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O mundo real e o digital num só. Isto é a realidade aumentada (RA). Não é entrarmos num mundo completamente digital, como acontece com a realidade virtual (RV). É adicionarmos objetos ao mundo real, é colocarmos hologramas na nossa sala de estar. É o futuro, pelo menos para empresas como a Apple, a Microsoft ou a Google. Lembra-se do Pokémon Go?

No jogo que bateu cinco recordes do Guiness, há criaturas digitais que andam pelas ruas e é possível “vê-las” ou “apanhá-las” com o telemóvel. Aplicações como o Instagram ou Snapchat, que deixam o utilizador ter orelhas de coelho ou focinhos de cão, também estão entre os primeiros exemplos de realidade aumentada a chegar ao grande público. Mas, para Mark Zuckerberg, fundador e presidente do Facebook, estas aplicações ainda são uma versão “primitiva” do potencial desta tecnologia. A rede social que conta com 2 mil milhões de utilizadores também anda nesta corrida.

A aposta da Apple em realidade aumentada chega esta terça-feira a milhões de pessoas com o lançamento do sistema operativo iOS 11, que não serve apenas para nos incentivar a fazer caretas para os smartphones (apesar do que a Apple demonstrou no evento de apresentação do iPhone). De acordo com os analistas citados pela Bloomberg, o mercado da realidade aumentada pode atingir 404 mil milhões de dólares (340 mil milhões de euros) nos próximos três anos. Esta é uma das razões que levou Tim Cook, presidente executivo da Apple, a querer “gritar e berrar” durante uma entrevista, tal era o entusiasmo.

Quando a Apple anunciou o novo iPhone X, o entusiasmo manteve-se. Para mostrar o que o smartphone topo de gama da Apple pode fazer em termos de realidade aumentada, a empresa optou por um jogo. No “The Machines”, aparece um cenário de guerra numa mesa vazia. Quem segura o iPhone, pode aproximar-se e afastar-se da mesa como faria se, em cima da superfície, estivesse uma maqueta real desse cenário de guerra. Só que é tudo criado com recurso a RA.

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A nova função do iPhone pode ter sido uma novidade para muitos. No entanto, a Apple já disponibiliza ferramentas de programação para RA desde junho de 2017. Chama-lhes “ARKit” e é uma espécie de kit para programar aplicações que recorram a esta tecnologia. Esta não parecia ser, contudo, uma das maiores apostas da tecnológica, tanto que não chegou a criar grande expectativa entre os fãs. Facto é que a apresentação do “The Machines”, no evento da semana passada, deixou o público curioso. Mas, dos óculos de RA que a gigante americana está a desenvolver, nada se falou.

Antes da Apple, a Google já tinha uns óculos e um Tango

A Google foi das primeiras empresas a tentar dar ao mundo real um toque mais digital em larga escala. Em 2013, a tecnológica lançou os Google Glass, uns óculos de realidade aumentada que custavam 1500 dólares (cerca de 1300 euros) e que se ligavam por Bluetooth ao telemóvel. Mas dois anos depois, a Google parou o projeto. Razões: as preocupações que surgiram em relação à privacidade (os óculos tinham uma câmara incorporada na frente que podia filmar tudo o que a pessoa via) e um marketing que foi considerado, na altura, ineficaz. A ideia era simples. Quem usasse os Glass, qual “monóculo” do Vegeta, no Dragon Ball Z, via um pequeno ecrã com informações como o tempo, notícias ou notificações de mensagens.

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O primeiro modelo dos Google Glass, a “Explorer Edition”.

Apesar de os óculos da Google não se terem massificado, há quem os utilize. A última versão foi divulgada em julho deste ano, mas está disponível apenas para a indústria. A Entreprise Edition é uma ferramenta de trabalho, que promete aumentar em pelo menos 25% a eficiência de um trabalhador. Apesar de haver quem ache que as funcionalidades do Google Glass se inserem no conceito de RA, há quem discorde. Ao contrário de outros dispositivos, estes óculos não adicionam objetos ao mundo real ou sobrepõem-se a eles. O que fazem é adicionar um ecrã à nossa visão.

Trabalhar a usar realidade aumentada

Um trabalhador da empresa americana AGCO usa os Google Glasse Enterprise para ter instruções visuais sobre como operar.

Discussões à parte, a aposta da Google nesta tecnologia não se ficou pelos Glass. Até agosto deste ano, uma das grandes inovações da empresa era o Google Tango, uma plataforma própria para dispositivos RA, que aproveitava ao máximo a tecnologia. Houve duas marcas que chegaram a lançaram smartphones já com esta opção nativa: o Lenovo Phab 2 Pro e o Asus Zenfone AR. Tinham duas câmaras e sensores de distância integrados, que permitiam, por exemplo, entender as proporções físicas de uma sala, para lá colocar um objeto digital dentro. O Tango usava estes componentes para garantir uma experiência melhorada ao utilizador.

Mas o facto de o Tango precisar de dispositivos próprios para funcionar tornou-se um problema, porque não levava a realidade aumentada a tanta gente. No final de agosto, a Google deixou de desenvolver o Tango e lançou o ARCore, semelhante ao ARkit da Apple. Estas ferramentas de programação ficam disponíveis numa atualização do sistema operativo Android, que já está presente em vários smartphones, e fazendo, assim, com que a realidade aumentada chegue a mais pessoas. Mesmo que a experiência não tenha tanta qualidade.

Hologramas e óculos futuristas, como a Microsoft aumenta a realidade

Apesar de toda a inovação associada ao Google Glass, são os óculos holográficos da Microsoft que têm deslumbrado quem quer interagir em realidade aumentada. Se com o telemóvel temos uma pequena janela para este mundo, com os Microsoft Hololens a janela é toda a nossa visão. Ou seja, as lentes fazem a vez do ecrã. Os sensores do dispositivo medem a distância física entre objetos e paredes, distinguindo-os. Isto faz com que seja possível ver hologramas. Lançados em 2016, os Hololens já podem ser adquiridos pela Internet para Portugal, mas custam 5.000 dólares (cerca de 4.200 euros).

Não subestimem os HoloLens: “É tudo verdade”

A Microsoft tem vindo investir neste mercado, mas focando-se no que poderá ser o passo seguinte: a junção dos computadores a este tipo de wearables (tecnologia que se pode usar ou vestir, como este tipo de óculos). Enquanto estamos a “brincar” com os nossos smartphones, com fitas métricas, ou a ver qual o melhor móvel do IKEA para a sala, já há quem pense no passo a seguir ao seguinte. Há rumores que a Microsoft está a trabalhar numa versão mais acessível dos óculos (que custam menos de 1000 dólares) mas esta informação ainda não é oficial.

A Microsoft não é a única a fazer dispositivos para o seu sistema operativo Windows. Outras, como a Acer ou a Asus, também preparam wearables para complementar os computadores e mudar a interação dos utilizadores com o mundo digital.

Microsoft Build. O novo Windows 10 e mais Realidade Aumentada

Esta quebra de barreiras com o digital faz parte de um projeto da Microsoft apelidado de more personal computing (em português algo como “uma ligação com o computador mais pessoal”). A empresa criada por Bill Gates tem trabalhado para reduzir os obstáculos entre o utilizador e os conteúdos nos ecrãs (sendo este obstáculo algo tão simples como o teclado, o rato ou até o visor do PC). É neste projeto que se inserem inovações como a caneta para escrever nos Surface e, já adivinhou, a realidade aumentada. No entanto, a Microsoft quis dar as voltas ao conceito e chama-lhe “realidade misturada” (mixed reality).

Para esta realidade, a criadora do Windows tem vindo a criar dispositivos que geram imagens que se “sobrepõem a objetos reais”. Aqui, os sensores não se limitam a perceber que há um objeto no espaço, alteram completamente a imagem na nossa visão. Tal como fazem os Hololens.

O mercado de startups também aumentado

O que distingue a Realidade Aumentada da Virtual?

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A realidade virtual (RV) “deixa-nos completamente abstraídos do mundo”, já a aumentada “cria modelos 3D e acrescenta dados à nossa visão sem deixarmos de ver a realidade”, explicou ao Observador um representante da Microsoft.

Ou seja, os óculos de realidade virtual — como os HTC Vive ou Oculus Rift para PC, os PSVR para a PS4 e os dispositivos que tornam os smartphones em óculos VR — fecham o utilizador no mundo virtual. Sendo os Vive e Rift as experiências mais completas, o preço superior a 500 euros ainda os torna impeditivos para muitos. Além disso, têm de estar ligados por fios a um computador topo de gama.

Já a realidade aumentada, usa o que vemos do mundo real para lhe acrescentar uma camada digital. Também pode usar óculos, mas não abstraem por completo o utilizador do seu redor. Os óculos disponíveis, vendidos para comércio e indústria, precisam também de um computador ou dispositivo. Ligam-se sem fios, mas ainda não oferecem lentes que preencham todo o ângulo de visão. É por esta razão que Tim Cook afirma que “a tecnologia ainda não chegou ao ponto desejado”. Com os smartphones, ao contrário da realidade virtual, não é preciso nenhum complemento para se usar. Basta apontar o aparelho para o que vemos e as imagens digitais são adicionadas.

 

Só em Portugal, a Microsoft é parceira de oito startups que trabalham com realidade aumentada. De jogos a utilitários, há um pequeno mercado a florescer em Portugal. Falámos com três e, apesar de trabalharem com Hololens e outros sistemas, é o ARkit, da Apple, e o ARCore, da Google, que agora mais as ocupa. Todas são, apesar de suspeitas, consensuais num ponto: a realidade aumentada é a próxima “grande cena”.

Rui Guedes, fundador da Ground Control Studios, começou por fazer jogos para realidade virtual, mas agora trabalha com RA. “É a colocação de uma camada digital sobre o mundo”, diz ao Observador. A empresa já fez experiências com recurso a VR e a AR para a Câmara Municipal do Porto e de Lisboa, para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa ou El Corte Inglês, entre outras. A equipa começou a trabalhar em videojogos, mas agora está focada em manutenção industrial, soluções para catálogos de produtos ou turismo. Este jovem empreendedor do Porto acredita que a RA nos smartphones ainda é apenas “um preâmbulo”, apesar do potencial do mercado. “O que está para vir é a massificação dos wearables e ainda só estamos a aprender como isto funciona”, afirmou Rui Guedes ao Observador.

O Grupo IT People, através da Next Reality, é outro parceiro da Microsoft, que desenvolve aplicações de RA para mobile, além das que desenvolve para os Hololens. A Next Reality não esconde o entusiasmo com RA e foca a sua oferta em soluções para outras empresas. Com o VisitAR, criou uma experiência aumentada em museus (que ganhou em 2016 o Prémio Santa Casa Challenge – Área Cultural e Património). Já no ramo da imobiliária, com o ARchitect, é possível ver como uma casa digital aparece num terreno vazio. Se estiver com um iPad, consegue vê-la como se estivesse lá.

No entanto, também de diversão é feito este mercado, como mostrou a Apple na apresentação do iPhone. A Bica Studios, também portuguesa e liderada por Nuno Folhadela, foi das primeiras empresas do mundo a desenvolver jogos não só para Hololens, como para o iOS.

Videojogos. Uma Torre de Belém na sua sala? Sim, e é feita por portugueses

Mas não são só startups portuguesas que fazem conteúdos em RA. Empresas como o Facebook, a Disney ou a Snap (casa mãe do Snapchat) são outros exemplos de quem já desenvolve conteúdos RA para mobile (“brincadeiras” como combater com sabres de luz na nossa sala de estar fazem já parte da nossa realidade, aumentada).

Mas em que é que isto aumenta a minha vida?

O problema da realidade aumentada acaba por ser o mesmo da virtual: só experimentando é que se compreende o que já é possível fazer (uma das razões da aposta da Apple no mercado móvel). Jogos podem ser giros, mas é o lado prático que faz das funcionalidades da RA algo que nos vai ajudar, e muito. Um dos melhores exemplos é o do vídeo abaixo:

Apontando o telefone para um objeto, passa a ser possível medi-lo com uma régua virtual. Mas a RA não se fica por aí. Lembra-se da app do IKEA? A resposta à pergunta “será que o sofá fica bem na sala”? fica tão fácil de responder como apontar o smartphone para onde queremos. Não só a sala, como a casa toda fica fácil de (re)decorar e escolher os móveis mais acertados.

Outras das funcionalidades que o site de tecnologia Bustle agrega é a solução para o problema de muitos grupos de amigos festivaleiros: perderem um dos membros do grupo no recinto do concerto. O vídeo abaixo mostra como a realidade aumentada e um telefone rapidamente mostram uma seta para o caminho a seguir no mundo real.

Isto apenas com smartphones. Com um wearable de RA passa a ser possível sentarmo-nos à mesa com alguém que esteja no outro lado do mundo (que tenha, pelo menos, uma boa ligação à Internet) e falar como se na mesma sala connosco estivessem.

As funcionalidades da realidade aumentada estão ainda agora a começar a ser desbravadas. Sabendo já o próximo passo (e o seguinte) sabemos para onde a indústria quer que o mercado caminhe. Para o que tudo aponta, vai colmatar algumas falhas que nem os smartphones podiam até hoje preencher No entanto, tudo depende de como os utilizadores vão usar estas novas funcionalidades.