Esteve sempre entre “os mais novos de sempre” a exercer as funções que foi assumindo, no PS e no Governo, e é nessa condição que chega com apenas 35 anos ao cargo de secretário-geral adjunto – o número dois do partido. Uma escolha de António Costa e que vem furar as lógicas internas em que o partido se vai dividindo: num altura em se sobrepõem as fações —  o pedronunismo e todos os outros ismos presentes e futuros — o líder socialista escolheu dar palco próprio e a chave do aparelho a uma figura que sempre se esforçou por descolar disso mesmo.

Apesar da idade e de ter menos experiência de aparelho do que os seus antecessores, dentro do PS a escolha de João Torres não é exatamente encarada como uma surpresa; antes como mais um degrau na carreira política do que muitos apontam como o líder mais destacado da nova geração socialista.

Torres, que tem experiência de terreno e conhece bem o partido graças aos tempos com líder da Juventude Socialista, é descrito como o primeiro líder que sai da JS em muitos anos sem se encaixar especificamente na lógica do “pedronunismo”. Que tem uma “formação de esquerda”, como aponta um amigo, e é nessa ala que se encaixa melhor ideologicamente, ninguém duvida. Que tem boas relações com os “pedronunistas” e se relaciona facilmente com essa ala do partido, também não. E os mais fiéis a Pedro Nuno juram que, na hora da verdade – isto é, da sucessão de Costa – é com ele que estará.

Mas, na verdade, só o futuro o dirá. Torres tem-se esforçado para ir além disso e por estar à margem desses cálculos políticos. Por agora, dá-se por certo que é leal a António Costa e que tem créditos juntos do primeiro-ministro — conheceram-se quando um era ainda líder da JS e o outro apenas líder do PS. Carlos César, presidente do partido, também lhe reconhece talento e terá tido uma palavra na hora de o escolher como secretário-geral adjunto do partido.

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Depois da geração dos jovens turcos — Pedro Nuno Santos, Duarte Cordeiro e Pedro Delgado Alves, três figuras que migraram da liderança da JS para a primeira linha do partido –, João Torres faz parte de uma “geração que está a tentar encontrar o seu espaço”, nota um deputado que o conhece bem.

O antigo líder da JS Já teve uma primeira oportunidade no anterior governo, como secretário de Estado da Defesa do Consumidor (a que juntaria a pasta do “Comércio e Serviços”). Mas ficar com as chaves do aparelho socialista vai dar-lhe uma margem de manobra e um peso político muito superiores.

Assim, Torres vai desenhando o seu futuro e o trabalho que tem feito para chegar a várias alas do PS e não ficar colado ao espaço político onde se têm encaixado os recentes líderes da JS é valorizado dentro do partido. A escolha como secretário-geral adjunto é apenas a última prova do reconhecimento que vai recebendo pela cúpula do partido.

De resto, Torres acaba por ser um parênteses na história recente da JS. Pedro Nuno Santos deu origem uma espécie de uma sucessão dinástica (Cordeiro e Delgado Alves) e Torres sucedeu-lhes. Depois de dois mandatos, foi a vez Ivan Gonçalves quem conquistou o cargo — ele que sempre esteve associado a Ana Catarina Mendes. Maria Begonha, candidata que Pedro Nuno Santos fez questão de abençoar, ganhou a jota e deu depois lugar a Miguel Costa Matos, também da ala mais à esquerda do PS.

Jogo de equilíbrios

Não seria a primeira vez que o cargo de secretário-geral adjunto (estatuto criado por António Costa) serviria para dar margem de progressão a figuras do partido e equilibrar tendências num PS que muitos dentro e fora do partido dão como entregue a Pedro Nuno Santos.

Em 2015, quando foi criado, Costa escolheu Ana Catarina Mendes, de quem se diz que vai alimentando aspirações de suceder ao atual líder socialista. Depois, o escolhido foi José Luís Carneiro, um dos últimos seguristas na linha da frente do combate político. João Torres é o terceiro assumir um cargo que lhe vai permitir fazer o roteiro da carne assada sem a pressão de ter mostrar resultados eleitorais — as primeiras eleições no horizote são as europeias, em 2024.

No arranque de uma legislatura que se adivinha estável, com um PS absoluto e poucas eleições pela frente (fora as regionais, as próximas são as europeias de 2024) há tempo para maturar as funções.

Na cúpula do PS, aponta-se precisamente a preparação de João Torres. “É um político com forma e conteúdo, o que nem sempre acontece outros e outras camaradas” – mesmo no PS – que chegam a cargos relevantes “beneficiando do resultado de poderes internos e circunstanciais”.

No caso de Torres, são vários os socialistas, deputados e dirigentes, que lhe apontam um “espaço próprio” – o que lhe dá uma margem para construir caminho no PS e mostrar que é “leal a António Costa” sem se preocupar, para já, com lógicas de sucessão.

De que valerá isso no futuro, é difícil prever: há quem lhe aponte capacidade de liderança para ser “o que quiser” no partido, há quem veja as qualidades técnicas e o “metodismo” como mais apropriadas para ser um “nº2”.

O apoio a Pedro Nuno e o convite de César

O caminho começou na JS, há vinte anos, quando procurou – como contava aqui ao Diário de Notícias – a sede da JS na Maia, de onde é natural, e deparando-se com um edifício fechado acabou a ligar para um número do partido que encontrou nas páginas amarelas. Depois disso, filiou-se e foi subindo degraus: ativou a JS na concelhia, coordenou núcleos, foi presidente da federação do Porto e candidatou-se a líder em 2012.

Na jota, Torres apoiou a candidatura de Pedro Nuno. Anos depois de uma lógica de candidatos únicos que se foi prolongando (a última cisão na JS tinha sido na guerra fratricida entre Ana Catarina Mendes e Jamila Madeira, em 2000), quando chegou a sua vez, foi precisamente num jantar promovido pelo próprio Pedro Nuno, em São João da Madeira, que foi anunciada a desistência do candidato que tinha planeado opor-se a Torres, o coimbrense Rui Duarte, abrindo caminho à liderança que se prolongou entre 2012 e 2016.

Na JS, apanhou assim a fase da troika e apostou no discurso contra o que os jovens do PS chamavam a “imigração forçada” supostamente promovida por Pedro Passos Coelho, quando o país estava em crise. Depois da jota, continuou pelo PS dentro: ainda esteve um ano como líder dos jovens socialistas e deputados, pelo que tinha direito, por inerência, a ocupar uma das vice-presidências da bancada parlamentar do PS, mas foi convidado por Carlos César, num almoço na cervejaria Trindade — um clássico lisboeta e pouso clássico do PS — para continuar em nome próprio.

Saiu de deputado para o Governo, tornando-se, à época (em 2018) o secretário de Estado mais novo do Executivo (na altura com a pasta da Defesa do Consumidor, a que somou no novo Executivo de 2019 as pastas do Comércio e Serviços), sob os comandos de Pedro Siza Vieira.

Na direção socialista esse trabalho no Governo é visto como uma prova da sua competência: confrontado com pastas difíceis em tempos de pandemia, que implicavam o diálogo com setores muito distintos e em crise – dos cabeleireiros às discotecas, passando pelos centros comerciais – é apontada a sua preparação técnica e “inteligência política”, mas também a capacidade negocial.

Quem acompanhou o trabalho de Torres nessa altura lembra as suas intervenções no desenho dos apoios pandémicos e a aposta na digitalização das reclamações do consumidor. Mas também se lembra de o ver “andar com excels na mão a dizer que as pessoas estavam a ser enganadas” quando o Governo decidiu controlar a diferença entre os preços originais e os de saldo – a experiência como engenheiro e o jeito para “aritmética e matemática” ajudavam.

Na esquerda do partido, graceja-se: “Estar com o Siza Vieira deu-lhe outra amplitude…”. Outros corrigem: “É equilibrado, um moderado. É de esquerda, não é um esquerdista”.

PS luta para recuperar os jovens

Agora, com as chaves do partido na mão, a ideia passa por tentar aproveitar uma das características de Torres – a juventude – a favor do partido: o PS tem o diagnóstico feito sobre os setores onde está a perder eleitorado e tem noção de que precisa de atrair os mais novos. Tanto em 2019 como nas legislativas de janeiro a conclusão de sondagens pré-eleitorais e estudos posteriores foi clara: o PS continua mais forte entre o eleitorado mais velho, perdendo os jovens e os mais instruídos para a direita.

Torres, apontam vários socialistas, terá assim o encargo de ajudar a “digitalizar e modernizar” o partido e a torná-lo mais “sexy” para os jovens, precisando para isso de mostrar alguma “irreverência” na forma como organizará o PS.

Para já, Torres conta com um timing suficiente para preparar o próximo ciclo e, por seu lado, trabalhar o PS e assumir o “aparelho” em full-time. As próximas provas serão prestadas no partido.