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Moraes vs. Musk. Sete respostas para perceber a polémica com o X no Brasil

Dono do X atacou juiz brasileiro na rede social e admitiu não cumprir decisão judicial. Alexandre de Moraes decidiu indiciar Elon Musk no mesmo processo. Poderá o Twitter ser proibido no Brasil?

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Como começou a disputa no Brasil entre o milionário Elon Musk e o juiz Alexandre de Moraes?

Tudo começou com os chamados “Twitter Files Brasil”. O jornalista norte-americano Michael Shellenberger divulgou mais uma série de emails confidenciais do Twitter, antes de a empresa ser comprada por Elon Musk. À semelhança do que já tinha acontecido com os “Twitter Files” dos Estados Unidos, as trocas de email mostram que a Justiça brasileira terá pedido à empresa para apagar determinadas publicações ou banir alguns utilizadores específicos.

A empresa continua obrigada a cumprir alguns desses pedidos, como confirmou o próprio X (antigo Twitter) à BBC: “A X Corp. foi forçada por decisões judiciais a bloquear determinadas contas populares no Brasil. (…) Somos ameaçados com multas diárias se não cumprirmos a ordem”, disse a empresa. “Não acreditamos que tais ordens estejam de acordo com o Marco Civil da Internet ou com a Constituição Federal do Brasil e contestaremos legalmente as ordens no que for possível.”

O empresário Elon Musk disse que iria desafiar ordens do juiz de manter determinadas contas bloqueadas

Getty Images

E eis que o dono da empresa, Elon Musk, recorreu ao próprio X (antigo Twitter) para se pronunciar sobre o tema. Numa série de tweets ao longo deste fim-de-semana, Musk classificou as exigências da Justiça brasileira como “as mais draconianas de todos os países” e anunciou que poderá não as cumprir, reativando algumas das contas banidas. Divulgou também vídeos com instruções sobre como usar uma VPN (rede privada que permite contornar as proibições de acesso a uma plataforma online em determinados países), caso o X venha a ser fechado à força no Brasil.

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Depois, partiu para o ataque contra “Xandão”, como é informalmente conhecido Moraes. “Este juiz tem repetida e descaradamente traído a Constituição e o povo brasileiro. Devia demitir-se ou ser destituído”, escreveu Musk. Identificando diretamente a conta do juiz, acrescentou “Vergonha, Alexandre, vergonha.”

De seguida, em reação à publicação por uma utilizadora de uma fotografia de Alexandre de Moraes com a toga preta a esvoaçar, Musk escreveu “O Darth Vader do Brasil!”

Qual foi a reação de Alexandre de Moraes?

Não foi pelo X, mas sim através da Justiça. O juiz do Supremo Tribunal decidiu indiciar Elon Musk por considerar que Musk terá tido “dolo” na “intrumentalização criminosa” da rede social X.

Na decisão, Moraes indiciou ainda Musk por obstrução à Justiça e anunciou uma multa diária de 100 mil reais por cada perfil banido que seja restaurado pelo X.

Alexandre de Moraes é juiz do Supremo Tribunal desde 2017

NurPhoto via Getty Images

“Na presente hipótese, portanto, está caracterizada a utilização de mecanismos ilegais por parte do ‘X’; bem como a presença de fortes indícios de dolo do CEO da rede social ‘X’, Elon Musk, na instrumentalização criminosa anteriormente apontada e investigada em diversos inquéritos”, justificou o juiz na decisão.

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Na decisão, Alexandre de Moraes deixou ainda clara a sua demanda por regulação das redes sociais. “AS REDES SOCIAIS NÃO SÃO TERRA SEM LEI! AS REDES SOCIAIS NÃO SÃO TERRA DE NINGUÉM!”, escreveu, em letras maiúsculas.

Que investigações lideradas por Moraes envolvem agora Musk?

Como juiz do Supremo Tribunal, Alexandre de Moraes é relator em vários processos — ou seja, conduz a investigação, sobre a qual tem amplos poderes. A partir de agora, o X e Elon Musk estão envolvidos em dois desses inquéritos: o chamado “inquérito das fake news” e o das “milícias digitais”.

O primeiro foi aberto em 2019 por outro juiz do Supremo, que passou depois o processo para as mãos de Moraes. Em causa está a suspeita de que bolsonaristas terão usado as redes sociais para divulgar informações falsas e assim condicionar a eleição presidencial de 2022, que opôs Jair Bolsonaro a Lula da Silva.

O segundo investiga a possível utilização das redes sociais por pessoas próximas a Bolsonaro para promover e justificar uma tentativa de golpe de Estado a 8 de janeiro, quando uma multidão invadiu a Praça dos Três Poderes e entrou no Congresso.

Quem é Alexandre de Moraes?

Alexandre de Moraes é o juiz mais conhecido em todo o Brasil, magistrado do Supremo Tribunal desde 2017 e presidente do Tribunal Superior Eleitoral desde 2022.

Ganhou particular protagonismo com estas investigações a pessoas próximas de Jair Bolsonaro. É visto por alguns como um defensor da democracia e por outros como um juiz que abusa dos seus poderes.“Será Alexandre de Moraes um anjo ou um demónio? Mais Lex Luthor ou Bruce Willis?”, questionou a revista do Le Monde no ano passado, quando teve a rara oportunidade de se encontrar com ele (Moraes não costuma dar entrevistas).

No passado, Moraes esteve envolvido na política local de São Paulo e chegou a ser ministro da Justiça da presidência de Michel Temer. Quando foi nomeado para o Supremo, desfiliou-se do partido em que militava, o PSDB, força política histórica do centro-direita brasileiro.

As suas posições mais conservadoras (é anti-aborto e anti-eutanásia, por exemplo, e defende penas mais duras para menores de idade) fizeram com que a sua nomeação não fosse bem recebida pela esquerda. Lula da Silva chegou mesmo a dizer que a nomeação deste magistrado para o Supremo era “um profundo desrespeito à consciência jurídica do país”.

No passado, Moraes chegou a decidir contra a libertação de Lula da Silva

Anadolu Agency via Getty Images

Nos anos seguintes, continuou a não ser bem visto pelo PT de Lula. Quando teve de se pronunciar sobre o caso da prisão de Lula da Silva (condenado em duas instâncias e depois absolvido no Supremo), Moraes foi um dos juízes que não aceitou o habeas corpus que pedia para colocar o antigo Presidente em liberdade.

Desde que Jair Bolsonaro foi eleito Presidente em 2018, as críticas a este juiz passaram a vir sobretudo da direita, por causa das investigações sobre o uso das redes sociais pelos bolsonaristas. Bolsonaro chegou mesmo a insultar Moraes em público, chamando-lhe “canalha”.

O X pode vir a ser proibido no Brasil?

Em teoria, sim.

Tudo depende agora do que irá Musk fazer: assumirá uma posição de princípio e desafiará o juiz ou acabará por cumprir a lei, mesmo discordando dela? É claro que, em alternativa, pode recorrer judicialmente da decisão.

Se Musk reativar as contas banidas nos processos liderados por Moraes, para além da aplicação de multas, o juiz pode também pedir o bloqueio total daquela rede social no Brasil. Dentro do Supremo, contudo, há quem duvide que o magistrado avance para essa decisão: “Não pode morder o isco”, comentou um dos juízes ao jornal O Globo. “Ele até pode mandar prender os executivos da empresa no Brasil. Tirar do ar o X, jamais.”

Para já, a filial brasileira da empresa ainda está à espera da decisão da sede para saber se desbloqueia ou não as contas banidas, revela a CNN Brasil. Ao mesmo canal, alguns juízes do Supremo disseram estar convictos de que tudo não terá passado de um bluff de Musk e que este não irá desafiar a Justiça brasileira.

Se o fizesse, o X poderia vir a ter um rombo nas contas. É que, de acordo com o Washington Post, o Brasil é o quarto maior mercado da empresa, com quase 20 milhões de utilizadores. Também noutra empresa de Musk, a Starlink, o Brasil é um grande mercado, com a Amazónia a recorrer em massa ao serviço de banda larga por satélite do empresário.

Se Elon Musk quiser, contudo, marcar uma posição contra o que qualifica como um ataque à liberdade de expressão, pode desafiar Moraes. E aí a bola passa para o campo do juiz. “Musk age para provocar a Justiça brasileira”, resumiu à BBC Brasil Bruna Santos, membro da Digital Action. “Acho que a possibilidade de bloqueio do X é real.”

Qual foi a reação dos políticos brasileiros?

Aquilo que se assistiu no Brasil ao longo deste fim-de-semana foi uma divisão clara entre bolsonaristas a apoiarem Musk e petistas a defenderem Moraes.

O ministro da Advocacia-Geral da União (cargo semelhante ao de procurador-geral), Jorge Messias, denunciou “bilionários com morada no exterior” que se colocam em “condições de violar o Estado de Direito”. Já Paulo Pimenta, ministro da Comunicação Social, afirmou que a promessa de Musk de reativar os perfis é “um desrespeito” e disse que o milionário não está “acima da Constituição”. Do governo de Lula da Silva não se ouviram mais vozes até agora.

Já o seu partido, o PT — que em tempos criticava a nomeação de Moraes para o Supremo — emitiu agora uma nota onde escreve que “o bilionário ameaça diretamente o Estado de Direito democrático e as instituições do nosso país” e cola-o “à campanha de mentiras de Jair Bolsonaro contra a Justiça brasileira”.

Do outro lado, alguns congressistas bolsonaristas defenderam o empresário sul-africano. Carlos Jordy escreveu — precisamente no X — que “Musk teve mais coragem para defender a democracia do que todo o Senado”. O deputado Nikolas Ferreira alinhou pelo mesmo tom, partilhando uma imagem de uma das publicações de Musk com a legenda escrita em inglês “Tomates. Obrigado, Elon Musk”.

Mas a reação mais significativa foi a de Jair Bolsonaro. No X, o antigo Presidente partilhou um vídeo do seu encontro pessoal com Elon Musk em 2022, com a legenda: “Elon Musk é o mito da nossa liberdade” . Mais tarde, numa live do seu filho Eduardo Bolsonaro, o antigo Presidente apareceu e voltou a falar do tema: “Teremos mais notícias amanhã. [Musk] diz que vai divulgar tudo que ele recebeu do TSE [Tribunal Superior Eleitoral] sobre como eles eram pressionados a interferir no destino da política brasileira, dando força enorme para a esquerda. Isso vindo de fora, de forma documentada, é um alívio para nós”, disse.

O embate entre Musk e Moraes teve ainda outro impacto no campo da política: o deputado Orlando Silva, relato de um projeto de lei falhado para regular as redes sociais, anunciou que vai pedir para o projeto voltar a ser votado na Câmara dos Deputados. O projeto de lei foi inicialmente chumbado, depois de vários deputados terem mudado a sua orientação de voto antes da votação final. O jornal Estado de S . Paulo publicou uma investigação que dá conta de que essa mudança aconteceu depois de um intenso processo de lobby de algumas empresas tecnológicas junto dos congressistas. Curiosamente, entre elas estavam o Google e a Meta, mas não o X.

O tema tem uma importância maior do que o futuro do X no Brasil?

É evidente que sim. O confronto entre Musk e Moraes ilustra um debate que tem vindo a fazer o seu caminho em vários países, na sequência da ascensão de forças políticas populistas: deve a liberdade de expressão nas redes sociais ser um valor absoluto ou deve o Estado ter o poder de limitar algum conteúdo, como a desinformação e o discurso de ódio?

Elon Musk tem sido um defensor aguerrido de uma liberdade de expressão sem limites nas redes sociais, classificando algumas ações dos Estados para limitar publicações como uma forma de censura. Desde que comprou o X, a plataforma passou a ter regras de moderação muito menos apertadas do que tinha antes.

O Brasil é o quarto maior mercado da rede social X

NurPhoto via Getty Images

Apesar disso, Musk garantiu numa entrevista à BBC no mês passado, que continuará a cumprir as leis de cada país: “Se tivermos de escolher entre o nosso pessoal ser preso ou cumprirmos a lei, iremos cumprir a lei”, assegurou. A questão para o empresário coloca-se sobretudo nas democracias ocidentais — Musk tem mantido uma boa relação com o regime chinês, conhecido pelas suas práticas de censura online.

O debate sobre os limites à liberdade de expressão nas redes sociais já domina o espaço público nos Estados Unidos e abre-se agora um novo capítulo no Brasil. Sobre o caso da decisão de Moraes, alguns juristas brasileiros mencionam um risco para a liberdade de expressão e apontam “equívocos jurídicos” de Moraes neste caso.

Os juízes do Supremo, contudo, cerram fileiras e relembram que, mesmo não concordando, Musk deve cumprir a lei: “Decisões judiciais podem ser objeto de recursos, mas jamais de descumprimento deliberado. Essa é uma regra mundial do Estado de Direito e que faremos prevalecer no Brasil”, afirmou o juiz Luís Roberto Barroso.

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