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Como signatário do Estatuto de Roma desde 2001, o Brasil é obrigado a respeitar os mandados de captura emitidos pelo Tribunal Penal Internacional

AFP via Getty Images

Como signatário do Estatuto de Roma desde 2001, o Brasil é obrigado a respeitar os mandados de captura emitidos pelo Tribunal Penal Internacional

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Putin pode ir ao Brasil e não ser detido? Afronta de Lula a Tribunal Penal Internacional podia resultar em impeachment

Lula da Silva disse que Putin podia ir ao Brasil sem ser detido, mas, se isso acontecer, desrespeita estatutos do TPI e da constituição. Se arriscar receber líder russo, pode mesmo sofrer impeachment.

Um “desastre diplomático.” As declarações de Lula da Silva relativamente a uma possível ida de Vladimir Putin à cimeira do G20, que se realizará em novembro de 2024 no Rio de Janeiro, geraram polémica e uma onda de críticas que obrigaram o Presidente brasileiro a voltar atrás com a palavra. Mas as garantias iniciais de Lula de que o Presidente russo não seria detido se pisasse o território brasileiro subiram de tom: se o Chefe de Estado brasileiro não detiver o seu homólogo russo, alvo de um mandado de captura internacional emitido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), pode sofrer um processo de impeachment, como apontam vários analistas.

Liderando um país signatário do Estatuto de Roma, o Presidente do Brasil é obrigado a respeitar os mandados de captura emitidos pelo Tribunal Penal Internacional, não podendo, à luz da constituição brasileira, ignorá-los ou tomar decisões contrárias aos mesmos. Sylvia Steiner, antiga procuradora da República no Brasil e também antiga juíza no órgão jurídico com sede em Haia, entre 2003 e 2016, escreveu um artigo de opinião, na Folha de São Paulo, a lembrar Lula da Silva que a lei máxima do país “prevê, no seu artigo 5º, parágrafo 4º, que o Brasil se submete à jurisdição do Tribunal Penal Internacional”. 

Assim, contrariamente ao que Lula afirmou numa entrevista ao canal indiano First Post, divulgada no domingo, Vladimir Putin não pode ir “tranquilamente ao Brasil” sem ser detido e o Presidente brasileiro não pode argumentar que isso é um “desrespeito” para com Brasília — ou arrisca-se a sofrer duras consequências, a mais grave delas o início de um processo de impeachment

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A juíza Sylvia Steiner lembra que constituição "prevê, no seu artigo 5º, parágrafo 4º, que o Brasil se submete à jurisdição do Tribunal Penal Internacional"

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Como se pode originar um impeachment se Putin for ao Brasil?

Em declarações ao portal UOL, o jurista Wálter Maierovitch considera que foi precisamente o risco de Lula da Silva poder sofrer um processo de impeachment que o fez recuar nas suas declarações sobre a ida de Vladimir Putin ao Rio de Janeiro. “Falaram para ele: ‘Lula, se você continuar com essa besteira, vai cometer crime de responsabilidade e ficará sujeito a impeachment’. […] Tenha dó da gente por falar tanta besteira internacionalmente”, alegou o responsável jurídico que também é comentador televisivo.

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Em termos concretos, o jurista referiu que, além da nacional, o Brasil regula-se por duas jurisdições: a do Tribunal Penal Internacional e a da Corte Interamericana de Direitos Humanos. “Quando estas cortes emitem ordem de prisão, é um mandado internacional. Não depende do aval da Justiça brasileira. É uma ordem e ela se cumpre. A Polícia Federal prende imediatamente”, clarificou Wálter Maierovitch.

De acordo com o artigo 85.º da Constituição brasileira, os crimes de responsabilidade são “atos do Presidente brasileiro que atentem contra a Constituição Federal”; ora, como a lei máxima impõe a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, isso poderia levar a uma acusação contra Lula da Silva pela prática daquele crime, se permitisse a entrada de Vladimir Putin no país e tentasse obstaculizar a sua detenção.

Segundo a constituição brasileira, o crime de responsabilidade, “ainda quando simplesmente tentado”, é “passível da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República”.

"Falaram para ele: 'Lula, se você continuar com essa besteira, vai cometer crime de responsabilidade e ficará sujeito a impeachment'. [...] Tenha dó da gente por falar tanta besteira internacionalmente"
Jurista Wálter Maierovitch

“O crime de responsabilidade está ligado ao cumprimento da Constituição”, acrescentou Wálter Maierovitch, que considerou uma “vergonha” as declarações de Lula da Silva, uma vez que ferem “a tradição da diplomacia brasileira”. “Mas essa manifestação dele não é surpreendente. Sob o aspeto político, Lula tem revelado uma predileção especial por autocratas, como os da Nicarágua, da Venezuela e da Rússia”, criticou o jurista.

Lula da Silva volta atrás, mas promete avaliar situação

Após a polémica, o Presidente brasileiro voltou atrás e descartou a possibilidade de desempenhar qualquer papel numa possível detenção de Vladimir Putin, deixando a decisão nas mãos da “Justiça brasileira”. Contudo, Lula da Silva contrariou o que havia dito dias antes, tendo salientado na entrevista ao canal indiano First Post que enquanto fosse chefe de Estado não havia motivo para que o homólogo russo fosse “preso” se fosse à cimeira do G20. “Ninguém vai desrespeitar o Brasil. É preciso as pessoas levarem isso muito a sério.”

Na opinião do jurista Wálter Maierovitch, o facto de Lula da Silva colocar o ónus na justiça brasileira continua a ser um “erro”. “Ele recua e continua a tropeçar porque ele diz que, se vier uma ordem, a justiça analisa”, destacou o responsável jurídico em declarações à agência de notícias italiana ANSA, esclarecendo que o cumprimento de um eventual mandado do Tribunal Penal Internacional é automático — e não carece de avaliação prévia de um tribunal brasileiro.

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Lula da Silva diz que vai rever a adesão do Brasil ao Tribunal Penal Internacional

AFP via Getty Images

Apesar da inversão no discurso, o Presidente brasileiro deixou várias críticas ao Tribunal Penal Internacional, confessando que “nem sabia da existência” daquele organismo. “Os Estados Unidos não são signatários, a Rússia não é signatária. Então, eu quero saber por que o Brasil é signatário de um tribunal que os Estados Unidos não aceitam”, questionou o líder do Brasil, acrescentando que, no seu entender, “o papel do Tribunal Penal Internacional tem de ser revisto”. “Por é que temos de ser inferiores?”

Porém, como nota a antiga juíza do TPI no artigo escrito na Folha de São Paulo, Lula da Silva parecia conhecer aquela instituição há 20 anos. “Foi você quem me fez juíza daquele tribunal, meu Presidente”, escreveu Sylvia Steiner, acrescentando: “Foi na sua gestão, e graças ao empenho de seu ministro Celso Amorim, que fui eleita como a ‘juíza brasileira do TPI’ em fevereiro de 2003. Primeira composição do recém-criado tribunal! Tenho até hoje a carta que você me enviou, parabenizando-me por minha eleição.”

PT com críticas (e lembra Bolsonaro)

Nem mesmo o Partido dos Trabalhadores (PT) ficou satisfeito com as declarações de Lula da Silva sobre uma possível ida de Vladimir Putin ao Rio de Janeiro. Como apurou o jornalista Vinícius Nunes do jornal Metrópoles, os petistas concordaram com as críticas do Presidente ao “americanismo” e relativamente à não participação dos Estados Unidos no Tribunal Penal Internacional. Mas não com a reavaliação que o Chefe de Estado quer fazer da presença de Brasília naquele órgão jurídico.

Partido dos Trabalhadores não ficou agradado com as declarações de Lula da Silva devido às queixas endereçadas ao TPI em nome de Bolsanaro

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Isto porque várias organizações — com o apoio explícito do Partido dos Trabalhadores — enviaram queixas ao TPI, para que o órgão jurídico investigasse a possível prática de genocídio decorrente da gestão de Jair Bolsonaro durante a pandemia de Covid-19. Com a saída do Brasil do Tribunal Penal Internacional, as denúncias contra o antigo Presidente brasileiro ficariam automaticamente sem efeito.

Também no governo brasileiro as declarações de Lula da Silva geraram desconforto. Segundo o portal uol, um membro pertencente ao Ministério das Relações Externas considerou um “desastre ” o facto de o Presidente brasileiro ter endereçado críticas ao TPI e ter desafiado a instituição à boleia de uma eventual passagem de Vladimir Putin pelo Brasil.

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