos nacionais seria a sua avaliação sobre a praia de Caxias — é de água doce, lamentou, mas permite-lhe dar um mergulho rápido à hora de almoço quando está no Palácio de Belém; e é nesse percurso que o Presidente costuma encontrar famílias ucranianas já bem integradas em Portugal, coisa que gosta de ver. Entre Caxias e Castelo de Vide, não houve comentários sobre a relação com São Bento.