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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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"Fora da nossa área. Saiam daqui". Confrontos em Madrid após manifestação às portas de bairro confinado

Reportagem. Algumas zonas de Madrid foram confinadas durante 15 dias, mas faltam polícias para controlar se as regras são cumpridas. E há a quem baste atravessar a estrada para circular à vontade.

Reportagem em Madrid

Assim que vê o cordão policial aproximar-se de bastão em punho, o rapaz, ainda adolescente, baixa a medo o cartaz que minutos antes exibia de peito cheio. “Não é confinamento, é segregação”, lê-se. Fá-lo a pedido de alguém mais velho que agora teme a força da polícia. Estão à frente da Assembleia de Madrid, em Espanha, entre um grupo que prefere afastar-se. Outros, porém, enfrentam a polícia com pedras e arremesso de caixotes de lixo e acabam imobilizados à cacetada, para depois serem detidos. Foi o momento mais violento da manifestação desta quinta-feira às portas de uma das 37 zonas confinadas desde segunda-feira, de forma a conter a propagação do novo coronavírus na capital da segunda onda da Covid.

É mais uma manifestação organizada pela Federação Regional de Associações de Vizinhos de Madrid, que já no último fim de semana saiu à rua contra as restrições impostas nalguns bairros. Desta vez, ao movimento, juntavam-se outras reivindicações: exigir a melhoria dos cuidados de saúde primários, contratar mais técnicos de rastreio, abrir os espaços verdes e reforçar os meios de transporte público. Mas, às tantas, a batalha parecia ser entre grupos, dos que vivem em zonas confinadas e dos outros que estão livres dessas limitações.

Quem vive nas zonas sujeitas a medidas mais duras e só pode sair de casa para trabalhar e para as tarefas essenciais sente-se ostracizado em relação a quem vive mesmo do outro lado da estrada e circula livremente.

A intervenção policial foi tão rápida como o serenar dos ânimos. Depois de pedras pelo ar, de polícias a rebolar pelo chão e de manifestantes em sangue, foi montado um cordão de segurança à frente da Assembleia da Comunidade Autónoma, que esta semana tem reunido com o Governo para rever as medidas a adotar.

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Do outro lado da rua, em frente ao Centro Comercial Madrid Sur de Vallecas, os manifestantes ainda tentaram misturar-se com quem passava e quem entrava e saía na zona comercial. Os gritos vinham, depois, como as ondas, ora se ouviam, ora acalmavam. A certa altura uma mulher gritou: “Fora da nossa área. Saiam daqui”, e recebeu exaltação de resposta. Foi aqui que se tocou na ferida do que estava acontecer: quem vive nas zonas sujeitas a medidas mais duras e só pode sair de casa para trabalhar e para as tarefas essenciais sente-se ostracizado em relação a quem vive mesmo do outro lado da estrada e circula livremente.

A polícia, no entanto, continuou estática e em posição estratégica caso precisasse atuar. Chegou a parecer indiferente à onda de impropérios. “Assassinos”, chegou a ouvir-se gritar. “Nossos filhos não são delinquentes”, dizia outra mulher com um cão nos braços. Os manifestantes começaram a regressar a casa aos poucos, e a polícia também. Ficou, por fim, um grupo mais reduzido, que a cada vez que passava uma carrinha da polícia lançava pedras. Não tinham mais de 15 anos, como garantiu mesmo uma das raparigas ao Observador, orgulhosa por fazer frente à polícia.

Manifestação em frente à Assembleia de Madrid

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Do outro lado da rua, tudo muda

Basta atravessar a rua em direção à Puente de Vallecas para que as regras impostas mudem. Enquanto do lado de cá os cafés e restaurantes, por exemplo, podem manter-se abertos até à 1h00, embora deixando de servir à meia-noite, do lado de lá, onde foi imposto o confinamento devido ao elevado número de casos de Covid-19, têm que fechar às 22h00. Para os proprietários é mais uma perda de rendimentos, a somar aos dois meses e meio encerrados pela pandemia. Mas para os clientes fecha-se aquele espaço, e abre-se outro ali do outro lado da rua. É-lhes igual.

Entrar no centro de Vallecas, que na teoria é atualmente um bairro fechado a quem não vive lá, e quem ali trabalha é obrigado a circular como uma declaração laboral, não é, porém, proibido, muito menos dificultado. O Observador entrou no bairro sem se confrontar com qualquer sinalização ou, até, com qualquer intervenção policial.

Não há ninguém a controlar as entradas e saídas de Vallecas

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Falta controlo nos bairros confinados

Sem meios para controlar as restrições impostas nas 37 zonas da capital espanhola mais afetadas pela segunda onda da pandemia, a Comunidade Autónoma de Madrid pediu quarta-feira ao governo apoio logístico militar para esta ações, assim como para a realização de testes e trabalhos de desinfeção. A resposta chegou um dia depois: a ministra da Defesa tem 7.500 militares disponíveis para ajudar já  a partir de segunda-feira.

Alfonso, 50 anos, é morador em Vallecas e também não sabe dizer qual é o perímetro do bairro onde pode estar, e do qual não pode passar. As áreas, segundo explica, são limitadas de acordo com as zonas dos centros de saúde definidos pela Comunidade Autónoma. Problema: um morador pode saber que pertence a determinado centro de saúde, mas dificilmente conhece toda a área territorial do mesmo. “Eu não sei se posso ir para aquela rua ou não, não sei se faz parte do centro de Saúde”, diz Alfonso.

Alfonso, 50 anos, é morador em Vallecas e também não sabe dizer qual é o perímetro do bairro onde pode estar, e do qual não pode passar.

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Restauração sem rendimentos. Donos não sabem como manter o negócio

A trabalhar como representante de jogadores de futebol, Alfonso, no entanto, assume mais o papel de representante  do bairro. Um bairro na periferia de Madrid, a cerca de 10 quilómetros do centro de Madrid, com 230 mil habitantes, e considerado como um bairro mais pobre. “Dizem muito mal do bairro, que há muitos infetados aqui, mas na verdade ainda não conheci nenhum caso”, confessa, sem transmitir qualquer insegurança sobre um possível infetado com que possa vir a cruzar-se.

Espaços antes cheios onde agora não vai ninguém

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Porém, nos números das autoridades de saúde, foi nesta zona que mais contágios se registaram este mês. No cálculo feito de acordo com o número de casos confirmados nas últimas semanas, até ao dia 15 de setembro, por exemplo, Puente de Vallecas teve uma incidência de 1.240 novos casos por 100 mil habitantes, como se lê na imprensa espanhola. Um número muito além de Portugal inteiro, que num período semelhante, como o anunciado quarta feira por Marta Temido, registou uma taxa de incidência de 86,8 por cada 100 mil habitantes.

Entre os prédios altos, maioritariamente da cor do tijolo, Alfonso está sentado na esplanada vazia da cervejaria Cruz Blanca, na Calle Serra de Alquife. Um vazio que, segundo a sua descrição, em nada se coaduna com os tempos áureos daquele espaço antes de encerrar, em meados de março. “Este restaurante é muito conhecido no centro de Madrid, vêm aqui muitas pessoas conhecidas, um deles o embaixador português”, garante.

Antonio Cosmen pega no livro de reservas para sustentar o que descreve ter sido um rombo no negócio. "Chegava a ter reservas com seis meses de antecedência", mostra. O último dia que mais reservas teve foi a 13 de março, antes de ser obrigado a ir de quarentena e de colocar os 19 empregados em lay-off. Hoje, e com a proibição generalizada de consumo ao balcão, tem os empregados de volta, mas os clientes não.

Minutos depois chega Antonio Cosmen, há 15 anos à frente do negócio, sete dos quais sozinho e sem sócio. Homem mais velho, olhos lacrimejantes pela realidade que agora enfrenta, exibe com orgulho já no interior do restaurante, a fotografia tirada  em 2007 com o rei emérito Juan Carlos, agora envolvido em polémica e fora do país. Na mesma parede há vários diplomas atribuídos pelas iguarias ali cozinhadas.

“A nossa especialidade é cozido madrileno”, aguça ele o apetite. Antonio Cosmen pega no livro de reservas para sustentar o que descreve ter sido um rombo no negócio. “Chegava a ter reservas com seis meses de antecedência”, mostra.

O último dia que mais reservas teve foi a 13 de março, antes de ser obrigado a ir de quarentena e de colocar os 19 empregados em lay-off. Hoje, e com a proibição generalizada de consumo ao balcão, tem os empregados de volta, mas os clientes não. Desde segunda-feira que tem circulado nas notícias que o bairro está fechado. “As pessoas têm medo e não vêm”, diz. Os empregados estão sentados à mesa a ouvi-lo, sem clientes para servir. “Não sei o que será feito de mim”. Nem deles.

Antonio Cosmen, que já recebeu a visita do Rei emérito no seu restaurante, chegou a ter listas de espera de seis meses Agora os clientes não chegam para encher o espaço

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Zonas foram definidas de acordo com o número de casos

Das 37 zonas que desde segunda-feira, e durante quinze dias, foram sujeitas a restrições, 26 são mesmo em Madrid e 11 nos municípios de Fuenlabrada, Humanes, Moraleja de Enmedio, Parla, Getafe, San Sebastián de los Reyes y Alcobendas. Esta zonas foram definidas de acordo com a incidência de casos registados nos últimos 14 dias e a proximidade geográfica das mesmas, o que pode permitir que o vírus se propague com a mobilidades das pessoas. Nestas 37 zonas vivem nada mais de 855.193 pessoas, ou seja a população residente nestas áreas equivale a 13% da Comunidade Autónoma de Madrid e concentra 25% dos casos diagnosticados a nível nacional.

Continuam a avistar-se grupos de pessoas e bebe-se álcool na rua

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Aqui só é permitida a entrada e saída de pessoas que possam ir prestar assistência nos centros de saúde daqueles locais, que tenham obrigações laborais ou que prestem apoios a centros docentes e educativos. Também podem entrar e sair sua residência habitual se precisarem de ir à finanças ou ao tribunal.

Em Parla vive-se uma situação semelhante: metade da população não pode comunicar com a outra metade que enfrenta restrições mais apertadas, o que levou esta quinta-feira o responsável por aquela área geográfica a pedir à presidente da Comunidade de Madrid que alargasse as restrições às quatros zonas básicas de saúde que existem na localidade.

Esta sexta-feira, depois de uma reunião com o Governo, a presidente Isabel Díaz Ayuso deverá anunciar novas medidas. Nas zonas onde foram impostas mais restrições, por um período de 15 dias, acredita-se que as medidas se vão generalizar a todos. E os protestos devem voltar às ruas.

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