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O primeiro-ministro deu uma entrevista na segunda-feira à TVI e utilizou números do seu Governo como argumentos. A maioria está correta. António Costa acertou na “mouche” quando falou das regras do IVA e no parecer científico sobre a mudança da hora. Sobre os números do emprego e a escolha de anteriores Procuradores Gerais da República, o chefe de Governo disse quase tudo bem (ou factualmente correto). Nas pensões, Costa deu números que nem o próprio ministério da Segurança Social soube dizer ao Observador onde encontrá-los. Por fim, o primeiro-ministro disse uma falsidade quando garantiu que não existiam tensões na geringonça.

Foram criados 321 mil empregos?

A frase
“Os resultados das políticas têm sido bons. 321 mil empregos criados, a esmagadora maioria sem ser a prazo”

O primeiro-ministro tem razão quanto ao número de novos empregos criados. Desde o final de 2015, quando o PS formou Governo, a população empregada passou dos 4.548 milhões para os 4.874 milhões (dados do INE relativos ao segundo trimestre do ano, divulgados em agosto). Ou seja, mais 326 mil pessoas empregadas. O número dos 321 mil postos de trabalho criados tem vindo a ser referido pelo primeiro-ministro e pelo ministro do Trabalho e da Segurança Social, Vieira da Silva, nas últimas semanas.

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Mas António Costa também diz que “a esmagadora maioria” destes novos postos de trabalho diz respeito a contratos sem termo. No mesmo período de análise, o número de trabalhadores por conta de outrem passou de 3.710 milhões para 4.065 milhões, ou seja, mais 355 mil contratos. E destes, 272 mil de contratos sem termo. Ou seja, 76% do total. Na rentrée, em inícios de setembro, Costa usou o mesmo argumento dos postos de trabalho criados, referiu os contratos sem termo, referindo que “três em quatro destes contratos” eram definitivos. Foi mais preciso do que agora.

Conclusão: Praticamente certo

É difícil baixar o IVA na eletricidade?

A frase
“A medida do IVA que calculamos teria esse impacto (os 500 milhões de euros), o que não nos parece comportável. Há outras formas mais saudáveis e que julgamos ser possíveis e nos quais estamos a trabalhar. Temos um problema de défice tarifário que são cerca de três mil milhões de euros. (…) Temos estado a trabalhar para que seja possível reduzir os encargos das famílias. O IVA tem regras muito apertadas. Não podemos mexer discricionariamente”.

A ideia foi lançada em julho pelo Bloco de Esquerda, como alternativa à redução do imposto sobre os combustíveis que a direita quase fez aprovar no Parlamento. E até parecia haver margem orçamental para reduzir o IVA na eletricidade e no gás natural, uma das medidas adotadas no tempo da troika. As contas inicialmente feitas no Ministério das Finanças apontavam para um impacto inferior a 200 milhões de euros e foram discutidas com o Bloco. Este valor nunca foi explicado e causou dúvidas em outras áreas do Governo, onde se desconfiava que a perda de receitas era mais alta.

Nas conversas mais recentes, o impacto na receita já tinha subido para os 400 a 500 milhões de euros por ano, e, segundo números divulgados pelo Jornal de Negócios, poderia mesmo chegar aos 850 milhões de euros, se a descida fosse para a taxa mínima de 6%. O Bloco ainda sugeriu uma solução menos gravosa de limitar o IVA, reduzido a uma parcela da fatura, seja do consumo, seja da potência contratada. Mas este modelo seria difícil de executar tecnicamente e implicaria injustiças sociais. Seria também difícil de negociar com a Comissão Europeia (ainda que existam exemplos, como França).

A negociação difícil com Bruxelas foi, aliás, o argumento invocado pelo Governo espanhol quando afastou o mesmo cenário, no pacote de medidas que anunciou para baixar os preços da eletricidade. E desde que Espanha usou o argumento de Bruxelas, a discussão em Portugal arrefeceu, ao ponto de Carlos César ter, na semana passada, reconhecido que a descida do IVA estava praticamente fora da agenda, o que foi agora confirmado pelo Primeiro-ministro. Não há qualquer sinal de que o Executivo tenha tentado negociar qualquer baixa do IVA na energia com o Comité do IVA da Comissão Europeia, mas António Costa também não o afirmou, limitando-se a constatar a previsível dificuldade do processo, como aliás explicava já o Observador neste artigo.

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António Costa não diz quais são as medidas em cima da mesa, mas aponta no sentido de passar a conta da baixa da eletricidade para as empresas do setor. E já há duas medidas conhecidas: a devolução de 285 milhões de euros de valores recebidos pela EDP no passado, ao abrigo dos CMEC, e que o Governo considerou terem sido pagos sem enquadramento legal adequado, e uma taxa sobre as energias renováveis, cuja receita serviria para abater o défice tarifário, como propôs o Bloco no ano passado.

Conclusão: Certo

As pensões vão subir para 98% das famílias em janeiro e para 68% acima da inflação?

A frase
“A boa notícia é que, nós, no próximo ano teremos 68% das famílias a terem um aumento acima da inflação, 0,5%, já em janeiro. Vamos ter 98% das pensões a serem atualizadas já em janeiro. O que torna o quadro distinto de há dois anos atrás”.

É difícil verificar todas as afirmações do primeiro-ministro neste domínio. Por várias razões. A lei que regula os aumentos automáticos das pensões determina subidas diferentes consoante o valor das pensões. Neste ano, as pensões abaixo de 857,80 euros (dois Indexantes de Apoios Sociais, ou IAS) foram aumentadas em 1,8%, o que corresponde a um acréscimo de 0,5 pontos percentuais à média da taxa de inflação (sem contar a habitação) dos doze meses anteriores ao cálculo, que foi de 1,3% (arrendondada). As pensões entre 857,40 euros e 2.573,40 euros (ou seis vezes o IAS) subiram 1,3% (sem bónus face à taxa da inflação) e as pensões acima dos 2.573,40 subiram 1,05% (a taxa inflação, mas descontando 0,25 pontos percentuais). É isto que resulta da lei e é essa que será aplicada em 2019.

Acresce que o próprio IAS é fixado na mesma lógica. Quando o crescimento real do PIB (a média dos últimos dois anos) se situa entre 2 e 3%, soma-se à taxa de inflação mais 20% da taxa de crescimento do PIB, com um limite mínimo de 0,5 pontos percentuais). Em janeiro deste ano, o IAS foi aumentado em 1,8% (1,3 da inflação mais 0,5 pontos percentuais, porque os 20% da taxa de crescimento do PIB não chegavam ao mínimo fixado, que é de 0,5).

Assim: desconhece-se o valor da inflação (sem contar com a habitação), mas que em agosto estava nos 1,15%; desconhece-se o valor do PIB (para se calcular a média dos dois últimos anos); pelo que também se desconhece o valor da atualização do IAS, essencial para determinar que os “escalões” das pensões e em quanto são aumentadas.

Ainda assim: o primeiro-ministro está certo quando diz que as pensões mais baixas (abaixo de dois IAS) vão ser aumentadas em 0,5 pontos percentuais acima da inflação. Mas não foi possível ao Observador descobrir quantas pensões estão nesta categoria (abaixo dos cerca de 860 euros mensais), mesmo tendo pedido esses dados ao Ministério do Trabalho e da Segurança Social, que tem a tutela desta pasta. Por isso também não é possível aferir se são realmente 68% das famílias que vão ter estes aumentos nas pensões, como disse o primeiro-ministro.

Conclusão: Inconclusivo

Não há tensões na geringonça?

A frase
“Não tem havido tensões particularmente com este ou aquele. A solução governativa tem tido o mérito de ser estável por uma razão fundamental: cada um conhece bem a sua própria identidade, mas respeita bem a identidade dos outros. (…) Essa é a nova moda, dizer que estamos mais próximos do PCP do que do BE. Antes diziam o contrário”.

Como em quase todas as relações, também há tensões na “geringonça”. Há provocações e aproximações táticas a um parceiro para provocar o outro, e vice-versa. Neste último orçamento da legislatura, é facto que as tensões maiores têm sido com o Bloco de Esquerda — e um dos seus fundadores, Francisco Louçã, é o primeiro a admiti-lo. Numa entrevista ao programa da TSF “Às onze no Café de S. Bento”, o bloquista admitiu na semana passada que os socialistas têm tido com os bloquistas “uma estratégia de tensão” que, no seu entender é “absurda”, “suicida” e passa uma imagem de “deslealdade e de cinismo”, que vai contra “o que os portugueses exigem, que é seriedade”.

A verdade é que, a duas semanas da entrega do Orçamento do Estado, os socialistas têm dado sucessivas negas às propostas que os bloquistas vão fazendo — e noticiando como conquistas em vias de ser adquiridas. É o caso da redução do IVA na fatura da eletricidade, que desde julho que Catarina Martins dava como quase certa, e António Costa veio esta segunda-feira, na entrevista à TVI, dizer que não. “Registo que o Governo já aceitou aquilo que é uma proposta do BE há muito tempo, que é a necessidade da redução do IVA da eletricidade”, dizia Catarina Martins no final de julho. Ainda este domingo, numa entrevista ao DN, reforçaria que a redução da conta da luz estaria em marcha, não para a taxa mínima de IVA de 6% mas para a intermédia, de 13%. Mas um dia depois, Costa tirava-lhe o tapete, afastando a possibilidade de uma redução do IVA da eletricidade, que teria um impacto na ordem dos 500 milhões de euros, e admitindo apenas uma redução por via do défice tarifário.

A tensão maior, contudo, foi o episódio da chamada “taxa Robles”, que culminou com um pedido de desculpas de Catarina, e uma assunção de culpa na gestão do processo. O BE estava ainda a recuperar da polémica que levou à demissão do vereador em Lisboa quando, numa entrevista ao Expresso, António Costa dá uma alfinetada ao dizer-se “supreendido”, porque não esperava este tipo de “pecadilhos” de quem “prega com tanta virulência a moral política”. Dias mais tarde, o BE anuncia negociações com o Ministério das Finanças para a criação no OE de uma taxa penalizadora da especulação imobiliária. Os bloquistas diziam até que tinham garantias das Finanças de que iam chegar a bom porto. Mas António Costa e Carlos César puxaram o tapete, com o primeiro-ministro a ser particularmente duro nas palavras: “Não podemos tratar simplesmente esta matéria com propostas feitas à pressa. Deve haver aqui qualquer confusão”. O BE não gostou. António Costa fê-lo “com um cálculo eleitoral”, disse Francisco Louçã na TSF.

Mas há outras: ainda esta semana, o PS chumbou, ao lado do PSD e CDS, um projeto de lei do BE que penalizaria empresas com grandes diferenças salariais entre ordenados de topo e ordenados de base, anunciando em contrapartida um projeto de resolução em nome próprio que defende exatamente o mesmo (mas que acrescenta que esse tipo de medidas tem de ser acertado entre o Governo e os parceiros sociais). O clima de tensão sentiu-se, inclusive, no último debate quinzenal no Parlamento, onde António Costa cortou as vasas à coordenadora bloquista que pediu verba no próximo OE para o estatuto do cuidador informal, enquanto ao comunista João Oliveira transmitiu “confiança, homem”.

Se as tensões são ou não suficientes para pôr em causa a estabilidade da geringonça, aí António Costa tem razão ao dizer que, de facto, não são — em cada processo orçamental tem havido momentos de tensão, mas nunca houve uma rutura e a solução governativa tem-se mantido firme e estável. Mas não é verdade que não haja tensões. Há, e têm sido mais intensas com o BE do que com o PCP, o que se pode explicar em parte com o facto de o eleitorado do PCP ser fixo e o do BE ser mais volátil, e mais partilhado com o eleitorado do PS.

Conclusão: Errado

Sócrates e Passos não conseguiram impor primeira escolha para PGR?

A frase:
“Tive oportunidade de rever a comunicação social da época e os dois últimos procuradores gerais foram fruto de recusas de propostas anteriores, que quer o Governo de Sócrates, quer o Governo de Passos Coelho, apresentaram a Cavaco Silva.”

Há versões diferentes sobre se houve ou não escolhas anteriores nos casos de Marques Vidal e de Pinto Monteiro. Mas a formulação escolhida por António Costa é praticamente à prova de bala, já que remete para o que foi publicado sobre o assunto. Quer em 2006, quer em 2012, quando chegava ao fim o prazo para a substituição do então procurador geral da República, houve notícias na imprensa que davam conta da existência de negociações entre Belém e São Bento, com vários nomes na lista. Ainda no tempo de Jorge Sampaio, foi discutida a possibilidade de substituir Souto Moura, mas os vários nomes postos a circular nunca colheram o consenso entre o Presidente da República, o governo ou, até, os líderes da oposição. Isso mesmo vem relatado na biografia do antigo Presidente da autoria do jornalista José Pedro Castanheira. A sucessão do PGR acabou por ser resolvida já no mandato de cavaco Silva, e é o próprio quem revela no livro “Quintas-feiras e outros dias”, que José Sócrates começou por apresentar “um elemento do Ministério Público”, com boas referências, mas “muito novo na hierarquia”. Cavaco rejeitou a proposta e Sócrates apresenta novo nome, um juiz do Supremo Tribunal de Justiça. Só à terceira é que a escolha foi aprovada por Cavaco Silva, e Pinto Monteiro foi nomeado. Esta versão dos factos contrasta com a versão oficial divulgada à altura pelo governo de Sócrates que garantiu que Pinto Monteiro tinha sido «a primeira e a única opção do Governo».

Essa é, de resto, a narrativa a que todos os governos recorrem quando se trata de apresentar o nome escolhido. Foi isso que fez o próprio António Costa quando foi anunciado o nome de Lucília Gago. E foi também isso que fez a então ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz depois da nomeação de Joana Marques Vidal.

António Costa diz que Lucília Gago “foi a primeira escolha” para ser procuradora-geral da República

A 2 de outubro de 2012, uma semana antes do fim do mandato de Pinto Monteiro, o Diário de Notícias escrevia que Cavaco Silva procurava propostas alternativas ao nome proposto por Passos Coelho, que teria mesmo solicitado um parecer à procuradoria-geral da República sobre as consequências no atraso da nomeação. Ainda em agosto, o jornal Sol publicava uma lista de nomes que estariam a ser negociados entre a ministra da Justiça, o primeiro-ministro e o Presidente da República. Dessa lista não constava o nome de Joana Marques Vidal, que viria a ser a escolha anunciada. E que Paula Teixeira da Cruz garantiu depois ter sido a primeira opção.

Conclusão: Praticamente certo

A ciência recomenda que se mantenha a mudança de hora?

A frase
“Vale a pena seguir o que é a informação da ciência. Se a ciência entende que o regime horário mais adequado é este, quem sou eu para dizer o contrário?”

António Costa referia-se às conclusões do Observatório Astronómico de Lisboa (OAL), que elaborou um relatório sobre o impacto da mudança da hora em Portugal a pedido do Governo. “A discussão detalhada da atual hora legal (com hora de verão) mostra que é a melhor solução para o país”, concluiu Rui Agostinho, diretor do OAL, no relatório. É a este organismo que compete manter e fornecer a hora legal em Portugal. Embora admitindo que pudessem existir algumas mudanças a fazer no atual regime, o professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa escreve que “todas as outras possibilidades que por vezes são debatidas ou são piores ou muito piores”.

O autor do relatório explica quais são as opções que considera piores. Apontando-as, aliás, como cada uma pior que a anterior:

  • Com a hora legal em UTC (Tempo Universal Coordenado) e sem hora de verão, o sol irá nascer por volta das 5 horas, “ou seja, uma madrugada de sol desaproveitada seguida de um final de tarde com menos uma hora de sol”;
  • Para uma hora legal de UTC+1 e sem hora de verão, o sol nasceria entre as 7h45 e as 9 horas durante cinco meses do ano, mas sempre depois das 8 horas da manhã de novembro a fevereiro;
  • Se a hora legal for UTC+1 e existir hora de verão, a noite escura só começará depois da meia-noite desde o início de junho a meados de julho.

Os impactos das opções analisadas e rejeitadas pelo OAL são sobretudo no bem-estar das pessoas que se vêm privadas de algumas horas de sol quando estão (ou já estão ativos) ou têm horas de sol em excesso quando o organismo já se deveria estar a preparar para desligar. Segundo o relatório apresentado, estas opções têm mais impacto na regulação do relógio biológico do que a mudança de uma hora duas vezes por ano.

Sabe porque muda a hora? Esta história tem barbas

Baseando-se na investigação científica que tem sido feita nesta área, o relatório conclui que os estudos “não têm até agora demonstrado a existência de perturbações significativas nas pessoas (em larga escala), que reduzam as suas capacidades na realização da vida quotidiana regular”. O relatório nota que, em algumas pessoas, os efeitos podem manifestar-se ao longo de uma semana, mas não mudar a hora iria afetar a população durante os 210 dias que são abrangidos pela hora de verão. Ajustar a hora de deitar ou levantar pode ser o suficiente para fazer com que a adaptação à nova hora seja mais rápida.

Conclusão: Certo