Discurso de Marcelo Rebelo de Sousa

na renovação do estado de emergência (o 14º em um ano)

Portugueses, há duas semanas, na Assembleia da República, lembrei o que todos queremos: que o desconfinamento seja sensato e bem-sucedido. E acrescentei – com testagem, rastreio e vacinação. É este o nosso desafio imediato. A começar nos próximos dias até à Páscoa.”

Depois de não ter feito uma comunicação ao país há 15 dias, Marcelo Rebelo de Sousa começa fazer uma justificação dessa ausência: lembra que nessa semana já tinha comunicado aos portugueses (durante a tomada de posse) como achava que deveria ser o desconfinamento. “Sensato” é a palavra-chave, que significa que defende que seja lento e progressivo, por oposição a um desconfinamento mais ambicioso, que chegou a ser dado como hipótese nos dias que antecederam a apresentação do plano por parte do Govenro. Marcelo e Costa estão agora com uma estratégia afinada, mas nessa semana o Presidente deixou o primeiro-ministro a explicar sozinho o plano na televisão ao país.

Um desconfinamento bem-sucedido exige testar e rastrear, desde logo, as escolas que já abriram e aquelas que irão abrir depois da Páscoa. É um esforço enorme, mas essencial para garantir a confiança e reforçar a segurança. Um desconfinamento bem-sucedido exige, também, vacinar mais e mais depressa.”

Para Marcelo o desconfinamento tem de seguir um triângulo indispensável: testar-rastrear-vacinar. Além de exigir que se faça tudo isto em massa, o Presidente mostra desde logo a preocupação com um momento específico: a Páscoa. Acabaria, aliás, por repetir essa preocupação várias vezes ao longo do discurso. Esse rastreamento e testes são essenciais para que não se repita no pós-Páscoa a tragédia que foi o pós-Natal. Sobre as vacinas, reitera o aviso de sempre e de outras comunicações anteriores ao país: é preciso vacinar mais e mais depressa.

Nas últimas semanas, duas questões preocuparam os portugueses, e, para sermos verdadeiros, muitos europeus. A primeira questão foi a do atraso no fornecimento de vacinas, obrigando a reajustamentos no calendário traçado no final de 2020. Esperamos que esta questão possa ser, finalmente, ultrapassada durante o segundo trimestre. Ou seja, já a partir de abril. E, que naquilo que de nós dependa, tudo façamos para recuperar o tempo decorrido, convertendo o milhão de primeira toma, e o meio milhão de duas tomas de agora, nos 70% de imunizados em setembro.”

O Presidente da República elege duas grandes preocupações dos portugueses nas últimas semanas e a primeira que refere é que o país não teve à sua disposição tantas vacinas como previa quando foi desenhado o plano de vacinação no final de 2020. O chefe de Estado, como tem dito nas últimas intervenções públicas, está confiante que esse problema vai ser ultrapassado. É uma prova de confiança quer nas autoridades nacionais, quer na gestão europeia do fornecimento de vacinas aos Estados-membros. O otimismo de Marcelo neste capítulo vai ao ponto de secundar a meta do Governo e da task force do vice-almirante Gouveia e Melo, que apontam setembro como a data em que o país atinge a imunização de grupo, com 70% da população imunizada.

A segunda questão foi mais perturbadora. Surgiram dúvidas e, depois, decisões individuais de vários Estados da União Europeia suspendendo o recurso a uma determinada vacina. Esta questão acabou por ser resolvida com a intervenção da Agência Europeia do Medicamento, que confirmou a segurança e a eficácia da vacina suspensa.”

Marcelo Rebelo de Sousa é aqui particularmente duro para a forma como vários países suspenderam a vacina da Astrazeneca, definindo este ato como uma questão “perturbadora”. O Presidente — sempre atento à forma como comunica aos portugueses — opta por dizer “uma determinada vacina”, com o objetivo de não contribuir para a desconfiança relativamente à vacina da Astrazeneca. Marcelo sabe que a suspensão foi uma ‘machadada’ na confiança dos portugueses na vacinação (e nesta vacina em particular) e, também por isso, optou por reiterar que a vacina é segura e eficaz. Além disso, o chefe de Estado faz uma crítica a todos os Estados que decidiram suspender de forma “individual” a vacina. Ora, isto é também uma crítica ao Governo português, que foi um dos que suspendeu a vacina — embora tenha a atenuante de ter sido o 19º país a fazê-lo, já sob grande pressão.

Testar, rastrear e vacinar são essenciais para um desconfinamentobem-sucedido. Mas não bastam. Como disse no dia 9 de março, é preciso sensatez. E, desde já, sensatez durante a semana da Páscoa. São dias muito importantes, porque a Páscoa é, entre nós, um tempo de encontro familiar intenso, em particular, em certas áreas do Continente e nas Regiões Autónomas. E as confissões religiosas, que vão celebrar a Páscoa, sabem-no melhor do que ninguém e têm sido exemplares na proteção da vida e da saúde.”

O Presidente não esconde que está muito preocupado com a Páscoa. É o trauma do Natal passado. Marcelo Rebelo de Sousa sabe que no período pascala muitas famílias do país se encontram da forma mais perigosa: em grupo e à mesa. É o que o chefe de Estado chama de “encontro familiar intenso”. Na quadra natalícia, os políticos deram um sinal de relaxamento, não foram dadas regras concretas de convívio familiar, os portugueses não terão tido todo o cuidado necessário e ainda se juntaram novas e mais perigosas variantes do vírus. O resultado foi um janeiro mortífero e uma das piores fases da pandemia, com milhares de mortes e os serviços de saúde no limite. Uma palavra ainda de elogio para a Igreja Católica: “Têm sido exemplares”. Que é também um aviso: “Sabem-no melhor que ninguém [que é preciso proteger a vida e a saúde]”.

Por outro lado, a renovação do estado de emergência, que eu hoje decretei, vai vigorar até ao dia 15 de abril. Ou seja, para além do tempo pascal. E aí haverá mais escolas, mais atividades económicas e sociais abertas e muito, muito maior circulação de pessoas. Temos de dar esses passos, de modo a que os números de infetados, de internados em cuidados intensivos e de mortos, assim como o indicador de transmissão ou contágio, não invertam a tendência destes últimos dois meses, nem aumentem por forma a travarem o que todos desejamos – o esbatimento da pandemia antes do Verão. Vivemos, nestes dias, um tempo de alívio e de esperança. E é bom recordá-lo – graças aos sacrifícios, de dois meses, de milhões de Portugueses. Façamos deste tempo, um tempo definitivo, sem mais confinamentos no futuro.”

Marcelo Rebelo de Sousa já tinha dito aos partidos que esperava ganhar o verão nas próximas semanas. E que isso era muito importante para a recuperação económica de setores essenciais para o país, como o turismo. O Presidente quer que os números se mantenham até ao verão como estão agora: em curva descendente. É um sinal de que a Páscoa é importante, mas o pós-Páscoa, o momento em que regressa à escola a esmagadora maioria da comunidade escolar (para já, só voltou o 1º ciclo) também será fundamental para o sucesso do desconfinamento.

 Testemos, vacinemos, mas, cumpramos, também, as regras sanitárias, contendo o risco de infeção. E se assim for, ao longo da execução do Plano de desconfinamento, criaremos as condições para sair do estado de emergência. Os Portugueses sabem, que o estado de emergência tem existido para dar solidez jurídica reforçada às medidas restritivas indispensáveis em tempos de mais severo combate à pandemia.  Isto porque vigora, desde 1986, uma Lei específica sobre estado de sítio e estado de emergência que legitima expressamente as medidas restritivas que venham a ser tomadas no decreto presidencial sobre estado de emergência. Quanto mais depressa as restrições possam ser levantadas, mais depressa será possível abrir caminho ao fim do estado de emergência. O que, como percebem, é, obviamente, o desejo do Presidente da República.”

O Governo chegou a ponderar criar um instrumento jurídico que dispensasse o estado de emergência durante o desconfinamento, mas essa solução morreu no início da semana. E pelos dois gestores da pandemia: Costa e Marcelo. Na segunda-feira, o próprio Presidente da República fez questão de dizer que era “muito provável” que o estado de emergência durasse até maio. António Costa veio dizer o mesmo no dia seguinte. Os dois ainda receberam o conforto de Rui Rio (o PSD é necessário para as renovações), que garante a aprovação enquanto for necessária. O Presidente explicou que assim se evitaria dúvidas, querelas jurídicas sobre a constitucionalidade/insconstitucionalidade das medidas restritivas que se mantêm ao longo do plano — que com estado de emergência estarão sempre “legitimadas”. Marcelo confessa ainda que, assim que for possível, deixa de decretar o estado de emergência. É esse o seu “desejo”: que acabe quanto antes e que não vá para lá de maio.

Estamos mais perto do que nunca. Mas ainda não chegámos à meta que desejamos: um Verão e um Outono que representem mesmo o termo de mais de um ano de vidas adiadas, de vidas atropeladas, de vidas desfeitas. Há, ainda, caminho a fazer. Há, ainda, precaução a observar. Há, ainda, moderação a manter. Tudo a pensar no próximo grande desafio que se nos impõe: reconstruir tudo aquilo que a pandemia destruiu. São apenas umas semanas, mas umas semanas que bem podem valer por muitos meses e anos ganhos na vida de todos nós. E comecemos já pela Páscoa, antes ainda das aberturas de abril e de maio. Com prudência. Com sentido de solidariedade, com esperança acrescida de futuro. Portugal merece-o. Todos nós, Portugueses, o merecemos.”

Marcelo Rebelo de Sousa deixa uma mensagem de esperança, de quem naufragou, mas já consegue ver a praia: “Estamos mais perto do que nunca.” Ao mesmo tempo, coloca um travão no entusiasmo, lembrando o “caminho que há a fazer” (na vacinação e testagem), a “precaução a observar” (as novas variantes, os países à volta que voltaram a confinar) e ainda a “moderação a manter” (no processo de desconfinamento). O Presidente da República é claro: só se ganham as novas aberturas de abril e maio (as “esplanadas dos restaurantes”, que Eduardo Cabrita, horas antes, prometia serem possíveis no debate da renovação do estado de emergência), caso os portugueses moderem os convívios e os contactos nas próximas semanas. O Presidente diz mesmo que são “apenas umas semanas”, mas que “bem podem valer” por muitos meses ou anos.