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Entrevista à escritora portuguesa, Maria Filomena Mónica, autora de uma longa lista de livros, entre os quais, o seu último "Duas Mulheres", editado este ano pela Relógio D'Água. 15 de Novembro de 2022, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
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Maria Filomena Mónica acaba de lançar o livro "O Político e o Cientista: Sócrates e Boaventura"

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Maria Filomena Mónica acaba de lançar o livro "O Político e o Cientista: Sócrates e Boaventura"

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Maria Filomena Mónica: "Havia qualquer coisa em Sócrates que não batia certo"

No seu novo livro, "O Político e o Cientista", Maria Filomena Mónica olha para a natureza de duas figuras polémicas: Sócrates e Boaventura de Sousa Santos. Em entrevista, fala sobre os dois.

Maria Filomena Mónica foi a convidada desta quarta-feira de José Manuel Fernandes e Carla Jorge de Carvalho no programa Contra-Corrente, da Rádio Observador. O novo livro da autora e socióloga, “O Político e o Cientista: Sócrates e Boaventura” (Relógio d’Água), serviu de ponto de partida para uma conversa que abordou temas como o estado da classe política, a cultura de assédio no meio académico, a normalização da “cunha” na sociedade portuguesa e os avisos que a própria autora recebeu a propósito do novo livro.

No livro, fala de Portugal como um país triste e compara-o com o Reino Unido. Porquê?
O Reino Unido tem dos campos mais férteis da Europa. Chove quando deve chover, faz sol quando deve. O solo é provavelmente um dos mais ricos, por isso é que no século XVIII a agricultura em Inglaterra já era tão próspera. E depois deram o salto para a Revolução Industrial, que começou ali porque havia também artesãos relativamente qualificados. Nós não tínhamos nada disto.

Sócrates, Boaventura são as elites que merecemos?

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JMF: Mas não é também um problema de tradições culturais e políticas? A Filomena fala, logo no primeiro capítulo, da tradição da Magna Carta, na parte em que fala da justiça.
Uma coisa liga-se à outra. Sendo o solo tão rico, os nobres ingleses não viviam em Londres. Tinham aquelas casas, que vemos em séries como o The Crown, casas residenciais nos seus campos, era como se fossem pequenos reis daquelas propriedades. Tinham os trabalhadores que cultivavam os campos, sentiam-se de certa maneira como pais ou padrinhos dos seus trabalhadores. Não quer dizer que não os explorassem, exploravam, como toda a gente que está em condições de poder faz. E o que acontecia é que, havendo estes feudos por todo o país, o Rei acabava por ter “rivais”. E os barões reuniram-se e consideraram que tinham tanto ou mais poder que o rei, desde que estivessem reunidos. O que eles queriam era várias coisas, entre as quais uma justiça igual e que o rei respondesse pelo que fazia perante eles (não estou a falar no povo, não havia sufrágio universal). O que o rei fazia tinha que ser sancionado, daí a Magna Carta. Nem sequer tem a ver com democracia, tem a ver com liberdade. Eles podiam fazer o que queriam nos seus terrenos e o rei tinha de acatar através de uma espécie de parlamento.

"Interessam-me os direitos humanos, as escolas, uma menor desigualdade entre as classes sociais, que é enorme em Portugal. Agora, se o aeroporto é construído em Cacilhas ou em Freixo de Espada à Cinta, não me posso pronunciar sobre isso, não são discussões de fundo."

Há uma coisa que diz e que de alguma forma está relacionado com estas duas figuras do livro. Uma é um provérbio do Barroso: “Um homem, para ser rico, ou há de herdar ou há de roubar”; e outro provérbio da Beira: “Quem não rouba e não herda, não sai da m****”. Estes provérbios dizem alguma coisa sobre Portugal?
Dizem. Numa primeira abordagem, dizem logo que o povo odeia os ricos. Odeia, inveja, despreza e sente que eles enriqueceram mal. Ou seja, não foi através da inovação tecnológica, como sucedeu na Revolução Industrial, não foi em virtude de disputas internas no que diz respeito ao comércio… Nós poderíamos viver do comércio internacional durante as Descobertas. É uma pergunta que me fazem muitas vezes estrangeiros. “Então, mas vocês fizeram os Descobrimentos e agora estão para aí nessa miséria?”. É difícil explicar, mas parte do dinheiro e dos bens que vinham das nossas colónias não ia para senhores locais, como se fazia em Inglaterra — ia para a coroa. Os produtos que vinham do Brasil, por exemplo, não enriqueceram a sociedade, enriqueceram a coroa. Daí o Convento de Mafra, daí a Basílica da Estrela e alguns outros monumentos. Portanto, a noção de riqueza só é respeitada (e nem sempre) quando as pessoas que estão na mó de baixo notam que os patrões têm algum mérito. Claro que, se olharmos para os EUA, por exemplo, os patrões também são odiados na “versão Trump”, para citar o exemplo máximo, e também há aldrabices. Mas, apesar de tudo, há patrões que no século XIX construíram habitações próprias para os seus trabalhadores, com casas de banho, etc. Havia uma tradição paternalista que, de resto, é engraçado ver, se transpôs para Portugal quando as companhias eram inglesas. Uma vez fiquei muito espantada, no meio do Alentejo, há lá umas minas…

… as minas de São Domingos.
Isso. Resolvi passear pelas minas de São Domingos, quando andava interessada na classe operária, e vi imensas casinhas, todas iguais. Falei com alguém e explicaram que aquelas casinhas tinham sido elaboradas e construídas por ingleses e que eles tinham feito uma data de casas, todas iguais, tipicamente alentejanas, para darem conforto aos seus trabalhadores. Isso sucedeu em múltiplas regiões de Inglaterra. Não quero com isto que se pense que em Inglaterra, durante a Revolução Industrial, não houve exploração — basta ler o Engels para perceber as condições da classe operária em Inglaterra. Cá, as condições materiais são diferentes. O solo, os rios são ao contrário, chove quando não deve… parece que tivemos um acumular de azares que não deram origem a um impulso de renovação da sociedade.

Isso só por si não justifica o Sócrates, nem o Boaventura.
Não. O que justifica o Sócrates é a classe política ser o que é, e principalmente, na minha opinião, a lei eleitoral, em que votamos num boneco. Eu tenho anulado o voto, mas porque pertenço a uma geração que ainda viveu sob o salazarismo, e eu, ainda por cima sendo mulher, não podia votar. Portanto, fiquei toda contente no dia 25 de Abril de 1975 por poder ir votar — e fui. Mesmo agora, em conversas com as minhas netas, digo: “Vou votar e risco tudo.” E elas perguntam: “Então, porque é que a avó vai?”. É porque sinto que, apesar de tudo, ir votar é uma obrigação.

Mas a classe política não mudou nada depois de Sócrates? Não encontra nenhuma espécie de autocrítica sobre aquilo que aconteceu por parte dos políticos?
Não. Quem é que se vai interessar por uma discussão quando o resultado é ir votar num punho ou numa foice e martelo? Não se discutem coisas substanciais, a lei eleitoral, por exemplo, não é discutida. Portanto, se não são discutidas coisas essenciais… Estou farta de ouvir falar no aeroporto, mas, como não sou especialista em aeroportos, não me interessa. Interessam-me os direitos humanos, as escolas, uma menor desigualdade entre as classes sociais, que é enorme em Portugal. Agora, se o aeroporto é construído em Cacilhas ou em Freixo de Espada à Cinta, eu não me posso pronunciar sobre isso, não são discussões de fundo.

"Para ser político não é preciso doutoramento nenhum, nem sequer licenciatura. É preciso ter duas ideias na cabeça, nomeadamente diminuir as desigualdades sociais entre ricos e pobres."

Na academia, as acusações de assédio contra Boaventura Sousa Santos também não levaram a nenhum sobressalto?
Olhe, é curioso porque o caso surgiu quando eu já estava a escrever o livro. Foi um livro que surgiu gradualmente na minha cabeça, sem pensar escrever. Comecei logo a acompanhar o Sócrates. Não sei se era o olhar, a maneira como ele se movia, as frases que ele dizia… havia qualquer coisa nele que não batia certo. E quando ele diz, depois de deixar de ser primeiro-ministro ,”Ah, que maravilha! Agora quero ir para Paris passear-me com um laptop debaixo do braço”, é de alguém que não quer ir estudar, quer passear-se ao lado de intelectuais. Para mim, era tão absurdo que alguém dissesse isto que me espantou, não só que ele o tivesse o dito como que tivesse sido aceite por muita gente.

Ninguém viu ou não quis ver?
Não sou capaz de dizer. Mas as afirmações dele são de uma pessoa com um enorme complexo, social mas também intelectual. Ele achou que era muito importante ter um doutoramento. Para ser político não é preciso doutoramento nenhum, nem sequer licenciatura. É preciso ter duas ideias na cabeça, nomeadamente diminuir as desigualdades sociais entre ricos e pobres. Não é preciso fazer um doutoramento sobre Kant ou sobre Engels. Além de que ele não tinha preparação nenhuma para fazer doutoramento nenhum, como se vê pelas intervenções e pelos resultados dos livros — até teve de pagar a um professor da Faculdade de Direito que não sei o que é que continua a fazer lá. Isso são as questões internas da academia, que também são frescas. No fundo ficou sempre ressabiado contra os ricos, contra as pessoas de Lisboa…

Comecei a acompanhar Sócrates e, de repente, surgiu o Boaventura Sousa Santos, que como digo só conheci no máximo duas vezes, e tinha lido algumas coisas dele que são completamente contrárias àquilo que eu penso ser a sociologia. O máximo, para mim, foi a ideia da tese — ele chama-lhe de doutoramento mas estou para ver, a Universidade de Yale tem muito graus que não o de “PhD”, o doutoramento. Mas ele mentiu. Esteve nas favelas três meses, de certeza a sofrer imenso com os outros habitantes das favelas, e depois veio para a Europa dizer que o que era preciso era nós seguirmos o caminho do Terceiro Mundo. Era o que mais faltava. Basta olhar para o que se passa em África para perceber que os direitos humanos não são respeitados, mas isso não lhe interessa. Comecei a ler os estudos dele, até tenho cá em casa a tese de doutoramento dele traduzida. E faz-me muita impressão que os professores das Faculdades de Direito não façam uma recensão crítica àquela tese. Eu não sou jurista, mas há ali provavelmente coisas que que um professor diria que estão mal ou bem… aquela tese e todo este tipo de sociologia que tem surgido na sequência dele, é o contrário do que devia ser a sociologia, E foi por aí que eu comecei, escrevi alguns artigos a dizer que aquilo era uma endoutrinação dos alunos. Não fazia ideia que ele tinha tantos alunos e assistentes – eram cento e tal alunos, um mundo enorme, e ele ia para lá pregar aquela sociologia do Terceiro Mundo, argumentando que tinha imensas vantagens ao passo que a Europa estava decadente…

Já estava a escrever este livro quando surgiu a bomba do assédio sexual. Eu juro que nem me passou pela cabeça. Estive com ele uma vez, em Coimbra, olhei para ele e achei que era um homem muito feio – para mim, a beleza é importante e ele era feio. Nem que me dessem dois doutoramentos de borla eu me deixava ser assediada pelo professor Boaventura Sousa Santos. É evidente que as meninas podem dizer que não, mas se disserem que não, não progridem na carreira, ficam onde estão. E, portanto, ele conseguiu. Eu soube disto porque saiu um capítulo de um livro inglês (eu não conheço a editora mas não fiquei com boa impressão) em que vários assistentes o denunciavam.

Agora não sei como é que vai acabar. O Boaventura foi tão parvo que se auto-incriminou no artigo e disse que quem nascia nos anos quarenta estava habituado a ir para a cama com as alunas e subordinadas. Eu nasci nos anos quarenta e nunca ninguém me obrigou a ir para a cama, à força. Não sei, deve ter uma beleza interior que faz com que as pessoas cedam, e cedem porque querem prosseguir na carreira, é simples. E isto não se passa só naquela faculdade. Ali é mais tenebroso pelo dinheiro que envolve, porque o dinheiro é da Europa, vem para Portugal, e depois candidata-se e ganha sempre.

"A cunha está completamente enraizada, praticamente todas as pessoas que me rodeiam, que conheço e algumas que respeito, metem cunhas de muitas maneiras."

É por isso que fala do caciquismo nas universidades portuguesas?
É. Ele é um cacique intelectual, que com o meu dinheiro (que eu também pago o dinheiro para a Europa) convence as assistentes a irem para a cama com ele, para depois passarem a assistentes estagiárias, a auxiliares e, finalmente, a catedráticas. Se não forem para a cama com ele, se calhar vão para a rua pedir esmola. E não é só em Coimbra. O que há de particular em Coimbra é o âmbito ser tão grande, é haver tanta gente sujeita aos desejos de um homem, que é o Boaventura Sousa Santos. E um homem que se diz de esquerda, quando tudo quanto ele escreve ou faz não é de esquerda. Aquilo não é de esquerda, é uma teoria maluca que nasceu nos Estados Unidos, já no pós-Segunda Guerra Mundial, que destrói a genuína sociologia. Se quisermos, em última análise, o livro do Engels, A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, é um livro sociológico. É um livro de alguém que estudou, que esteve no meio operário, embora fosse patrão.

Ou os livros do Orwell, de que a Filomena gosta tanto, por exemplo.
O Orwell, para mim, é o melhor sociólogo contemporâneo. É o oposto do Boaventura, que tem umas ladainhas que ele chama de “pós-modernistas”, porque não se entendem – como não se entendem, são pós-modernistas. São asneiras.

Diz também que a “cunha” é uma instituição nacional. Aqui também há diferenças entre os países latinos e os países do norte da Europa. Não saímos disso?
Infelizmente, não. A cunha está completamente enraizada, praticamente todas as pessoas que me rodeiam, que conheço e algumas que respeito, metem cunhas de muitas maneiras. Conheço as cunhas da universidade porque já me meteram a mim. Eu rio-me, claro.

Nunca cedeu a um desses pedidos?
Não, nunca cedi. Lembro-me que uma vez estava num júri, eu e mais dois colegas meus que eram masculinos. Estava uma aluna numa oral – e também há uma parte de culpa delas, era verão, era junho, altura dos exames, e ela estava com um grande decote, com as mamocas todas de fora e com shorts, e o que ela dizia eram disparates pegados. Nessa altura, havia a tradição de que ninguém chumbava, como se ainda estivéssemos em 1977, no pós-revolução. Deixei de ensinar, entre outras razões, por isso, porque o ethos da universidade não era igual ao meu. No fim, quando o júri se reuniu, um deles dizia “Não sejas chata, dá-lhe pelo menos um 13 ou um 14”. E eu disse: “Não dou, o que ela diz não rima com nada”. Até que o outro virou-se para mim, baixinho, e disse: “Não sejas má, dá lá uma nota melhor. Não vês que ela vai para a cama com ele [com o outro]?”. Disse: “Vocês estão a brincar comigo? Então vou dar uma nota melhor e passar uma pessoa que vai para a cama com um de vocês?”. Até era bastante aberto, como é aberto certamente em outras faculdades que não conheço.

É como antigamente: os patrões achavam que era normal irem para a cama com as criadas, assim como os meninos da casa – os rapazes da minha geração com quem falei, não teria perguntado assim, mas quando perguntei “Como é que vocês foram sexualmente iniciados?”, eram com o que eles chamavam “pêgas”, ou seja, p****, ou com as criadas. Eu dizia: “Mas elas, coitadinhas, estão a ser exploradas pelos patrões”. Lembro-me que em casa da minha mãe havia uma miúda que tinha 13 anos e era criada. A minha mãe tinha três criadas e uma governanta, portanto o trabalho não devia ser grande, mas não interessa. Também não tinha irmãos, portanto o problema não se pôs, suponho que aí a minha mãe seria férrea. Mas a maior parte dos rapazes com quem eu falei ia para a cama com as criadas. E vinham com a treta de que elas gostavam imenso. E depois, quando ficavam grávidas? Eram despedidas, mas não fazia mal nenhum, vinham outras. A miséria era tal que arranjar criadas que viessem para Lisboa sem nenhum contato com a família era frequente.

"Não recebi nenhuma reação positiva a este livro, mas já recebi uma reação a dizer 'Deves estar a tremer de medo'."

Já no final do seu livro, diz: “Tenho a impressão que todos os portugueses, dos que ocupam lugares cimeiros até ao peixe miúdo, estão envolvidos em aldrabices”, que não há nenhum português que não esteja habituado a isso. O que é que se pode fazer sobre isto?
Passou a ser um segundo hábito. Há os usos e costumes formais aos quais as pessoas obedecem e depois há um segundo nível, que é o da cunha e que é normal. Lembro que em tempos fiz um filme para a televisão chamado Nados e Criados Desiguais, logo em novembro de 1974. Vinte ou trinta anos depois, a minha filha Sofia tentou recuperar o percurso daqueles cinco miúdos; um deles tinha uma mulher que era funcionária do Hospital de Santa Maria. Ela dizia “Ah, gostámos tanto, o filme era tão bom… sabe, doutora, se precisar de alguma coisa do hospital de Santa Maria, não vá falar à receção, mande-me chamar que eu trato de tudo”. E eu não tinha pedido nada, nem estava doente. Mas é o normal. Foi como aqui no Liceu Pedro Nunes, para inscrever um neto meu. Eu vivo aqui na Estrela mas ele vive longe, no Campo de Santana, e não se podia inscrever porque não vivia aqui. E foi a própria funcionária que disse: “Mas porque é que não dá o nome da avó da criança, que vive aqui na Estrela?”. Além do direito formal, digamos, há uma segunda natureza em que as pessoas acham “Eu não vou lá se cumprir as regras”. Isso também é culpa do Estado, que faz tantos decretos-lei, a maior parte deles obsoletos e sem pés nem cabeça, ninguém compreende aquilo. Então pronto, há as vias informais, uma espécie de economia moral paralela, em que acham bem meter cunhas.

É por isso que também cita várias vezes no livro o Eça de Queirós? O tempo é igual, estamos outra vez no século XIX?
Em algumas coisas sim, noutras coisas não. Por exemplo, a Igreja não tem hoje o poder que tinha no tempo do Eça de Queirós. Mas outras coisas mais profundas mantêm-se, e esta é uma delas. É uma sociedade que tem ainda muitos elementos da sociedade do ancién regime, do patrocinato, do “quem não tem padrinho morre mouro”. Isto mantém-se, e de certa maneira os portugueses do pós-25 de abril, em parte da sua alma e da sua natureza, são os mesmos portugueses de 1974. As características que os fizeram, a dependência que o país e as pessoas têm de terceiros, fizeram com que tivéssemos medo.

Não sei se o meu livro já está nas livrarias, sei que a única coisa que recebi por e-mail foi que ia ser crucificada na praça pública pelos magistrados, pelos doutores. “Como é que te atreves? Vai ser horrível, vais para tribunal, vais isto, vais aquilo”… é uma outra característica que me impressiona, que é o medo.

As pessoas aqui nunca dizem que “o João Rialto” – é uma brincadeira com o Bordalo Pinheiro – “o João Rialto cortou as rosas todas do meu jardim”. Dizem: “Houve uma pessoa loira e com calças amarelas que cortou as rosas do meu jardim”. Nomear as pessoas em Portugal é muito difícil e acham que eu sou muito corajosa. Não sou nada corajosa, faço aquilo que acho que deve ser feito. Se alguém cometer alguma coisa, porque é que eu não ponho o nome? “Ah, não, põe antes ‘alguém que vive no Estoril’ ou ‘um pobre que vive numa barraca’”. Não. A força da coisa está em nomear as pessoas, culpados ou inocentes, e não deixar o nome numa espécie de nuvem.

Não recebi nenhuma reação positiva, mas já recebi uma reação a dizer “Deves estar a tremer de medo”. A última coisa que espero, ainda por cima estando doente, é que haja reações que me venham ameaçar fisicamente. Não vai acontecer, porque o medo está internalizado. Já não há a possibilidade de virem cá uns galfarros bater-me à porta ou entrar-me pela casa adentro para me darem uma sova.

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