Os produtores apelaram e o efeito não tardou a materializar-se. Entre agosto e setembro, o preço do leite teve aumentos visíveis nas prateleiras dos supermercados. No cabaz de produtos básicos que o Observador prepara desde abril, para avaliar o impacto da inflação nos alimentos, é no leite e no açúcar que se encontram as subidas de preços mais expressivas. Noutros produtos, apesar de as cotações dos alimentos, como os cereais, estarem em queda, essa tendência ainda não é sentida no carrinho de compras.

No cabaz preparado em agosto, um litro de leite Mimosa custava, nos sites dos três supermercados consultados pelo Observador, 0,77 euros, sem promoção. Com desconto, o preço era de 0,69 euros em duas superfícies. Em setembro, o aumento foi generalizado. Todos os supermercados vendem agora o mesmo litro de leite a 0,84 euros. Uma promoção aplicada pelo Continente coloca o preço nos 0,75 euros. Ou seja, quase o mesmo do valor praticado em agosto sem promoção. Face aos 0,77 euros do mês passado, o aumento foi de 9%.

A subida é ainda mais expressiva quando a comparação é feita com os valores de abril, mês em que foi realizada a primeira recolha de preços. O litro de leite custava então, em dois dos supermercados, 0,62 euros. Em cinco meses, o preço do leite aumentou 35,5%.

Esta semana, a Associação dos Produtores de Leite de Portugal (Aprolep) apelou às cadeias de supermercados para que subam o preço ao produtor, com o objetivo de se atingir um valor médio de 50 cêntimos por quilo. Nesta altura, o preço médio praticado é de 43 cêntimos. Os produtores que fornecem a marca Pingo Doce, após uma atualização dos valores, já irão receber os 50 cêntimos reivindicados.

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Produtores de leite apelam aos supermercados que subam preço ao produtor

Também esta semana, em entrevista à Rádio Renascença, o presidente da Agros defendeu que “o paradigma do leite excessivamente barato acabou”. Idalino Leão afirmou que atualmente é “mais caro em cerca de 50% produzir um litro de leite” face ao período que antecedeu a guerra na Ucrânia, em fevereiro deste ano, enquanto o preço do leite “subiu à volta de 18 a 20%” para os consumidores. Ao que tudo indica, a tendência de subida não terminará por aqui.

“Leite excessivamente barato acabou”. Presidente da Agros defende aumento do preço como única solução para travar colapso do setor

O cabaz selecionado pelo Observador desde abril pretende acompanhar a evolução dos preços dos produtos selecionados a cada mês, no atual contexto de inflação elevada. O cabaz é composto por um conjunto de bens considerados essenciais para uma família com filhos. São eles ​​óleo alimentar, atum, farinha, arroz, massa, bolacha Maria, cereais Corn Flakes, leite, farinha láctea, maçãs, bacalhau, frango, feijão, ovos, açúcar, pão, papel higiénico e fraldas. As comparações têm como base os preços verificados no primeiro dia de cada mês — a recolha de setembro foi efetuada no dia 2 — nos sites de três hipermercados. O objetivo desta análise não é fazer comparações entre superfícies comerciais.

Além do leite, outro produto chamou a atenção pela subida expressiva de preços registada entre agosto e setembro: o açúcar. No mês passado, o preço de um kg de açúcar Sidul branco oscilava entre os 0,79 euros e os 1,17 euros nos três supermercados consultados. Ao segundo dia de setembro, o mesmo quilo de açúcar já custa entre 0,89 euros e 1,19 euros, o que se traduz em aumentos entre 12% e 31%. Isto apesar de o indicador que mede os preços do açúcar nos mercados internacionais ter registado uma quebra de 2,1% em agosto face ao mesmo período do ano passado, estando agora no nível mais baixo desde julho de 2021.

Já os preços dos restantes produtos do cabaz oscilaram pouco nos últimos 30 dias. Tal como notado nos últimos meses, as maiores diferenças, tanto para cima como para baixo, devem-se ao efeito das promoções praticadas pelos supermercados. Esse impacto é evidente, por exemplo, no preço do óleo alimentar, um dos produtos mais pressionados pela guerra na Ucrânia, já que o país é um dos principais produtores mundiais de óleo de girassol. Pelo segundo mês consecutivo, os três supermercados aplicam ao óleo uma promoção de 20%. Mesmo sem este desconto, o preço deste produto está mais baixo do que o praticado em abril, quando o impacto do conflito se fez sentir em força no óleo.

Jogo das promoções equilibra cabaz pressionado pela inflação. Mas há aumentos de 16% desde abril

De resto, as cotações dos alimentos estão, de forma generalizada, a descer, algumas para níveis pré-guerra, como os cereais. Segundo a versão mais atualizada do índice da FAO, publicada esta sexta-feira, os preços desceram pelo quinto mês consecutivo, para mínimos de janeiro. Em agosto, o indicador que mede a variação mensal dos preços dos bens alimentares essenciais nos mercados internacionais — carne, óleos vegetais, laticínios, cereais e açúcar — recuou 1,9%. Uma quebra na procura por alguns produtos e o aumento sazonal da produção de outros explica a diferença, refere a FAO. O índice está, mesmo assim, ainda 8% acima do registado no mesmo período do ano passado.

A produção global de cereais caiu 1,4% face ao ano passado. Já os preços do trigo recuaram 5,1% em termos mensais, o que acontece pelo terceiro mês consecutivo, graças a “melhores perspetivas” sobre a produção na América do Norte e na Rússia, mas também pela retoma das exportações nos portos do Mar Negro na Ucrânia. O preço dos óleos vegetais caiu 3,3%, tendo ficado “ligeiramente abaixo” dos níveis de agosto de 2021, o que a FAO atribui ao aumento da disponibilidade de óleo de palma da Indonésia, motivada por taxas de exportação mais baixas, e à retoma das exportações de óleo de girassol da Ucrânia.

O preço dos laticínios recuou 2%, mas ainda está 23,5% mais elevado do que no período homólogo. Por sua vez, a carne ficou 1,5% mais barata em agosto face ao mês anterior, mas também ainda se mantém 8% mais cara do que em agosto de 2021.

Segundo a análise da FAO, estas quebras “podem vir a proporcionar algum alívio aos consumidores que se debatem com a crise do aumento do custo de vida”. Mas não será imediato, como se vê pelo cabaz do Observador. Além disso, refere a organização da ONU, “os preços dos alimentos ainda estão muito elevados”, sendo que a preocupação da FAO reside, especificamente, no preço dos cereais.

Em Portugal, a inflação abrandou em agosto face a julho, de 9,1% para 9%. Mas os economistas ouvidos pelo Observador notam que ainda não é tempo de acreditar numa descida generalizada dos preços. Nos produtos alimentares não transformados, houve uma escalada dos preços de 13,2% em julho para 15,4% em agosto.

Subida dos preços abrandou em agosto. Mas ainda é cedo para acenar a bandeira das tréguas

O Governo remeteu para a próxima segunda-feira a apresentação de um conjunto de medidas de alívio do impacto da inflação para as famílias, o chamado “pacote de emergência”, que poderá incidir em temas como as pensões ou o IVA de alguns produtos. O Conselho de Ministros extraordinário que vai determinar a receita do Governo tem início marcado para as 15h no Palácio da Ajuda.