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O Algarve é uma das regiões mais procuradas pelos turistas na Europa — e é uma das que mais podem perder com as alterações climáticas
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O Algarve é uma das regiões mais procuradas pelos turistas na Europa — e é uma das que mais podem perder com as alterações climáticas

LUÍS FORRA/LUSA

O Algarve é uma das regiões mais procuradas pelos turistas na Europa — e é uma das que mais podem perder com as alterações climáticas

LUÍS FORRA/LUSA

O aquecimento global pode levar os turistas para o norte da Europa. Saberá Portugal adaptar-se?

As alterações climáticas terão um forte impacto no turismo. Um estudo recente coloca o Algarve e o Alentejo entre as zonas da Europa que vão perder mais turistas. A chave é diversificar a oferta.

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Não é por acaso que a costa mediterrânica do continente europeu é um dos principais destinos de férias do mundo, recebendo anualmente mais de 400 milhões de turistas internacionais. O calor do verão, as temperaturas amenas no resto do ano e as águas quentes do Mediterrâneo deram ao sul da Europa a sua vocação turística, um setor responsável por 15% do PIB da região. Mas tudo isso pode estar em risco devido às alterações climáticas: com o aquecimento global, o sul da Europa poderá tornar-se demasiado quente e desconfortável para atrair turistas, que vão começar a procurar o tempo ameno mais a norte, nas regiões que hoje são demasiado frias para captar os veraneantes.

Esta conclusão não é uma novidade: são bem conhecidos os dados que mostram como o aquecimento global está a fazer subir as temperaturas em todo o planeta e, por conseguinte, a transportar para latitudes mais elevadas as características climáticas típicas do equador. Há até o risco de a faixa em torno da linha do equador atingir temperaturas que serão demasiado elevadas para os humanos viverem, colocando 3,5 mil milhões de pessoas em risco de se tornarem refugiados climáticos. Em simultâneo, nas próximas décadas, algumas regiões da Europa poderão começar a registar condições climáticas parecidas às que se verificam hoje em dia no norte de África.

Mas um novo estudo, publicado recentemente, dá números concretos a esta realidade: em diferentes cenários de aquecimento global (1,5ºC, 2ºC, 3ºC e 4ºC), o aumento das temperaturas médias vai fazer deslocar a procura turística do sul do continente europeu para o norte. O Algarve e o Alentejo contam-se entre as regiões da Europa mais afetadas pela diminuição da procura turística, podendo perder mais de 5% dos turistas que recebem anualmente no cenário mais pessimista. Em contrapartida, regiões como o norte de França e da Alemanha, a Dinamarca, o Reino Unido e até os países nórdicos, cujas condições climáticas se vão tornar progressivamente mais amenas, deverão ver a procura turística aumentar significativamente.

As conclusões são do estudo “Regional impact of climate change on European tourism demand”, publicado recentemente pelo Joint Research Centre (JRC), o centro de investigação multidisciplinar da Comissão Europeia, que tem a missão de realizar estudos independentes para suportar cientificamente as políticas da União Europeia. A equipa de autores inclui os investigadores portugueses Filipe Batista e Silva e Ricardo Ribeiro Barranco. A grande pergunta a que os investigadores procuraram responder era simples: de que forma é que as alterações climáticas afetam a procura turística na Europa? Embora a pergunta pareça simples, a resposta não é. Que variáveis ter em conta? Como medir a relação entre as condições do clima e a atratividade turística de um lugar? E como projetar essa relação no futuro?

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Um nadador-salvador da praia de Quarteira retira a bandeira vermelha, que interditava os turistas a banhos devido à presença de bactérias prejudiciais à saúde na água do mar, para hastear a bandeira verde que permite os banhos, após nova análise à qualidade da água nas praias de Quarteira e Vale do Lobo, em Loulé, 26 de julho de 2023. A interdição a banhos nas praias de Quarteira e Vale do Lobo, no Algarve, que durou menos de 24 horas e cuja interdição foi hoje levantada, foi causada por um foco de poluição. RICARDO NASCIMENTO/LUSA

Portugal tem um turismo significativamente dependente da praia

RICARDO NASCIMENTO/LUSA

No fim de contas, as conclusões do estudo podem parecer até contraintuitivas: no cenário mais pessimista, o aquecimento global terá um impacto positivo no turismo europeu, com um aumento de 1,58% dos turistas esperados em todo o continente. “Mas os resultados agregados escondem um grande grau de heterogeneidade entre as regiões”, avisam os cientistas. “Encontrámos um claro padrão norte-sul, com ganhos turísticos na Europa Central e do Norte e reduções de procura nas zonas do sul.” Mesmo que o cenário mais dramático até aponte para um aumento da procura turística no continente europeu, o que é certo é que as alterações climáticas vão provocar uma redução significativa da procura turística nas regiões do continente que hoje mais estão vocacionadas para o turismo e que mais dependem do setor.

O conforto climático aumenta mesmo a procura turística?

Mas primeiro: como medir a relação entre as condições do clima e a procura turística?

No estudo, os investigadores explicam que ao longo das décadas a “adequação do clima às atividades turísticas tem sido avaliada com recurso a índices turístico-climáticos”. O primeiro destes índices foi desenvolvido na década de 1980 e, desde então, várias adaptações têm sido feitas. Para este estudo, os investigadores do JRC criaram um índice calculado a partir de quatro indicadores, com pesos diferentes. O primeiro é o “índice de conforto diário”, um indicador que junta a temperatura média do ar com a humidade relativa do ar, com um peso de 50% na fórmula; o segundo é a precipitação, com um peso de 20%; o terceiro é a velocidade média do vento, com um peso de 10%; e, por fim, um valor estético, associado às horas de sol e à cobertura de nuvens, com um peso de 20% na fórmula.

Os investigadores usaram, depois, todos estes dados para, a partir dos registos meteorológicos históricos, calcular o TCI (sigla inglesa para Touristic Climate Index) de cada região da União Europeia + Reino Unido, em cada mês entre 2000 e 2019. Para uniformizar os dados a nível europeu, o estudo baseia-se nas regiões NUTS II de toda a UE: em Portugal, trata-se das regiões Norte, Centro, Alentejo, Algarve, Área Metropolitana de Lisboa, Açores e Madeira.

Obtido o índice de conforto climático em cada mês registado em cada uma das 269 regiões que compõem o território da União Europeia e Reino Unido, em cada mês do período 2000-2019, os autores do estudo recorreram aos registos históricos para identificar a procura turística mensal em cada um desses territórios ao longo do mesmo período. Para a procura turística, o indicador utilizado foi o número de dormidas em alojamentos turísticos no período de um mês em cada região.

Feitas as contas, e incluídos também fatores económicos específicos de cada lugar e relacionados com a sazonalidade, os investigadores chegaram a uma conclusão a partir do cruzamento das duas realidades: o conforto climático aumenta mesmo a procura turística. Concretamente, um aumento de 1% no TCI traduz-se num aumento médio de 0,57% no número de dormidas nas várias regiões da UE e Reino Unido.

Um aumento de 1% no índice de conforto climático para o turismo faz crescer em 0,57% o número de dormidas em alojamentos turísticos. Nas regiões costeiras, este aumento é de 1,2%.

Mas as regiões da Europa não são todas iguais: há destinos de praia, há zonas rurais, há cidades, e por aí fora. Por essa razão, os autores do estudo também classificaram cada uma das 269 regiões europeias com uma de seis categorias: urbana, costeira, natureza, montanha/neve, rural e mista. As regiões onde a procura turística é mais influenciada pelo conforto climático são as costeiras, onde um aumento de 1% no TCI se traduz num aumento de 1,2% no número de dormidas. Na maioria das outras regiões, este aumento é menos expressivo — e nas regiões urbanas não é sequer significativo.

Portugal entre os países que vão perder mais turistas

Em 2015, quase duas centenas de países negociaram o Acordo de Paris, o mais relevante tratado internacional sobre o clima atualmente em vigor. No acordo, a quase totalidade dos países do mundo comprometem-se a esforçar-se por limitar o aquecimento global a, no máximo, 2ºC em relação às temperaturas de referência da chamada era pré-industrial (habitualmente apontada como o período entre 1850 e 1900). O acordo prevê também que, idealmente, o aumento global das temperaturas do planeta não deve exceder os 1,5ºC em relação a esses níveis de referência.

Isto não quer dizer que, para que sejam cumpridas as metas de Paris, o planeta ainda possa aquecer 1,5ºC ou 2ºC: atualmente, a comunidade científica estima que o planeta já se encontre 1,2ºC mais quente do que na era pré-industrial. E, olhando para as políticas climáticas atualmente em vigor nos vários países do mundo, o planeta deverá chegar a 2100 cerca de 2,7ºC mais quente do que na era pré-industrial — uma realidade muito acima dos limites definidos em Paris. Alguns cenários mais pessimistas previstos pelos cientistas do IPCC (sigla inglesa para Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas, da ONU) apontam mesmo para a possibilidade de um aquecimento global superior a 4ºC até ao final do século, com consequências dramáticas para a Humanidade.

Para compreender o modo como as alterações climáticas podem impactar a procura turística no continente europeu, os autores do estudo usaram quatro cenários diferentes que a comunidade científica tem admitido para o aumento da temperatura global até ao ano 2100: 1,5ºC e 2ºC (as metas do Acordo de Paris), 3ºC e 4ºC (os cenários mais pessimistas). Com base em modelos climáticos, os investigadores procuraram estimar o modo como o aquecimento global nos quatro cenários irá afetar o TCI, o índice que avalia o conforto climático de cada uma das 269 regiões europeias, até 2100. A partir daí, calcularam de que modo iria afetar a procura turística nas várias regiões, tendo em conta a relação encontrada, na primeira fase do estudo, entre o TCI e o número de dormidas.

O cenário mais pessimista — um aquecimento global de 4ºC — pode representar para Portugal uma perda de 3,31% do número de turistas. Pegando nos números de 2022 (22,3 milhões de turistas), seriam menos 700 mil visitantes.

Nas projeções feitas com base nos cenários mais otimistas, o impacto do aquecimento global na procura turística no continente europeu é limitado.

No cenário de 1,5ºC, a maioria das regiões europeias (80%) são afetadas numa “proporção muito pequena”, sem grande relevância estatística: são pequenas variações que oscilam entre -1% e +1%. Segundo o estudo, neste cenário os impactos mais significativos registar-se-iam em Chipre (que perderia 1,86% das dormidas) e na região costeira da Finlândia (cuja procura turística aumentaria em 3,25%). Os autores do estudo explicam que, no cenário de 2ºC, os resultados da projeção são “bastante semelhantes”.

Os maiores problemas surgem quando olhamos para os dois cenários mais pessimistas (3ºC e 4ºC), que, com base nas políticas climáticas atualmente em vigor na maioria dos países do mundo, se afiguram como mais prováveis. Nestes dois cenários, “são projetadas para a Europa mudanças significativas nos padrões de procura [turística], surgindo um claro padrão norte-sul”.

A previsão da evolução da procura turística nas 269 regiões da UE e Reino Unido entre 2019 e 2100 em quatro cenários diferentes de aquecimento global

Estudo do JRC

“Projeta-se que as regiões da Europa Central e do Norte se tornem mais atrativas para as atividades turísticas ao longo de todo o ano, em detrimento das áreas do Sul e do Mediterrâneo”, dizem ainda os autores do estudo. “Num cenário de aquecimento global de 4ºC, projeta-se que 80% das regiões vejam a sua procura turística aumentar em relação a 2019. Prevê-se um aumento superior a 3% no número de dormidas num total de 106 regiões (as regiões entre o azul claro e o escuro no mapa acima). Por outro lado, prevê-se que 52 regiões na Bulgária, Grécia, Chipre, Espanha, França, Itália, Portugal e Roménia tenham perdas de fluxo turístico em relação ao presente.”

No cenário mais pessimista, o maior impacto regista-se nas Ilhas Jónicas, na Grécia, que deverão perder 9,12% dos seus turistas até 2100 num planeta 4ºC mais quente. Em sentido contrário, o maior aumento regista-se na parte ocidental do País de Gales, no Reino Unido, onde se deverá verificar uma subida de 15,93% na procura turística até ao final do século. Por outro lado, há um tipo específico de turismo que pode ser profundamente afetado pelas mudanças climáticas: o turismo de neve. Um estudo recente publicado na Nature já apontava para os crescentes custos da eletricidade necessária para produzir neve artificial nas estâncias de esqui europeias, para fazer face aos períodos do ano em que escasseia a neve.

“Já se sabe que as regiões costeiras e as ilhas são muito vulneráveis aos impactos das alterações climáticas e isto é confirmado também pela nossa análise, em que se projeta que as regiões costeiras enfrentem os maiores impactos na procura turística, nos cenários de maior aquecimento global”, diz ainda o estudo. Segundo os autores da investigação, 63% das regiões em que o impacto é maior do que +5% ou -5% são zonas costeiras. O mesmo se verifica numa escala maior, olhando para os países: Chipre, Grécia, Espanha, Itália e Portugal são os países com maiores perdas na procura turística nos cenários mais pessimistas no que toca ao aquecimento global. Já a Alemanha, a Dinamarca, a Finlândia, a França, os Países Baixos, a Suécia e o Reino Unido são os países em que se esperam maiores aumentos na procura.

Concretamente, no caso português, um cenário de aquecimento global de 1,5ºC deverá ter um impacto de -0,50% na procura turística; um cenário de 2ºC resulta num impacto de -0,54%; um cenário de 3ºC num impacto de -1,49%; e um cenário de 4ºC num impacto de -3,31%. A título de exemplo, em 2022 Portugal recebeu 22,3 milhões de turistas não residentes. No cenário mais pessimista, estaria em causa uma perda de mais de 700 mil turistas num ano.

A época alta vai deixar de ser no verão?

Mas as alterações climáticas não vão ter um impacto apenas no número absoluto de pessoas que vão procurar determinadas regiões para fazer turismo: também vai impactar a altura do ano em que escolhem fazê-lo. Com as temperaturas a subir de modo generalizado, o pico do verão poderá tornar-se demasiado quente ao ponto de se tornar desconfortável para as férias. Estações mais amenas como a primavera e o outono poderão, assim, tornar-se as preferidas para o descanso.

“Além da redistribuição geográfica, os padrões sazonais do turismo europeu também deverão sofrer alterações consideráveis, com os meses de verão a tornarem-se menos atrativos, enquanto as estações intermédias e o inverno se vão tornar mais apelativas, já que as condições climáticas vão melhorar”, lê-se no estudo.

No caso das regiões costeiras da Europa do Norte, em países como o Reino Unido ou a Suécia, prevê-se um aumento de mais de 5% na procura turística durante o verão e o início do outono.

Por outro lado, as regiões costeiras do Sul da Europa, que incluem Portugal, Espanha, Itália, Chipre, Grécia, entre outros países, deverão sofrer perdas muito significativas, até 10%, no fluxo turístico registado no verão. Uma grande parte dessa perda de fluxo turístico no verão será, contudo, compensada pelo aumento da procura turística na primavera, no outono e até no inverno.

Beach life in the Algarve

No caso português, o foco no turismo de sol e mar pode representar uma ameaça para o setor a longo prazo

Matthias Balk/picture alliance via Getty Images

No plano global europeu, os autores do estudo identificam um padrão de aumento de procura turística nos meses da primavera (março-maio) e no outono (setembro-novembro) — quanto mais pessimista é o cenário climático, maior é o aumento de procura nestes meses de meia estação. O principal destaque vai para o mês de abril, que será o recordista do aumento de procura turística na média europeia: no cenário mais otimista (1,5ºC), vê a sua procura turística aumentar 1,96%; no cenário mais pessimista (4ºC), a procura de turistas no mês de abril sobe 8,89%. Já o mês que mais turistas vai perder será julho — com perdas que podem chegar aos -5,72% no cenário mais pessimista.

“Palavra-chave é diversificação”

O Observador procurou falar com os cientistas portugueses envolvidos neste estudo para obter informações adicionais sobre o impacto das alterações climáticas na procura turística em Portugal. Contudo, o investigador Filipe Batista e Silva explicou ao Observador que, devido ao grande interesse mediático gerado pelo estudo em questão, a Comissão Europeia tinha dado indicações para que os cientistas remetessem os jornalistas para a informação que consta do estudo.

Numa mensagem por escrito ao Observador, o investigador português apontou apenas que o estudo “é baseado em modelação matemática e ambiental e, como todos os modelos, há um grau de generalização e incerteza”. Por isso, diz Filipe Batista e Silva, “os resultados devem ser interpretados com cautela, e no pressuposto de que os cenários e assunções tomadas na modelação se irão verificar”.

Em entrevista ao Observador, o geógrafo João Viljoen de Vasconcelos, que tem dedicado grande parte da sua carreira ao estudo da interseção entre as alterações climáticas e o turismo, explica que o grande desafio que estes dados representam é o da adaptação: Portugal e os outros países da região do Sul da Europa têm de saber diversificar a sua oferta turística para não ficarem exclusivamente dependentes de fatores como o sol e o mar. João Viljoen de Vasconcelos é investigador do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT) da Universidade de Lisboa e professor na área do Turismo, Geografia e Ambiente na Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar do Politécnico de Leiria.

“Quando dizemos que no Algarve as temperaturas do ar, se o clima no verão se tornar muito desagradável, por exemplo com ondas de calor sucessivas, podem ter impacto nos turistas, estamos a falar de um impacto pontual”, caracteriza Vasconcelos, sustentando que notícias como “onda de calor mata turista”, embora trágicas, representam um efeito “pontual” de um problema estrutural. O grande problema é justamente essa dimensão estrutural: por exemplo, “o calor tornar-se tão nefasto que as pessoas deixam de vir para o Algarve e procuram outros sítios, como a Galiza e outras regiões do norte”.

"Se o clima é um dos motores do turismo, se eu vejo que as alterações climáticas o podem ameaçar, o que não vejo é o que é que o plano diz que podemos fazer."
João Viljoen de Vasconcelos, geógrafo e investigador na área do turismo e do clima

O investigador português sublinha que a bacia do Mediterrâneo, que inclui os países do Sul da Europa, é “um dos cinco hotspots das alterações climáticas”, uma região do mundo que se caracteriza, entre outros elementos, por verões cada vez mais quentes, surtos de novas doenças e escassez de água. Vasconcelos lembrou, por exemplo, o surto de dengue registado na ilha da Madeira entre 2012 e 2013. “Só lá houve dengue porque havia condições [climáticas] para o mosquito sobreviver. A doença terá sido importada por venezuelanos”, explica, recordando que na altura as principais agências turísticas na Alemanha começaram a aconselhar os turistas a não viajar para a Madeira, o que levou ao cancelamento de muitas reservas.

Para João Viljoen de Vasconcelos, situações como o surto de dengue na Madeira são apenas um sinal de um processo gradual de “subida da latitude dos climas mediterrâneos” — uma alteração estrutural no clima do planeta que vai impactar a procura turística e que obriga os países cuja economia depende do turismo a encontrar soluções para o problema.

No entender do geógrafo, é aqui que ainda reside uma parte substancial do problema em Portugal e na maioria dos países do Sul da Europa. Na entrevista ao Observador, João Viljoen de Vasconcelos lembrou um exercício que faz habitualmente com os seus alunos: percorrer as 137 páginas do antigo Plano Estratégico Nacional do Turismo (PENT) em busca de referências ao clima. “Punha os meus alunos a fazer ‘Ctrl+F’ por ‘clima’, ‘aquecimento global’, ‘subida do nível do mar’, ‘ondas de calor’, etc”, recorda Vasconcelos. As poucas referências ao clima encontradas iam todas no sentido de apresentar o clima português como um dos ativos mais importantes para o turismo em Portugal.

Aliás, o “Clima e Luz” é mesmo o primeiro dos quatro fatores identificados pelo Turismo de Portugal como diferenciadores da oferta do país. Seguem-se “História, Cultura e Tradição”, “Hospitalidade” e “Diversidade concentrada”. Contudo, não há qualquer referência ao modo como as alterações climáticas estão a afetar, passe-se a redundância, o clima. “Este plano assume que o clima é o fator preponderante, mas não tem uma palavra sobre alterações climáticas”, aponta o geógrafo.

O PENT já não está em vigor, tendo sido substituído em 2017 pela Estratégia Turismo 2027. Neste novo documento, há já uma pequena diferença: o clima continua a ser apontado como o principal fator diferenciador da oferta turística em Portugal, mas as “alterações climáticas” são elencadas numa lista de ameaças externas ao turismo português. É a única referência. “Se o clima é um dos motores do turismo, se eu vejo que as alterações climáticas o podem ameaçar, o que não vejo é o que é que o plano diz que podemos fazer”, diz Vasconcelos.

“Seria interessante que o setor do turismo, em conjunto com os outros setores, pensasse: se a procura turística vai mudar, como é que se vai adaptar”, diz o geógrafo ao Observador. “Em Portugal, temos um turismo muito dependente do sol e do mar”, aponta ainda Vasconcelos. “Nunca vamos abdicar do sol e do mar, mas o turismo ganha particularmente quando os produtos estão integrados entre si. Já não há um turista que venha só a um produto.” Ou seja, explica o geógrafo, um turista é simultaneamente turista cultural, turista balnear, turista gastronómico, turista urbano, e por aí fora. É necessário, diz, “ter uma oferta menos dependente” do clima.

Olhando para o horizonte 2100 — o horizonte do estudo da Comissão Europeia —, João Viljoen de Vasconcelos admite que é “difícil” pensar uma estratégia de adaptação nesse prazo. “Temos recursos turísticos que são muito importantes, o sol e o mar, e dificilmente mudaremos essa matriz. Mas também temos a natureza e a cultura, por exemplo. Temos de intercalar estes produtos, para que não haja nenhum a sofrer com perda de competitividade”, explica. “Regiões que possam sofrer mais com a seca e o calor extremo, como o Algarve e o Alentejo, têm de ter uma diversidade de outros produtos.”

Além de analisar a estratégia portuguesa para o turismo, o geógrafo também realizou um trabalho de comparação das várias estratégias nacionais de um conjunto de países europeus do Mediterrâneo, procurando referências às alterações climáticas nos vários documentos. Nas estratégias de países como França, Espanha, Chipre, Montenegro, entre vários outros, encontrou quase sempre referências ao clima favorável como um recurso turístico. Menos de metade dos países do Mediterrâneo mencionam as alterações climáticas e apenas um — Montenegro — incluía, na estratégia, um plano claro para adaptar o setor do turismo à nova realidade climática, diversificando a oferta. “A palavra chave é a diversificação”, resume o investigador.

 
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