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Da esquerda para a direita: Andreia Gomes, Catarina Nogueira Pereira, Constança Firmino, Camila Bessa e Rita Matos
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Da esquerda para a direita: Andreia Gomes, Catarina Nogueira Pereira, Constança Firmino, Camila Bessa e Rita Matos

Da esquerda para a direita: Andreia Gomes, Catarina Nogueira Pereira, Constança Firmino, Camila Bessa e Rita Matos

Com um pé no Instagram e o outro no mundo real: as influencers que também são tripulantes, enfermeiras e gestoras

O mercado dos influencers já vale 16 mil milhões de dólares (e continua a crescer), mas há muitos criadores de conteúdos que mantêm ocupações tradicionais. Falámos com 5 portuguesas para saber porquê.

Ser influenciador digital é um trabalho a sério? Se fizermos esta pergunta ao Google, recebêmo-la de volta algumas centenas de vezes. “Is Being a Social Media Influencer a Real Career?”, ecoa a Forbes num artigo que remonta a fevereiro de 2020. A resposta informada parece ser unânime: sim. Já é possível fazer-se uma carreira a postar fotografias e vídeos nas redes sociais. E há cada vez mais dinheiro envolvido nisso.

O mercado dos influenciadores digitais está em crescimento exponencial. Em 2022, já valia 16,4 mil milhões de dólares em todo o mundo, de acordo com o Influencer Marketing Hub. Eram 13,8 mil milhões em 2021 e 9,7 mil milhões em 2020. Em 2016, o valor ainda ia nos 1,7 mil milhões de dólares, para pintarmos um quadro mais completo: falamos de um crescimento de 877% em apenas seis anos.

Apesar das possibilidades que abundam neste admirável mundo novo, ainda existem muitos influencers que deixam a criação de conteúdos para os tempos livres. Todos os dias acordam, vestem a farda (literalmente, em alguns casos) e começam um dia de trabalho como qualquer cidadão comum — mesmo aqueles que já conseguiriam viver exclusivamente das redes sociais.

Com um pé no Instagram e o outro no mundo real

“Há várias razões que me mantêm presa ao meu trabalho”, conta ao Observador Andreia Gomes, de 38 anos, também conhecida como Drizinha entre os seus mais de 54 mil seguidores. Por detrás de uma conta de Instagram cuidada, que se foca principalmente em moda e decoração com uma estética clean, está uma enfermeira nos Cuidados Intensivos do Hospital de Santa Cruz, mãe de duas crianças pequenas.

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Andreia Gomes, 38 anos, é enfermeira e mãe de duas crianças. Tem 54,4 mil seguidores no Instagram

Se, por um lado, gosta do que faz (“se bem que atualmente não adoro o rumo que a enfermagem está a tomar no SNS”, ressalva), por outro, aceitar a criação de conteúdos como um caminho viável foi um processo demorado. “Dar o salto e passar de um ordenado fixo por mês para um ordenado variável é um bocadinho assustador, principalmente se acabaste de comprar casa e tens dois filhos”, acrescenta.

A volatilidade desta nova profissão também parece ser um entrave para Rita Matos, de 36 anos (33 mil seguidores no Instagram). “Talvez houvesse meses em que ficaria sem dinheiro“, considera. Também enfermeira, trabalha manhãs na Unilabs Porto, na Casa de Saúde Boavista, para conseguir passar tempo com as filhas à tarde. Ainda assim, mesmo que as oportunidades no digital fossem mais aliciantes, não as trocava pelo que faz. “Acredito que a minha vida seria mais fácil”, explica, mas “estar com pessoas e realidades diferentes da minha faz-me bem”.

Camila Bessa, de 28 anos, também diz que gosta demasiado do que faz para largar. Entre os voos de longo curso como tripulante da TAP e o tempo passado com a filha Constança, nascida em abril do ano passado, ainda consegue partilhar o dia-a-dia com as 14,6 mil pessoas que a seguem. “Se não tivesse um amor tão grande pela aviação, dedicava me às redes“, confessa.

"Dar o salto e passar de um ordenado fixo por mês para um ordenado variável é um bocadinho assustador, principalmente se acabaste de comprar casa e tens dois filhos"
Andreia Gomes

E é difícil conciliar tudo? “A sensação que tenho é que a minha cabeça está sempre a mil“, responde Andreia. “É preciso um esforço gigante para ser organizada e não misturar os tempos em que sou mãe e em que sou influencer.” Mas os turnos como enfermeira facilitam essa gestão — um sentimento que é partilhado pela colega de profissão, Rita. “Trabalhar só de manhã ajuda-me a conseguir organizar melhor o meu tempo”, refere a última.

Este malabarismo acaba por ser mais fácil quando a profissão anda de mãos dadas com o digital, como explica Catarina Nogueira Pereira, de 25 anos, que tem uma marca de beachwear e, ao mesmo tempo, partilha conteúdos no Instagram com 47,7 mil pessoas. As redes sociais já são a sua principal fonte de rendimento, mas escolhe manter também um negócio próprio. “Não sinto que seja difícil conciliar”, refere, uma vez que “as duas áreas se complementam”.

Um diagnóstico de burnout sentenciou o afastamento de Constança Firmino, 31 anos, do seu emprego como responsável de comunicação de uma multinacional. Por agora, enquanto recupera, o full time job teve de ficar de lado, mas a porta está entreaberta. “Gosto muito da minha profissão e nunca pensei desistir dela”, confessa. Entretanto, continua a fazer o que já fazia: partilhar o seu olho para a moda com 11,8 mil pessoas no Instagram.

Camila Bessa é tripulante na TAP e mãe de Constança. Tem 14,6 mil seguidores

Tal como com as outras mulheres que foram contactadas pelo Observador, viver do digital não está nos seus planos. “Neste momento, o meu foco é a minha marca de joalharia, a Erelisbon [primeira marca portuguesa de joalharia unissexo].”

Transformar seguidores em dinheiro

Tempos houve em que o número de seguidores era proporcional ao rendimento dos posts, mas Catarina explica que já não é assim que as coisas funcionam. “influencers que têm milhares de seguidores e não são rentáveis e outros que, com um público mais pequeno, têm um alcance muito maior.” Porque é que isso acontece? “Porque têm seguidores relevantes.”

Avaliar essa relevância passa por estabelecer um nicho e trabalhá-lo, muito como faria uma marca de roupa, por exemplo. “Se tivermos um público que se identifica connosco, os valores vão naturalmente subir, porque as marcas têm noção que existem muitas mais variáveis além do número de seguidores que influenciam o sucesso das suas parcerias”, continua.

Andreia concorda: “a qualidade dos conteúdos e a coerência com as marcas que trabalhamos ajudam muito a ter uma imagem sólida.” De facto, para Camila, “o número de seguidores já não quer dizer nada.”

"Há influencers que têm milhares de seguidores e não são rentáveis e outros que, com um público mais pequeno, têm um alcance muito maior."
Catarina Nogueira Pereira

Há algum patamar mínimo de seguidores para conseguir rentabilizar as redes sociais? 100 mil, por exemplo? “Acredito que com 100 mil seguidores reais seja muito possível, até acho que com muito menos se consegue viver da criação de conteúdos”, informa Rita. Mas o disco volta ao início. Não há números certos. A “dedicação e o trabalho”, acredita a enfermeira, é que são fundamentais para o sucesso.

Presentes em troca de posts

Não é só o público que resiste a ver esta atividade como uma profissão real. O problema estende-se às próprias marcas que querem trabalhar com criadores de conteúdos, muitas delas presas à ideia de que basta enviar-lhes produtos para aparecerem nas suas redes. “Ainda há muitas marcas que não percebem que isto, de facto, é um trabalho”, considera Andreia. “Mas também há marcas que não querem ou não podem fazer esse investimento.”

Com que regularidade chegam estes pedidos? “Ainda esta semana recebi um e-mail de uma marca espanhola a dizer que me queria oferecer um casaco em troca de umas fotos para o Instagram deles“, conta. “É comum perguntarem-me se podem enviar produto para eu fazer uns posts. Não faço”, declara Camila. Já Rita invoca a gestão das relações com outros projetos. Embora “não veja mal nenhum” nas publicações em troca de ofertas — “no final, sou eu que decido se quero ou não” —, considera que é injusto para as marcas que lhe pagam.

Rita Matos é enfermeira e mãe de duas meninas. Tem 33 mil seguidores no Instagram

“Infelizmente, é uma realidade no nosso meio”, explica Catarina. “O mercado está a ficar cada vez mais saturado e todos os dias aparecem influencers novas. No início há uma tendência para promover produtos sem remuneração, para conseguir algum reconhecimento das marcas.” O problema, continua, é que esse sistema cria vícios na atividade. “As marcas acabam por retirar valor a um trabalho que exige muitas vertentes”, entre elas fotógrafos e material fotográfico. E remata: “Penso que as marcas grandes deviam ter um pouco mais de respeito pelo nosso trabalho. E até mesmo as próprias influencers consigo mesmas.”

“Influencer é sinónimo de futilidade”

A expressão influencer tem uma conotação negativa? Embora a interpretação possa ser subjetiva, o grupo de portuguesas com que o Observador falou parece acreditar que sim. “Acho que a sociedade, por não compreender o que é o trabalho de uma criadora de conteúdos, criou estigmas em torno dessa palavra”, acredita Constança. Qual é a perceção mais errada que se tem da vida de um criador de conteúdos? “Que têm vidas perfeitas e que ser influencer não é uma profissão”.

Para a mesma questão, Catarina argumenta: “Que é fútil e que não exige trabalho”. E continua: “A palavra influencer é usada de forma recorrente pelos meios de comunicação com uma conotação negativa. A imagem que acaba por ser criada é de que é sinónimo de futilidade.”

Andreia posiciona-se no grupo de criadores de conteúdos que não se identificam com o termo. “Influencer sempre me pareceu algo muito pouco orgânico“, comenta. “O meu trabalho é ser criadora de conteúdos, ser o veículo entre as marcas e o consumidor. Por isso, prefiro pensar que inspiro e não que influencio. Se sou influencer ou não, só quem me segue é pode dizer.”

"A palavra influencer é usada de forma recorrente pelos meios de comunicação com uma conotação negativa. A imagem que acaba por ser criada é de que é sinónimo de futilidade."
Catarina Nogueira Pereira

“Também não sou fã, sinceramente”, opina Camila. “Acho que se começou a usar o termo de forma pejorativa, meio que a gozar.” Porque é que isso acontece? Porque existe a perceção errada, acredita a tripulante, de que os criadores de conteúdos “não fazem nada e só recebem coisas de borla”.

“Não me aquece nem me arrefece”, contrapõe Constança. “Se influenciamos positivamente alguém porque não havemos de usar esse termo?” Rita e Catarina também se sentem à vontade com o termo. “Não me sinto afetada com essa conotação negativa”, diz a última. A enfermeira do Porto partilha o ponto de vista: “Todos somos influencers, seja no Instagram, no trabalho, no dia a dia. Estamos sempre a influenciar, mesmo quando não sabemos.”

Vamos falar sobre as borlas

O mundo da criação de conteúdos tem, cada vez mais, uma ciência muito própria. As marcas e agências de comunicação reúnem dados — como moradas e números de telefone — em listas que servem para facilitar o envio novidades (ou press kits, termo que é geralmente usado para classificar estas ofertas) aos influencers mais relevantes. Nessas listas, estes são organizados consoante os mercados em que se inserem: maternidade, moda e lifestyle são as categorias principais das mulheres com quem falámos. Mas quantas coisas é que recebem em casa, afinal?

Catarina Nogueira Pereira sempre soube que o caminho iria passar pela moda. Tem 47,7 mil seguidores no Instagram

“Depende”, responde Camila. “Há semanas em que recebo 10 press kits e há outras em que não recebo nenhum.” Catarina relata o mesmo. “Varia sempre consoante a altura do ano. No Natal recebo mais coisas“, conta. “Diria umas três vezes por semana.”

Andreia diz que os presentes chegam todas as semanas, alavancados principalmente nas marcas com que já criou uma relação. Mas nota que a quantidade reduziu. “Recebia muitas coisas antes. Mas deixei de partilhar recebidos e agora recebo menos — acho eu que é por isso.” Mais uma vez, a colega de profissão ecoa a experiência. “Já houve fases em que recebia muito”, partilha Rita, “mas deixei de fazer tanta publicidade e comecei gradualmente a receber menos.”

Entre as coisas que recebem, conseguem destacar exemplos? “A parceria que tenho com a Chicco”, adianta Camila. “Montei todo um enxoval com eles.” Andreia diz que nunca tira do pulso uma pulseira com os nomes dos filhos, oferecida pela joalheira Juliana Bezerra. E dá mais exemplos, entre os quais um quadro da Violeta Cor de Rosa, uma argola de diamantes da Cinco Store, um berço para o filho, da Stokke, e o bolo de aniversário dos seus 35 anos, oferecido pela Brigadeirando.

Os influencers têm a vida facilitada?

Apesar da exposição digital, por vezes até mediática, e dos presentes que recebem, as influencers entrevistadas para este artigo não consideram que as suas vidas sejam necessariamente mais fáceis por ocuparem esse posto. “A minha vida fora das redes, não a sinto muito mais facilitada”, começa Andreia. “O que acho que ajuda muito é a rede de pessoas que passamos a conhecer.”

Constança Firmino teve um burnout em 2022 e usou as redes sociais para desmistificar o tema

“Não é mais fácil, mas é melhor”, opina Rita. “Conhecemos pessoas, vamos a sítios e eventos giros.” Na mesma linha de pensamento, Camila Bessa acredita que é mesmo “mais vantajosa”, no sentido em que a coloca em contacto com espaços, restaurantes e produtos que, de outra forma, talvez não viesse a conhecer. Catarina vai mais longe. Embora não facilite em tudo, “pode abrir algumas portas”.

A idade da transparência

Mas esta atividade também pode tornar-se um palco. Um espaço que permite alertar para temas importantes, como acredita Constança Firmino. Foi por isso que, quando teve um burnout, convidou os pais — o psiquiatra Horácio Firmino e a psicóloga Constança Casas — para falarem sobre esse tema com a sua comunidade.

As minhas redes sociais são muito um reflexo de quem sou. No momento em que estava a passar por um burnout não me fazia sentido esconder isso”, recorda. “Senti que devia alertar para o tema. Ajudar a que mais ninguém chegasse ao ponto a que cheguei.” Como foram as reações do público? “Super positivas”, recorda.

"As minhas redes sociais são muito um reflexo de quem sou. No momento em que estava a passar por um burnout não me fazia sentido esconder isso"
Constança Firmino

A autenticidade já é, para muitos, a bitola do digital. “A transparência é um dos fatores que mais afetam a perceção que os consumidores têm dos influencers que seguem”, explica o Influencer Marketing Hub num estudo sobre as estratégias a seguir em 2023. “Os consumidores têm mais probabilidades de seguir influencers que se pareçam com ‘pessoas do dia a dia’.”

Constança concorda. “Acredito que a tendência é a proximidade, os real influencers [termo que se refere a criadores honestos com o seu público], o conteúdo próximo e real.”

Se quiserem manter-se relevantes, têm de desligar os filtros e mostrar o que os torna vulneráveis. Ao longo dos últimos anos, conclui um estudo da Zion and Zion, deu-se uma transição. Partilhar os momentos perfeitos ficou lá atrás, já não é tendência. O foco deve estar numa aproximação dos seguidores. Quem se quer manter em jogo não deve esconder-se atrás de uma imagem polida. Pelo contrário, terá de saber estalar o verniz e juntar-se ao mundo real.

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