Dois candidatos, duas visões diferentes sobre o modo de funcionamento interno do partido e sobre a forma como se deve posicionar no Parlamento e fora dele. A menos de uma semana das eleições internas no PAN, Inês Sousa Real e Nelson Silva enfrentaram-se num debate organizado a partir dos estúdios do Observador, e não faltaram divergências: a qualidade (ou falta dela) da vida democrática interna, a predominância ou não da causa animalista na mensagem do partido, a relação com o PS e a forma de fazer oposição.
De resto, Nelson Silva, ex-deputado do PAN (entrou no Parlamento para substituir André Silva), aproveitou o debate para acusar a atual direção de esvaziar a democracia interna do partido. “O partido tem de ser superior às pessoas que compõem a sua direção. Queremos abrir o partido, devolver o poder às bases. Se continuarmos nesta linha, não vemos que o PAN consiga sobreviver e consolidar-se o suficiente para preparar o futuro. Existe uma política interna de perseguição às pessoas que pensam diferente. Vimos isso com o afastamento e suspensões de alguns filiados muito escolhidos a dedo”, lamentou o programador informático.
Na resposta, Inês Sousa Real recusou taxativamente a ideia de asfixia democrática e acusou o adversário de querer vender o PAN como um partido em convulsão, um verdadeiro “saco de gatos“. “Em política não vale tudo. Vir dizer que não há democracia interna ou que é perseguido quando não é capaz de dar um exemplo, é estar a tentar construir uma narrativa que não corresponde ao trabalho desta direção. Lamento, mas não posso deixar passar. Isso não eleva o trabalho do PAN, nem o debate político”, defendeu-se a porta-voz do PAN.
[Veja aqui o debate entre Inês Sousa Real e Nelson Silva na íntegra]
Ser ou não um partido animalista
Ao longo do debate de 45 minutos, houve um outro ponto a afastar os dois adversários: a ideia, defendida por Nelson Silva, de que o PAN se deixou transformar num “partido de nicho”, incapaz de abraçar causas mais transversais. “A causa animal terá sempre o lugar como prioridade. Mas não pode é ser a única prioridade, sobretudo no contexto em que vivemos. O PAN começou muito na causa animal, ganhou depois uma abrangência para a ecologia porque faltava um partido que tivesse essa linha orientadora. Estar a tentar voltar a um partido única e exclusivamente dos animais é voltar a ser um partido de nicho. Não somos só isso”, argumentou o candidato a porta-voz do partido.
Ora, para Inês Sousa Real a avaliação que Nelson Silva faz demonstra “um profundo desconhecimento” do percurso recente do partido. A deputada única do partido elencou depois uma série de conquistas do partido — o fim dos estágios profissionais não remunerados, o alargamento do prazo de prescrição dos crimes de abusos sexuais, a redução do IVA das bicicletas para 6% e do IVA da aquisição dos painéis fotovoltaicos, tal como a redução do IVA dos produtos vegetais –, para deixar uma certeza: “Não é um partido irrelevante que consegue estas conquistas. É um partido com compromisso, com responsabilidade, que tem feito oposição pela positiva. É dos poucos partidos da oposição que está a honrar o voto dos portugueses“.
Nelson Silva não ficou convencido. Para o challenger, este caderno de conquistas já vem a ser trabalhado há muitos anos, até com a anterior direção. “São mérito do PAN, daquilo que há pelo menos uma década temos vindo a defender, e resulta de um trabalho iniciado há anos, ainda com grupo parlamentar. [Mas] são medidas curtas. O PAN consegue gritar vitória por medidas que, sendo avanços, são avanços muito curtos. São um passinho para a vitória”, lamentou o programador, que tem também currículo como realizador de cinema e televisão.
A relação com o PS e o ‘talvez’ para o PSD
Também por isso a relação que o partido deve ou não ter com PS assumiu centralidade neste debate. Nelson Silva, que tem sugerido que o PAN não pode ficar “refém” dos socialistas para se afirmar como força política a ter em conta, defendeu neste debate que o partido não pode assumir o “ónus” de uma governação que não é sua, sob pena de se transformar numa “oposição fraca” e inconsequente.
“Num contexto de maioria absoluta, em que temos um governo que não precisa de absolutamente ninguém para garantir a estabilidade política, estarmos aqui dar a partilha do nosso ónus de responsabilidade sobre um Orçamento que não traz avanços para o nosso país. Uma coisa é dialogar, outra coisa é passar um cheque em branco ao Governo para passar algumas das nossas medidas. Oposições fracas fazem governos fracos. O PAN poderia ser uma lufada de ar fresco, como já foi no passado, para garantir que havia pelo menos um partido na Assembleia que realmente fizesse opinião séria, saudável e construtiva”, argumentou Nelson Silva,
Inês Sousa Real, jurista e ex-Provedora Municipal dos Animais de Lisboa, recusou por completa a ideia de que o PAN esteja a fazer uma oposição frouxa aos socialistas. “O PAN não só não tem sido uma muleta do PS, como muitas vezes se tem vindo a proclamar. Num contexto de oposição e de maioria absoluta, não podemos estar a olhar de forma redutora para as conquistas que temos alcançado.”
Além disso, a porta-voz do PAN deixou ainda um recado aos seus críticos internos: fazer oposição pela oposição, além de inútil do ponto de vista prático, tem como a consequência o esvaziamento do partido na sua função de construtor de alternativas. “O terreno daqueles que querem fazer oposição de terra queimada já está amplamente ocupado. Não me parece que seja essa a postura que o PAN deva ter. Essa política de terra queimada não nos leva a lado nenhum, leva a zero aprovações.”
Curiosamente, houve dois pontos que mereceram a concordância dos dois candidatos ao lugar de porta-voz do partido: a relação com o PSD e a continuidade de Inês Sousa Real no Parlamento. No primeiro caso, ambos deixaram em aberto a possibilidade de viabilizar um eventual governo social-democrata no futuro — embora em condições muito bem definidas e, no caso de Sousa Real, depois de o partido fazer um debate interno sobre o posicionamento do partido em matérias como o papel do Estado ou os Direitos Sociais, de maneira a ultrapassar a histórica dificuldade do partido em situar-se no espetro direita-esquerda.
Quanto à representação parlamentar — se Sousa Real renunciasse ao mandato, seria Nelson Silva a assumir o cargo –, os dois atiraram a questão para o dia seguinte ao congresso, mas com uma garantia deixada pelo programador informático: não exigirá nem pressionará a atual deputada a abdicar do mandato. “Não vamos exigir cargos a ninguém. Os mandatos são individuais e o PAN sempre se construiu com base no diálogo. Era uma via de trabalho perfeitamente aceitável”, garantiu Nelson Silva. “É precipitado [discutir esse tema]. Estamos a falar de um cenário hipotético, que só faz sentido ser debatido após o congresso”, devolveu Sousa Real. No sábado há mais.