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“Prefiro ser realista do que otimista.” A frase denota o cansaço comum a muitos islandeses da pequena cidade de Grindavík depois da nova erupção vulcânica deste domingo, que fez com que lava destruísse três casas no seu caminho. “Não é realístico regressar. Não espero voltar a casa”, lamentou em declarações à imprensa nacional uma residente da localidade piscatória de cerca de 3.800 habitantes, determinada a começar a vida noutro lugar depois do que tem sido descrito como um “dia negro” para a Islândia, como se podia ler esta segunda-feira na primeira página do diário islandês Morgunbladid.

Para os residentes de Grindavík, a cerca de 40 quilómetros da capital islandesa, Reiquiavique, a erupção de domingo foi um novo golpe. Porque aconteceu de forma inesperada e apenas três semanas depois do último episódio vulcânico na região, a 18 de dezembro, que obrigou à evacuação da cidade e à transferência dos habitantes para zonas seguras. Pouco mais de uma centena tinha regressado quando o novo evento, com origem na mesma falha vulcânica, motivou uma nova retirada, à pressa, durante a madrugada, obrigando a salvar também dezenas de animais. Muitos bens, contudo, tiveram de ficar para trás.

Depois do episódio de dezembro, que durou cerca de três dias, abriram-se agora duas novas fissuras perto de Grindavík. Apesar dos esforços para proteger a cidade (e uma central elétrica e uma geotérmica da região), tendo sido construído um muros de 8 metros de altura em redor para desviar a lava, tudo aconteceu de forma imprevisível. Apesar de se esperarem erupções, os locais não eram onde acabaram por acontecer.

Como se pode ver pelos mapas, a primeira fissura e a maior surgiu a cerca de 1 km da cidade, mesmo junto ao muro de contenção, que ficou danificado, mas está já a ser reparado de novo. E a segunda já dentro dos próprios muros e bastante mais perto, a menos de 100 metros das casas, ainda que de tamanho menor. E, para já, nada faz prever que a erupção está para acabar, apesar da situação perto de Grindavík ter “melhorado significativamente”, como reconheceu Matthew Roberts, do Icelandic Meteorological Office (IMO), à BBC.

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Esta é já a quinta erupção a atingir esta península de Reykjanes desde 2021. Apesar de a atividade vulcânica ter diminuído desde domingo, há o sempre presente risco de que novas fissuras possam surgir sem aviso prévio, como o IMO já admitiu. A atual atividade vulcânica desenvolve-se ao largo de uma fissura de cerca de 15 km, que se abriu depois da crise sísmica de novembro. E, dali, podem surgir erupções a qualquer momento e em qualquer lugar, sem grandes avisos prévios.

Porque é a Islândia a região mais vulcânica na Europa?

Explica-se por dois fatores. Por um lado, trata-se de uma região que tem uma enorme disponibilidade de magma, por outro lado, as próprias condições geológicas da região são propícias a isso, começa por explicar José Pacheco, diretor do Instituto de Investigação em Vulcanologia e Avaliação de Riscos da Universidade dos Açores (IVAR).

A elevada disponibilidade de magma, refere José Pacheco, está relacionada com o facto de a Islândia estar por cima de um hotspot — uma anomalia no manto terrestre que facilita a ascensão de uma bolsa de magma até muito perto da superfície. “As rochas daquele local estão muito mais quentes e, portanto, muito mais disponíveis para fundir”, aponta.

Além disso, a Islândia está localizada numa zona de separação de placas tectónicas: a euro-asiática, que se move para leste, e a americana, que se move para oeste. “Os fundos oceânicos estão a separar-se nessa zona. O facto das placas se afastarem uma das outras cria o espaço que é necessário para o magma subir”, acrescenta.

O diretor do IVAR salienta, no entanto, que apesar dos fenómenos vulcânicos não serem novidade na Islândia (é a ilha dos vulcões), o que se está a presenciar atualmente estabeleceu um marco diferente, com a destruição de algumas casas na cidade de Grindavik. “Apesar de não parece ser uma erupção extraordinariamente grande, já destruiu três ou quatro casas. Isso já não acontecia há mais de 40 anos na Islândia“, destaca.

Que tipo de erupção está a decorrer?

Pode classificar-se como uma erupção havaiana e é, por isso, caracterizada por uma explosividade muito reduzida e fundamentalmente pela emissão de lava. Esta é uma erupção relativamente comum e em tudo semelhante à de dezembro. “Esta é uma erupção que está ainda relacionada com a mesma crise da erupção de dezembro. É o mesmo episódio de realimentação magmática, ou seja, o que está a alimentar esta erupção é o mesmo que teve início com a erupção de dezembro”, refere José Pacheco. Daí os níveis de alerta na região nunca terem baixado desde essa altura, com as autoridades a iniciarem a construção do tal muro de contenção para proteger a povoação e algumas estruturas vitais da região. O problema inesperado é que parte da erupção de domingo ocorreu no interior dessas limitações.

O diretor do IVAR refere ainda que uma das características deste tipo de erupção, e que se verificou tanto em dezembro como agora, é que as manifestações mais agudas da crise costumam ser muito próximas da própria erupção. “O hiato que decorreu entre a crise sísmica que precedeu a erupção e o abrir do fluxo da erupção decorreu em apenas algumas horas”, destaca. Ou seja, houve alguns sismos, de pequena intensidade, alguma deformação no terreno, mas nada que indicasse onde o magma poderia sair.

O que distingue uma erupção de tipo fissural?

As erupções de tipo fissural acontecem quando o magma sobe pelas fraturas da rocha e sai através de rasgões à superfície e não por cones. A diferença, refere José Pacheco, é precisamente o sistema de alimentação. “Ao invés de ser uma conduta tipo um tubo, o magma aproveita na sua ascensão uma fissura que já existe. Ao invés de ter que partir a rocha para subir à superfície, tem muito menos trabalho do ponto de vista físico se aproveitar uma fissura ou um plano de fraqueza pré-existente”, refere.

Nestas erupções o magma tem que ter uma pressão muito lenta porque está a alimentar uma superfície de descarga bastante grande. “E isto, embora ocorra no início da erupção, muitas vezes as principais fontes de emissão vão acabar por se circunscrever às zonas principais. Assim, deixamos de ter uma fissura e passamos a ter três ou quatro pontos distintos e por vezes até um único ponto distinto de saída do magma, porque este deixou de ter capacidade de alimentar toda a extensão da fissura e se foi concentrando na zona onde mais facilmente conseguia aceder à superfície”, diz o especialista.

Por esta altura, a atividade parece abrandar. A fissura que se formou perto de Grindavík no domingo já não estava quase ativa esta segunda-feira e a produção de lava da fissura maior, a norte da cidade, já estava a diminuir durante o dia, segundo confirmou o vulcanólogo islandês Rikke Pedersen à agência Reuters.

Podem formar-se novas fissuras?

Não é apenas possível, mas é uma “hipótese muito real”, sublinha o diretor do IVAR, acrescentando que isso poderá acontecer inclusivamente junto às habitações de Grindavik, onde surgiram novas deformações no terreno ao longo desta segunda-feira. Aliás, as que se formaram antes da erupção de dezembro, bem longe da cidade, até estavam a ser tapadas, porque nada fazia prever que fosse nesta zona a nova erupção.

Mas o aparecimento das fissuras é normalmente precedido por alguns sinais, como a deformação localizada do solo e o desenvolvimento de pequenas fraturas superficiais. No entanto, “entre o aparecimento dessas fraturas e o desenvolvimento de uma cratera já com lava a sair pode ser um processo muito rápido“, alerta José Pacheco. Foi o que aconteceu no caso da segunda fissura que se formou mais próxima das casas em Grindavik. Antes da sua formação, destaca, não houve qualquer indício óbvio de que o seu aparecimento estava iminente.

Quais os perigos deste tipo de erupção?

No que diz respeito a vidas humanas, este tipo de erupções “são das menos perigosas”. “O perigo real que existe nestas erupções são as lavas e estas movem-se a velocidades muito lentas — com exceção do início da erupção, em que as primeiras lavas muito próximas da fonte eclodem à superfície e a sua velocidade é muito elevada”, explica José Pacheco. A grande ameaça é para as eventuais infraestruturas situadas no percurso percorrido pela lava e a poluição pelos gases, como o enxofre e o dióxido de carbono, que são libertados durante a erupção.

Mais perigosas são as erupções explosivas, normalmente de vulcões com cones, que têm uma grande capacidade destrutiva e representam um risco maior devido aos produtos que se podem libertar e que podem movimentar-se a grandes velocidades. “Esses produtos designam-se por esquadras piroclásticas. Podem ser absolutamente letais e chegar a mover-se a velocidades na ordem dos 300 a 400 km por hora. São como grandes avalanches e o que quer que apanhe, destrói”, refere. Quando explodem, lançam pedras e pedaços de lava, além de cinza a grandes altitudes. São normalmente também eles que produzem grandes nuvens que impedem a aviação (aconteceu na Islândia há não muitos anos). Não é o caso agora, nem com este tipo de vulcão.

Quanto tempo pode demorar a erupção na Islândia?

No domingo, o diretor da proteção civil islandesa alertava que “estamos apenas provavelmente a ver o início de uma cadeia de eventos que vão continuar e que serão difíceis de lidar”, sublinhando que “este é o evento mais sério no que diz respeito a erupções vulcânica desde janeiro de 1973”. Mas afinal, durante quanto tempo pode prolongar-se a erupção na Islândia? É a “pergunta de um milhão de euros”, descreve José Pacheco.

Se erupção de dezembro durou apenas cerca de três dias, a verdade é que este tipo de erupções se pode prolongar durante alguns meses. “Não é possível, à partida, fazer uma estimativa da duração das erupções. Aquilo que nós sabemos é que, tipicamente, estas podem demorar alguns poucos meses“, explica.

Para já, “nada faz prever que a erupção está para acabar”, continuando ainda presentes elementos como a deformação do solo e o fluxo de magma. O especialista destaca, no entanto, que a erupção já começou com muito menos intensidade do que a de dezembro e que, por esta altura está a diminuir de intensidade. “A taxa de extrusão em dezembro foi muitíssimo superior a esta que nós vemos agora, o que poderá ser um sinal de que eventualmente teremos uma erupção não muito mais longa“, admite.

Alguns especialistas já fazem previsões a mais longo prazo. À BBC, Evgenia Ilyinskay sugeriu que a península poderá estar a entrar num novo período de erupções frequentes. A vulcanólogo admitiu a possibilidade de que as erupções poderão acontecer “a cada poucos meses ou uma vez por ano durante várias décadas ou vários séculos”.